Acórdão nº 6598/2006-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução28 de Setembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. A Caixa Geral de Depósitos instaurou acção de reivindicação, com processo ordinário, contra: António … Pedindo que o Réu seja condenado a reconhecer a A. como dona e legítima proprietária do imóvel identificado na p.i., devendo entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos causados, a importância de Esc.: 4.259.502$00, calculada até 31/01/2002, e a contar dessa data a quantia mensal de Esc.: 67.752$00, correspondente ao valor da última renda fixada, até à entrega efectiva do imóvel, com as respectivas actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença ou, caso assim não se entenda, a pagar subsidiariamente, a título de indemnização, as quantias peticionadas a fls. 7.

Alegou, para o efeito, que é legítima proprietária da fracção autónoma que identifica nos autos, designada pela letra "AF", por a ter adquirido em venda judicial, realizada em 28/6/1996, no âmbito de um processo de execução ordinária, tendo-a arrematado pelo valor de Esc.: 6.000.000$00.

O imóvel encontra-se registado definitivamente a favor da A. e quando esta pretendeu entrar na posse do mesmo constatou que, o Réu, o estava a ocupar, detendo as chaves sem consentimento da A., e sem possuir título que o legitime, causando-lhe, pois, avultados prejuízos pela ocupação.

  1. O Réu contestou argumentando que celebrou, em 1993, um contrato de arrendamento com Artur …, tendo sempre pago atempadamente as respectivas rendas, pelo que possui título legítimo para a ocupação.

    Acresce que nunca foi interpelado pela A. para entregar o andar. Assim, não tem nenhuma obrigação de pagar prejuízos à A., que nem sequer são devidos, pelo que deve improceder a acção.

  2. Realizou-se audiência de discussão e julgamento e lavrada sentença, o Tribunal "a quo" julgou a acção parcialmente procedente tendo, em consequência, condenado o Réu a: a) Reconhecer que a A. é proprietária da fracção autónoma a que se reportam os autos; b) Entregar à A., totalmente devoluta de pessoas e bens, a referida fracção autónoma; c) E a pagar à A. a quantia mensal de 337,94 Euros, desde a data da citação até à entrega efectiva do imóvel, com as actualizações anuais à taxa fixada legalmente para o regime das rendas livres que se vierem a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

    No demais, absolveu o Réu do pedido.

  3. Inconformado o Réu Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1 - A relação jurídica do arrendamento consubstancia uma relação obrigacional entre pessoas em cooperação e traduz-se num contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa mediante um preço.

    2 - Do contrato de arrendamento a posição jurídica do locatário fica ligada ao contrato que lhe deu origem e o direito que daí lhe advém está conformado pelo título (o contrato), sendo que é pelo seu clausulado que se regula a relação locativa.

    3 - Do contrato de arrendamento, nasce um direito de crédito do locatário para com o locador, a exercer dentro de certos limites.

    4 - Pelo arrendamento o locatário não adquire um direito real, um direito de soberania, que imponha a todos um dever de abstenção, pois foi necessário criar um dispositivo que contemplasse a obrigação do locador de não praticar actos que diminuam o gozo da coisa pelo locatário.

    5 - O direito ao arrendamento não é um direito real, nem um direito de garantia, mas simplesmente um direito obrigacional, como resulta do Código Civil, em especial dos arts. 1022° e segts, tanto que o direito ao arrendamento não se enquadra no livro III do CC, que trata precisamente do direito das coisas, mas antes no livro II do Código Civil, onde se trata do Direito das Obrigações.

    6 - Se este não tivesse sido o entendimento do legislador, então teria não só criado uma excepção à norma constante do art. 1057° do CC, incluindo a venda judicial como uma das causas da caducidade enumeradas no art. 1051° do CC, e incluído o arrendamento na norma do n° 2 do art. 824° do CC, sem necessidade de recorrer a analogia atenta a forma extremamente disciplinada que imprimiu ao contrato de arrendamento.

    7 - Ora, a sentença recorrida, pretendendo que se operava a caducidade em relação ao arrendamento titulado pelo Recorrente/Réu, pela aplicação analógica do n° 2 do art. 824° do CC, fez uma interpretação incorrecta da lei, nomeadamente no que respeita ao direito ao arrendamento.

    8 - Pelo que, violou as normas constantes dos arts 9°, n° 1, 10°, 819°, 824°, n° 2, 1022° a 1037°, 1051° e 1057°, todos do CC e, consequentemente, deve ser revogada e substituída por outra que entenda que o contrato de arrendamento titulado pelo Recorrente continua em vigor atento o disposto no art. 1057º do CC, não se aplicando o n.º 2 do art. 824º do CC, relativo a vendas judiciais.

  4. Igualmente a Autora interpôs recurso subordinado da sentença, na parte em que absolveu o Réu do pedido de pagamento à Autora de uma indemnização pelos danos causados pela ocupação que fez da fracção aqui em causa, desde a data em que a Autora a adquiriu por arrematação judicial.

    No seu recurso a A. formulou, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A Autora não se conforma com a sentença recorrida, na parte que julgou improcedente o pedido de condenação do Réu no pagamento de uma indemnização pelos danos causados pela ocupação da fracção, desde Junho de 1996 (data em que a A. arrematou a fracção) até a data em que o Réu foi citado para a presente acção.

  5. Na verdade, ficou provado nos presentes autos que, através do arrendamento da fracção, entre a data da arrematação e Fevereiro de 2002, a Autora poderia ter obtido um rendimento total de Esc. 4.259.502$00 (ou €.21.246,31), o que só não aconteceu porque o Réu nunca lhe entregou a fracção como devia.

  6. O facto de a Autora ter estado envolvida num processo negocial com o Réu não pode, de modo algum, ser entendido como uma manifestação de consentimento à permanência deste no imóvel, mas apenas do desejo de resolver extrajudicialmente um litígio que sempre existiu, e que tem na sua origem essa ocupação, cuja legitimidade a Recorrente nunca reconheceu.

  7. Tanto assim que o Réu se viu forçado a proceder ao depósito das rendas, já que a Autora sempre se recusou a recebê-las, sendo que os depósitos tiveram início imediatamente após a data da arrematação.

  8. Pelo que, está o Réu obrigado a indemnizar a Autora desde a data em que esta última adquiriu a fracção, e não apenas a partir da data da sua citação para a presente acção.

  9. Essa indemnização deverá ser equivalente aos valores que a Autora poderia ter obtido através do arrendamento da fracção, que foram apurados nos presentes autos no total de Esc. 4.259.502$00 (ou €.21.246,31), e que se encontram discriminados na alínea 1) da fundamentação da sentença recorrida.

  10. Termos em que deve conceder-se provimento...

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