Acórdão nº 1129/2006-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCARLOS BENIDO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

25 P. 1129/06- 9 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO No processo comum colectivo nº 519/03.1PESNT, da 2ª Vara de Competência Mista Cível e Criminal da Comarca de Sintra, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento os arguidos P. e D..

Estavam imputados aos arguidos os seguintes crimes: Ao arguido P, a prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, 26º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j), todos do C. Penal e um crime de detenção de arma de fogo fora das condições legais, p. e p. pelo artº 6º da Lei nº 22/97, na redacção dada pela Lei nº 98/01; Ao arguido D.

, a prática, em autoria material, de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artº 367º, do C. Penal.

Após julgamento, foi decidido: - condenar o arguido P.

, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, 26º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j), todos do C. Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma de fogo fora das condições legais, p. e p. pelo artº 6º da Lei nº 22/97, na redacção dada pela Lei nº 98/01, na pena de 8 (oito) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão; - condenar o arguido D.

, pela prática de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artº 367º, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido P.

, concluindo: 1- No que respeita ao arguido P., do texto do Acórdão Condenatório importa atender aos quatro factos dados como provados, para considerar provada a prática, por aquele de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, n.°s 1 e 2, 26°, 131° e 132, nºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal, e de um crime de detenção de arma de fogo fora das condições legais, p. e p. pelo artigo 6° da Lei n.° 22/97, na redacção da Lei 98/2001.

2- Trata-se dos factos descritos como provados nos parágrafos 9°, "E, enquanto continuava a caminhar, voltou-se rapidamente para trás, verificou a localização do seu perseguidor e, empunhando a referida arma, premiu o gatilho por duas vezes, efectuando dois disparos na direcção do agente N., o qual se encontrava a cerca de 5 metros, atrás de si".

3- Parágrafo 11º "O arguido P. quis atingir a vitima, tendo feito pontaria para a zona do tórax, bem sabendo que nesta se alojam órgãos essenciais à vida".

4- Parágrafo 15° "O Arguido sabia que o ofendido era agente da PSP e que o perseguia no exercício das suas funções e quis também evitar ser identificado e fiscalizado pela autoridade policial".

5- Parágrafo 16° "O mesmo quis deter arma de fogo sabendo que não é detentor de qualquer autorização ou licença de uso e porte de armas".

6- Não resultando, em nenhum dos casos, suficientemente provado a prática pelo arguido dos crimes pelos quais foi condenado.

7- Num processo com tantas testemunhas, a prova cinge-se quase em exclusivo a duas, o que não deixa de ser estranho.

8- Não foram valorados, os depoimentos das testemunhas, E e B., que afirmaram, ter sido coagidos nos seus depoimentos, ainda que o tribunal não os tenha colocado em crise.

9- Para que o arguido fosse considerado autor da prática do crime em questão, ..."Não bastará nunca demonstrar que foi morta uma das pessoas mencionadas, no exercício das suas funções ou por causa delas, mas será sempre necessário provar que tais circunstâncias revelam, no caso, a especial censurabilidade ou perversidade do agente; o que só acontecerá se ao homicídio puder ligar-se uma especial baixeza da motivação, ligados à particular qualidade da vitima ou à função que ela desempenha" Jorge Figueiredo Dias, Pag. 41, Comentário Conimbricense do Código Penal.

10- É forçoso admitir que não se encontram reunidos, contrariamente ao que afirma o tribunal a quo, os elementos subjectivos e objectivos do tipo tendentes à condenação de P., no crime de tentativa de homicídio qualificado.

11- A conduta descrita, dos factos dados como provados no Acórdão, a traduzir-se em qualquer tipo de ilícito, o que repudiamos, mas por mero dever de patrocínio se aceita, só poderia consubstanciar uma situação de tentativa de ofensa à integridade física grave, eventualmente, qualificada, p. e p. pelos artigos 144 e 146 do Código Penal.

12- O recorrente foi condenado na pena de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, nos termos dos artigos 22°, n.°s 1 e 2, 26°, 131° e 132, nºs 1 e 2, al. j) todos do Código Penal.

13- E na pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática, de um crime de detenção de arma de fogo fora das condições legais, p. e p. pelo artigo 6° da Lei n.° 22/97, na redacção da Lei 98/2001.

14- O recorrente não sendo primário, apenas tem condenação, em multa, por um crime de condução sem habilitação legal, e uma outra condenação pela prática de ofensas à integridade física simples, apesar de desempregado, trabalha com o seu pai, em trabalhos de ocasião, ditos "ganchos".

15- O recorrente tem garantido um apoio importante, nos planos afectivo, funcional e económico, dos seus pais, que a exemplo do recorrente, sempre estiveram com ele, nas Audiências de Julgamento.

