Acórdão nº 5998/2006-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1 - O arguido A. foi julgado na 9ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenado, por acórdão de 18 de Abril de 2006, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 1 mês de prisão e como autor de um crime de coacção e resistência sobre funcionário p. e p. pelo artigo 347º do Código Penal na pena de 3 meses de prisão.

Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.

Nessa peça processual o tribunal considerou provado que: «1. Em data e circunstâncias concretamente não apuradas, o arguido A. aceitou receber em Portugal uma remessa de cocaína, expedida do Brasil, para posterior venda no nosso país, recebendo este produto (cerca de 500 gramas) através de uma encomenda postal.

  1. Para não correr riscos de vir a ser descoberto e ter de responder pela prática de um crime, o arguido A., em data concretamente não apurada, mas seguramente nos primeiros dias de Maio de 2003, contactou com B., seu conhecido e a quem, por vezes, emprestava dinheiro.

  2. Nessa ocasião, o arguido A. solicitou ao B. colaboração para a efectivação da referida importação, fornecendo este último a sua morada e indicando o seu nome como destinatário da referida encomenda, colaboração que o B. aceitou prestar por motivos e eventuais contrapartidas concretamente não apuradas.

  3. Uma vez que na sua residência o B. dispunha de caixa de correio, mas que se encontrava aberta e era acessível aos vizinhos, aquele indicou ao arguido A. a morada do pai, situada perto da sua e na Rua ….morada a constar para o destino da encomenda.

  4. Entretanto, o arguido A., de modo não apurado, tratou dos procedimentos para a importação do estupefaciente e informou o B., algum tempo depois, de que já mandara vir a encomenda, solicitando o arguido A. ao B. que logo que a mesma chegasse o deveria contactar para se deslocar junto deste e receber a encomenda.

  5. Nos últimos sete dias que antecederam o dia 6 de Junho de 2003, o arguido A., por esperar a todo o momento a chegada a Portugal da encomenda com o estupefaciente, contactou, várias vezes, o B..

  6. Em data não apurada, através de indivíduo de identidade não determinada e de acordo com os dados de identificação e morada fornecidos pelo arguido A., foi remetida do Brasil para Portugal, por correio expresso, uma encomenda postal que continha no seu interior 487,224 gramas de cocaína, dirigida ao B., mas cujo último destino era o arguido A., a quem o B., após a receber, e conforme combinado, a deveria entregar.

  7. No dia 3 de Junho de 2003, na Delegação Aduaneira das Encomendas Postais da Alfândega do Aeroporto de Lisboa, os técnicos aí em serviço procederam à verificação do conteúdo da referida encomenda postal, remetida por correio expresso com a Declaração CN 22, com o número de origem EE 003634489BR, proveniente do Brasil, constituída por uma capa de plástico envolta em papel químico, impregnado de cola, logo tendo detectada, dissimulada na mesma, uma substância de natureza suspeita de ser estupefaciente, que foi, depois, entregue à Polícia Judiciária.

  8. A referida encomenda postal tinha como remetente "Drª …., Brasil" e como destinatário "Dr. B…Creire., Alfagina, Lisboa, Portugal, c. postal …".

  9. De facto, o primeiro destinatário da encomenda era o B….Freire e a residência Rua ……Alfazina, onde reside o pai daquele.

  10. Contudo, o indivíduo que procedeu à remessa da encomenda do Brasil para Portugal trocou o nome do B.. Freire (Freire por Creire) e a morada deste (Alfazina por Alfagina, situando-se a mesma no … e não em Lisboa).

  11. No dia 5 de Junho de 2003, por determinação judicial, procedeu-se, no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, à abertura da correspondência e apreensão do seu conteúdo (as referidas 487,224 gramas de cocaína), após se ter verificado conter um pós de cor branca que, sujeito a teste rápido DIK 12 para cocaína deu resultado positivo.

  12. No dia seguinte, 6 de Junho de 2003, inspectores da Polícia Judiciária deslocaram-se à morada destinatária da encomenda, onde contactaram o pai do B…, aí residente, que logo informou que a encomenda era dirigida ao filho, mas que este residia noutro local.

