Acórdão nº 8178/2006-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução26 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

I.[…] propôs acção declarativa de simples apreciação contra M.[…] pedindo que se declare que tem direito a uma pensão de sobrevivência e subsídio de natal calculada nos termos do ACT para o sector bancário publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº28 de 29 de Julho de 1986.

  1. Alegou a A. que no dia 3 de Abril de 2002 faleceu seu marido, com o qual se casara no dia 23 de Março de 2002 e com o qual vivera em união de facto durante mais de 12 anos; alegou ainda que carece da pensão de sobrevivência pois vive exclusivamente da reforma que aufere de € 276,00.

  2. O Réu sustenta que a A. não tem direito à pretendida pensão visto que, de acordo com a cláusula 117ª/8 do ACT do Grupo BCP " a pensão mensal de sobrevivência será atribuída nos termos dos números anteriores, desde que o trabalhador, à data do seu falecimento, fosse casado há mais de um ano" , o que não é o caso; prescrição idêntica consta, de igual forma, da cláusula 142ª/7 do ACTV do Sector Bancário.

  3. A acção veio a ser julgada procedente por ter o Tribunal considerado, atenta a matéria de facto provada, que a ré e marido tinham vivido continuadamente desde 1992, como marido e mulher, primeiro em união de facto e por fim, já casados, até ao decesso do cônjuge, necessitando a A. manifestamente da pensão dada a insuficiência das quantias por si auferidas.

  4. O Tribunal considerou que a prova da união de facto conjugada com a da insuficiência económica da requerente era bastante para que se lhe abrissem as portas à pretendida pensão, não se lhe impondo alegar e provar a impossibilidade de obtenção de alimentos dos familiares a que aludem as alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil.

  5. Nas suas alegações de recurso, a ré refere que a A., quando propôs a presente acção, já tinha deixado caducar o direito de accionar que deveria ter exercido dentro de dois anos contados da morte do marido e não provou, nem sequer alegou, que houvesse incapacidade alimentar das forças da herança do seu falecido marido para que pudesse exercer o direito de acção previsto no artigo 2020º,nº1 do Código Civil.

  6. Considera a recorrente que a decisão desrespeitou o disposto na cláusula 117ª/8 do ACT do grupo BCP, o artigo 2020º do Código Civil, o artigo 6º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio e o artigo 41º/2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na sua actual redacção.

    Factos provados: 1- No dia 3 de Abril de 2002 faleceu José […] no estado de casado com a A.

    2- O falecido José […] e a A. contraíram casamento civil um com o outro no dia 23-3-2002.

    3- O falecido José […] era trabalhador do Banco Português do Atlântico, actualmente Banco Comercial Português, SA, ora réu, do qual era beneficiário e a quem estavam garantidos todos os benefícios resultantes do ACT para o sector bancário, nomeadamente os resultantes do seu falecimento.

    4- A A. viveu com o falecido José […] desde 1992 até à sua morte.

    5- Durante todo esse tempo, a A. e o falecido José […] viveram na mesma casa.

    6- Partilhando a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente.

    7- Tomavam as refeições em conjunto.

    8- Contribuindo ambos para as despesas domésticas.

    9- Ajudavam-se mutuamente na doença e no dia a dia.

    10- Partilhavam os seus rendimentos em conjunto.

    11- Tinham o mesmo círculo de amigos.

    12- A A. e o falecido José […] eram reconhecidos por todos os amigos, vizinhos e colegas de trabalho como marido e mulher.

    13- A A. é reformada.

    14- Auferindo uma reforma no valor líquido mensal de € 377,85.

    15- A qual constitui o seu único rendimento.

    16- A A. vive com um filho que sofre de perturbações mentais.

    17- A A. paga de renda de casa mensalmente a quantia de € 57,77.

    18- A A. gasta mensalmente, em média, cerca de € 100,00 em água, luz e telefone.

    Apreciando: 8.