16- A pena que lhe foi aplicada ao crime de tentativa de homicídio, mesmo que o tivesse praticado, o que se contesta, é, assim, excessivamente pesada.

17- Nestes termos e em qualquer caso, deverá a pena ser substancialmente reduzida, não devendo ultrapassar os cinco anos, atendendo ao mínimo legal ser de 2 anos, 4 meses e 24 dias.

18- É um jovem.

Assim, absolvendo o recorrente, ou, se assim se não entender, condenando-o pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, e reduzindo-lhe consideravelmente a pena aplicada, farão V. Exas justiça.

Respondeu a Exma. Magistrada do Ministério Público, concluindo: I- A decisão posta em crise pelo requerente não merece qualquer reparo ou censura, já que a mesma faz uma apreciação correcta da prova produzida em audiência de julgamento, procedeu à correcta fixação da matéria de facto provada e, consequentemente, a um correcto enquadramento legal dos factos dados como provados.

II- Do depoimento prestado pelo próprio ofendido, das declarações da testemunha P M. e das dos demais agentes da P.S.P., não restam dúvidas em como tenha sido o arguido P. quem, no decurso da fuga encetada no local dos factos, se virou para trás, localizando o agente N. e, empunhando a arma na direcção deste, a cerca de 5 metros, efectuou dois disparos na direcção do mesmo, vindo um destes a atingi-lo.

III- Do conjunto dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, em particular do depoimento da testemunha PM, resulta terem sido efectuados dois disparos e que esses mesmos disparos foram efectuados pelo arguido P..

IV- No que toca à questão que é levantada sobre o facto de o arguido ter apenas rodado o braço para trás e disparado, sem que se tenha voltado, tal é inverosímil, na medida em que alguém que está a correr não consegue voltar apenas um braço para trás e disparar uma arma: tem de voltar parte do corpo e da cabeça para o fazer.

V- Relativamente à questão de que a visualização do arguido pelas duas principais testemunhas havia sido fugaz, não permitindo o reconhecimento eficaz do arguido à posteriori, tal questão é, desde logo, ultrapassada quando se atenta no teor dos autos de reconhecimento pessoal (único meio de reconhecimento, aliás, a que a lei processual penal concede relevância probatória) a fls. 172 a 175, onde o ofendido e a testemunha PM efectuam, sem quaisquer dúvidas o reconhecimento do arguido P como tendo sido o autor do disparo que atingiu Nuno Santos.

VI- Quanto ao recurso feito pelo tribunal a quo à figura do homem médio para concluir que, no momento em que P. atirou a 5 metros de distância contra o tórax de N., este sabia estarem alojados naquela zona do corpo da vítima órgãos essenciais à vida, e ao argumento de que não foram dados como provados factos de onde decorra a intenção de matar por parte do arguido, a intenção de matar não tem de ser uma intenção directa (dolo directo), em que o agente actue pretendendo aquele fim em concreto; VII- Neste caso, estamos perante o dolo eventual, em que o agente dispara uma arma de fogo na direcção do tórax da vítima, conhecendo, como qualquer homem médio, que se trata de zona corporal onde se encontram órgãos vitais, e, ao fazê-lo, prevê que essa sua actuação possa acarretar a morte da vítima, possibilidade com a qual se conforma.

VIII- Mostrando-se provado que o arguido se virou para trás, apontou a arma que trazia na direcção do agente N., e disparou por duas vezes na direcção do tórax deste, vindo a atingi-lo naquela zona vital, o arguido se não pretendeu sem mais, causar a morte do agente, pelo menos conformou-se com a possibilidade de causar a mesma com a sua actuação, logo, agiu com dolo, ainda que eventual, relativamente a esse resultado.

IX- Decorre da prova produzida em julgamento que os arguidos viram o carro-patrulha da P.S.P., que o agente N. trazia algumas peças da sua farda vestidas, e que os demais agentes que saíram do carro patrulha em perseguição dos arguidos se encontravam devidamente uniformizados.

X- Resulta, ainda, do depoimento dos agentes que o agente M P gritou "Parem, Polícia!" e disparou para o ar.

XI- O arguido tinha, pois, perfeito conhecimento de que o homem que seguia na sua retaguarda, tentando alcançá-lo, saído de um carro patrulha da P.S.P., semi-uniformizado e na companhia de outros agentes da P.S.P., devidamente fardados, não poderia senão ser um elemento daquela força policial.

XII- Que o arguido quis deter a arma de fogo de onde foram disparados os projécteis, sabendo não ser detentor de qualquer licença de uso ou porte de armas, resulta, sem mais, dos testemunhos invocados no acórdão, bem como dos reconhecimentos pessoais efectuados no...

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