  13. Pelas 11.15 horas, os Inspectores da Polícia Judiciária contactaram o B… que, posto ao corrente do conteúdo da encomenda, confirmou que era seu destinatário, mas que a mesma se destinava a ser por si entregue ao arguido A..

  14. De seguida, às 11.35 horas, o B…., sob vigilância e controle policial, contactou, através do seu telemóvel com o número 91…, o arguido A., telefonando para o telemóvel deste, com o número 96…, número que tinha guardado na agenda do seu cartão de telemóvel.

  15. Nesse telefonema o B. falou com a companheira do arguido A., por ter sido ela a atender, a quem o B. disse o seguinte: "Isto já chegou e ele que a venha buscar logo que possível, pois eu vou sair daqui a um bocado".

  16. De seguida, a companheira do arguido A. transmitiu a este o conteúdo do telefonema do B., pelo que o arguido A. logo se pôs a caminho da casa do B. para deste receber a encomenda com a droga, tendo-se deslocado na viatura de matrícula ..-..-.. e marca Mercedes Benz, modelo Vito, por si utilizada.

  17. Minutos depois o arguido A. chegou à rua onde reside o B. e estacionou a indicada viatura em frente ao acesso para a residência deste.

  18. Após sair da viatura, deslocou-se, em passo rápido, em direcção à porta do prédio em causa, altura em que foi abordado pelos Inspectores da Polícia Judiciária, a quem, perguntado que lhe foi o respectivo nome, disse, com o intuito de despistar os agentes policiais, que se chamava "José".

  19. Pelos inspectores foi-lhe, então dito, que tinha de se deslocar para a DCITE, em Lisboa, o que o arguido A. não aceitou, gesticulando e tentando morder os Inspectores que o tinham abordado e que o seguravam, com o intuito de obstar à sua detenção.

  20. Foi efectuada revista à indicada viatura, que foi apreendida ao arguido, tendo sido encontrados no seu interior, igualmente apreendidos ao arguido por lhe pertencerem, um telemóvel de marca Nokia, modelo 8310, um cartão de segurança da TMN respeitante ao número 96… e diversa documentação relativa à aquisição da indicada viatura de matrícula ..-..-... 22. Igualmente após revista, foi apreendido ao B. o telemóvel de marca Nokia, modelo 5310, com cartão da Vodafone, com o nº de telefone 91….

  21. O arguido A. conhecia o conteúdo da encomenda apreendida, bem como a natureza estupefaciente da cocaína nela contida, produto que fora remetido do Brasil para ser recebido pelo B., mas cujo destinatário era o arguido A., destinando-se tal produto a ser vendido a terceiros.

  22. Ao actuar da forma descrita, quando foi surpreendido pela presença junto à casa do B., de agentes policiais, o arguido A. quis impedir os Inspectores da Polícia Judiciária de o deterem.

  23. O arguido A. agiu de forme livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.

  24. O telemóvel apreendido ao arguido A., e respectivo cartão, foram por ele utilizados para realizar contactos relacionados com a encomenda de produto estupefaciente que desencadeou.

  25. O arguido é o terceiro dos cinco filhos de uma família de etnia cigana de Campo Maior e que viveu junto do seu agregado de origem até aos 18 anos de idade, sujeito a frequentes mudanças de residência, em virtude da actividade dos progenitores, que se dedicavam à venda ambulante.

  26. O nomadismo da família viria a condicionar o abandono da escolarização e início precoce de actividade laboral junto da mesma (actividade com a qual já se vinha familiarizando desde muito novo), situação que viria a assumir repercussões negativas no que se refere à aquisição de competências sócio-profissionais.

  27. Com 16 anos de idade contraiu casamento segundo o ritual cigano, tendo continuado a viver e a depender economicamente dos progenitores, sendo que nesta altura já denotava hábitos de consumo de droga (heroína).

  28. Neste contexto, aos 18 anos de idade teve o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal, tendo sido preso preventivamente por tráfico de estupefacientes e, posteriormente, julgado e condenado, tendo cumprido 3 anos e 8 meses de prisão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

  29. Restituído à liberdade, exerceu a actividade de vendedor...

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