    Na presente acção há que responder essencialmente a duas questões: - Saber se é válida a cláusula que apenas faculta ao cônjuge a pensão de sobrevivência e subsídio por morte se o casamento perdurar há mais de um ano considerada a morte do cônjuge.

    - Saber se, provada a união de facto e a insuficiência económica do interessado, a pensão deve ou não deve ser-lhe atribuída.

  7. Há uma outra questão, suscitada nas alegações, a da caducidade do direito da A. exigir alimentos nos termos do artigo 2020º do Código Civil que é condição para atribuição das prestações por morte (ver artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro e artigo 40º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência). No entanto, tal questão não pode ser conhecida por este tribunal visto que a excepção não foi invocada com a contestação, assim precludindo o direito do réu ao seu conhecimento (artigo 489º/1 do C.P.C.) sendo certo que a excepção em causa não é de conhecimento oficioso nem ocorreu supervenientemente.

  8. A cláusula 117ª do ACT do Grupo Banco Comercial Português, no que respeita à determinação dos beneficiários da pensão de sobrevivência, não remete para " as regras estabelecidas para a atribuição do subsídio por morte concedido pelo Centro Nacional de Pensões" como faz para efeito de determinação dos beneficiários do subsídio por morte, visto que no referido ACT se indicam directamente, e não por remissão, os beneficiários da pensão de sobrevivência.

  9. O cônjuge sobrevivo é um desses beneficiários (cláusula 117ª/4,alínea a): fls. 124 dos autos) mas o nº 8 introduz uma restrição: 8- A pensão mensal de sobrevivência será atribuída nos termos dos números anteriores, desde que o trabalhador, à data do seu falecimento, fosse casado há mais de um ano.

  10. É com base nesta cláusula que a ré nega à A. o direito à pensão de sobrevivência.

  11. Esta prescrição consta igualmente do ACTV do sector bancário (cláusula 142ª/7).

  12. Diversamente, o Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, prescreve no seu artigo 9º o seguinte: Artigo 9.º Situações especiais dos cônjuges e ex-cônjuges 1 - Não havendo filhos do casamento, ainda que nascituros, o cônjuge sobrevivo só tem direito às prestações se tiver casado com o beneficiário pelo menos um ano antes da data do falecimento deste, salvo se a morte tiver resultado de acidente ou de doença contraída ou manifestada depois do casamento.

    2 - Em caso de casamento declarado nulo ou anulado têm direito às prestações as pessoas que tenham celebrado o casamento de boa fé com o beneficiário e à data da sua morte recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada judicialmente ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido para a prestar.

  13. A lei, tratando-se de pensão de sobrevivência a atribuir no âmbito do regime de segurança social, apenas introduz uma tal restrição se não houver filhos do casamento e, mesmo neste caso, pode o cônjuge sobrevivo obter a pensão se provar que a morte resultou de acidente ou de doença contraída ou manifestada depois do casamento.

  14. A razão da fixação do prazo visa evitar o casamento oportunista, num momento em que se adivinha a proximidade do falecimento por doença ou acidente entretanto sobrevindos, considerando-se que o ex-cônjuge será o único beneficiário da pensão.

  15. Se assim não suceder, ou seja, se houver filhos do casamento, ou nascituros, já a lei se mostra indiferente ao eventual oportunismo porque se trata de assegurar a protecção da família, seja no plano material - os filhos, designadamente se forem menores, irão beneficiar também da pensão de sobrevivência - seja no plano da própria legitimação em razão do casamento, motivo muito forte que justifica o propósito de casamento em si e que absorve o estrito interesse oportunista exclusivamente económico.

  16. A fixação do aludido prazo tem, pois, a nosso ver, uma razão de ser diferente da fixação do prazo de dois anos a que alude o artigo 2020.º do Código Civil; é que este prazo visa essencialmente a prova da união de facto relevante para atribuição do direito a exigir alimentos da herança.

  17. O mundo do direito reconhece a união de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT