Acórdão nº 454/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelARNALDO SILVA
Data da Resolução03 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. A, casada requereu contra B e C, residentes em […] Cabo Verde, revisão e confirmação de sentença proferida em 07-06-2005 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santa Cruz, Cabo Verde, que homologou a delegação dos poderes paternais dos pais da menor D filha de B e C.

Os requeridos foram citados e não deduziram oposição.

Ninguém alegou.

Cumpre decidir.

* II.

Fundamentos: A) De facto: Estão provados os seguintes factos: 1. A menor D nasceu em 24-06-1997, em Cabo Verde, e é filha de B e C.

  1. Os pais da menor são naturais da freguesia de […] e residem […] Cabo Verde.

  2. A menor vive em Portugal com os tios A e marido, ele português e ela de nacionalidade cabo-verdiana, e ora requerente.

  3. Por sentença judicial de 07-06-2005, proferida pelo Tribunal Judicial […] Cabo Verde, foi homologado a delegação dos poderes paternais dos pais da menor D, B e C, a favor dos tios da menor A e marido, nos termos dos art.ºs 1863º e segs. do Cód. Civil de Cabo Verde.

    * B) De direito: 1. A delegação de poderes: Reconhecer uma sentença estrangeira é assegurar a continuidade e estabilidade das situações jurídico-privadas (1) internacionais, a fim de que os direitos adquiridos e as expectativas dos interessados não sejam ofendidos. Trata-se, pois, de uma justiça formal, própria do DIP (Direito Internacional Privado), embora em certos casos excepcionais, possam estar igualmente presentes preocupações de justiça material (2). Em Portugal, fora o caso do reconhecimento ispo jure, reconhecimento automático, independentemente de qualquer formalidade, por força ressalva quanto aos tratados prevista no art.º 1094º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, o sistema de revisão é misto. É um sistema que contempla uma revisão formal ou de delibação (regime de princípio) (3) e uma revisão de mérito. Na revisão formal ou de delibação o tribunal português não aprecia o mérito da causa. Esta revisão está patente no art.º 1096º do Cód. Proc. Civil. Segundo este artigo, os requisitos entre nós exigidas para a confirmação de uma sentença estrangeira sobre direitos privados não respeitam senão à regularidade da decisão e do processo de que ela constitui o último termo (4). A revisão de mérito está prevista entre os fundamentos da impugnação do pedido (5) (n.º 2 do art.º 1100º do Cód. Proc. Civil) e na al. c) do art.º 771º do Cód. Proc. Civil ex vi art.º 1100º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

    Depois de revista, confirmar uma sentença estrangeira é reconhecer-lhe, no Estado do foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse Estado (6).

    De entre os requisitos cumulativos necessários (7) para a que uma sentença estrangeira sobre direitos privados seja confirmada em Portugal, está este: « que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português ». O conceito de ordem pública internacional difere do de ordem pública interna (8). Esta restringe a liberdade individual. Aquele limita a aplicabilidade das leis estrangeiras. Por isso, a ordem pública internacional é uma excepção ou limite à aplicação de uma norma de direito estrangeiro, fundada no interesse do Estado local (lex fori). Uma lei de ordem pública interna deve sempre ser aplicada pelo juiz do Estado local, ao passo que uma lei de ordem pública internacional tem a sua aplicação dependente de uma regra de conflitos local lhe atribuir ou não competência, podendo, portanto, ser aplicada ela ou uma lei estrangeira. Assim, nos Estados que admitem o princípio locus regit actum, a lei reguladora da forma externa dos actos é uma lei de ordem interna, mas nos Estados que proíbem a poligamia, a lei que impede um segundo casamento sem que o primeiro tenha sido dissolvido, é uma lei de ordem pública internacional (9). « O conteúdo da noção de ordem pública internacional é forçosamente impreciso e vago. Ordem pública internacional é um conceito indeterminado (10), um conceito que não pode ser definido pelo seu conteúdo, mas só pela sua função: como expediente que permite evitar que situações jurídicas dependentes de um direito estrangeiro e incompatíveis com os postulados basilares de um direito nacional venham inserir-se na ordem sócio-jurídica do Estado do foro e fiquem a poluí-la (11) ». Apesar de não existir até hoje uma fórmula precisa, nítida e infalível do conceito de ordem pública, e até talvez isso seja impossível, pelo menos no actual estado da ciência do direito internacional privado, na maioria dos casos, é possível, com grande aproximação, delimitar a ordem pública internacional através da síntese de vários critérios gerais de orientação que têm sido avançados com vista a fixar o conteúdo da ordem pública internacional (12). E então, dentro desta linha de orientação, e com vista a orientar o juiz para determinar se a lex fori deve ou não ser considerada de ordem pública internacional, pode dizer-se que são de ordem pública internacional as leis relativas à existência do Estado e essencialmente divergentes (divergência profunda) da lei estrangeira normalmente competente para regular a respectiva relação jurídica, devem ser leis rigorosamente imperativas que consagram interesses superiores do Estado. E os interesses que estão aqui em causa são os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Mas porque estas características também convêm às leis de ordem pública interna, e nem todas as normas de ordem pública interna são normas de ordem pública internacional (13), para que possa intervir a excepção de ordem pública internacional será necessário que as disposições da lex fori essencialmente divergentes da lei estrangeira normalmente aplicável sejam fundadas em razões de ordem económica, ético-religiosa ou política. E isto não é uma definição, repete-se, mas apenas um critério de orientação para o juiz, e com valor aproximativo (14). Assim, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT