Acórdão nº 2270/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelESAGUY MARTINS
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- A…, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.

, Dr. O…, e Dr. A…, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem ao A., a título de indemnização por danos morais, a quantia de 17.500.000$00, bem como os juros que à taxa legal sobre tal quantia se vencerem desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alega para tanto, e em suma, que, na sequência de acidente de trabalho, ocorrido em 06-01-1996, foi internado, em 21-02-1996, nos Serviços Médico-Hospitalares da Ré Fidelidade - para quem a sua entidade patronal tinha transferido, à data, a sua responsabilidade civil por acidentes daquela natureza.

Sendo, logo após, observado várias vezes por médicos daqueles serviços, entre os quais os RR. Dr. O… e Dr. A… .

Que sempre lhe disseram ser o seu problema apenas a existência de massa inguinal, a remover cirurgicamente.

Tendo lugar, e proposta pela Ré Fidelidade, a correspondente intervenção, efectuada pelos referidos RR., médicos, em 08-03-1996.

Os quais, após a operação, peremptoriamente responderam, a pergunta do A., que a massa inguinal drenada não provinha de qualquer perfuração ileal, tendo ainda garantido aos pais do A. a inexistência de qualquer tumor.

Vindo a ser-lhe dada alta do internamento em 12-03-1996.

Não obstante, o A. começou de imediato a sofrer dores muito fortes, a não reter comida e a perder peso de dia para dia.

Vindo a ser constatada, nas urgências do H.D. de Faro, a existência de massa no preciso local de onde supostamente aquela teria sido retirada, na operação efectuada.

Em nova consulta com o R. Dr. O…, nos Serviços da Ré Fidelidade, considerou aquele tratar-se de uma infecção post-operatória, receitando-lhe antibióticos e pedindo análises e exames.

Aguardava o A. o resultado de um TAC, quando, na noite de 14 para 15 de Abril, começou a sentir-se muito mal, acabando por ser levado de casa de seus pais, em S. João da Talha, onde se encontrava, para a urgência do Hospital de S. José em Lisboa.

Onde lhe foi detectado quadro de abdómen agudo, abcesso de FID e sepsis, febre, taquicardia e hipotensão.

Sendo operado de urgência, dado a gravidade do seu estado, com hemicolectomia direita, ablação parcial do intestino, e anastomase ileon terminal - cólon transverso, dado que a patologia detectada tinha origem em peritonite generalizada e perfuração do ileon terminal.

A Ré Fidelidade assumiu a responsabilidade pelo sucedido, e que esta segunda intervenção era consequência directa da anterior.

Também os seus médicos, e designadamente o Dr. A…, referiram que a segunda intervenção fora absolutamente necessária, dada a deficiente execução da primeira, em resultado de incorrecto e incompleto diagnóstico, que não detectara a perfuração ileal.

No entanto, sobrevieram dores intensas na perna direita do A., sempre que andava cerca de 50 metros.

Mantendo-se tais dores, após uma nova intervenção no Hospital de S. José, em 06-03-1997, e agudizando-se mesmo.

Vindo a ser diagnosticada oclusão da artéria ilíaca externa direita.

Na sequência do que - e sempre assumindo a Fidelidade a correspondente responsabilidade - é decidido que o A. se faça operar pelo Instituto de Recuperação Vascular, do Dr. E. Serra Brandão, para revascularização do membro inferior direito, por bypass femoral com prótese.

Tendo a intervenção tido lugar em 16-09-1997, e no decorrer da mesma, procedeu-se à correcção de hérnia incisional, que fora entretanto detectada, em Agosto de 1997, assim se evitando uma 5ª operação.

Acabando o A., não obstante a intervenção correctiva feita, por ficar afectado de uma IPP de 51%, conforme reconhecido judicialmente, no Tribunal do trabalho de Faro, em 16-06-1998.

O A. necessita e necessitará para o futuro de controlo médico periódico, e de cumprir medicação.

E, não fora o incorrecto diagnóstico inicial, teria sido operado logo à perfuração ileal, sanando-se de vez o problema.

Não obstante a Fidelidade recusa-se a indemnizar o A. de todos os danos morais - dores, sofrimento, medo, limitações - decorrentes do incorrecto diagnóstico efectuado pelos seus serviços.

Sendo que os dois últimos RR. são responsáveis também, visto decorrer do seu exercício profissional a omissão de deveres profissionais e a prática dos actos que são causa dos danos aludidos.

Contestaram, conjuntamente, os RR. Fidelidade e A…, e individualmente, o R. O….

Dizendo os primeiros, que não existe uma relação de causa a efeito entre a lesão resultante do chamado "acidente de trabalho - traumatismo na virilha" e as lesões a nível vascular e outras que o A. apresenta.

Estando toda a história clínica relacionada com a massa tumoral de natureza infiltrativa observada por ocasião da intervenção cirúrgica de 08-03-1996, e confirmada pelo Dr. S… .

Impugnando ainda os termos dos acontecimentos, e consequências dos mesmos, representados pelo A.

E concluindo com a improcedência da acção e a sua absolvição...

O R. O…, arguiu a sua ilegitimidade, por ter actuado sempre e só, em nome e por conta da seguradora.

Requerendo a intervenção da AXA PORTUGAL, Companhia de Seguros, S.A., para quem transferiu a sua responsabilidade civil profissional, até ao montante máximo de 66.000.000$00.

E deduzindo impugnação, sustentando, face às circunstâncias, estar correcta a sugerida intervenção cirúrgica vascular, sendo a única prática clínica apropriada.

Alegando que ao efectuar a intervenção, constatou existir, sim, uma volumosa massa infiltrativa, nada relacionada com qualquer traumatismo, ou com o diagnóstico provisório - de hematoma retro-peritoneal do lado direito, ou de falso aneurisma arterial, constituindo qualquer destas situações uma "massa inguinal" - sugerido pelos exames complementares efectuados.

Sendo aquela, por infiltrativa e generalizada, impossível de remover na sua totalidade.

E que quando operou o A. este não padecia de qualquer perfuração ileal, nem de tal ficou a padecer em consequência directa dessa intervenção.

Por igual não podendo as lesões vasculares da artéria e veia ilíacas direitas, de que o A. se veio a queixar mais de seis meses depois, ter resultado daquela intervenção cirúrgica.

Nunca tendo tido a situação do A., como origem, qualquer acidente de trabalho, nem havendo o mesmo padecido de qualquer lesão resultante de um qualquer traumatismo por ele sofrido.

Fazendo ainda o historial dos seus contactos médicos com o A., com referência às técnicas e abordagens adoptadas.

Remata com a sua absolvição da instância, devendo, caso assim se não entenda, ser chamada a AXA PORTUGAL, e em qualquer caso, ser julgada improcedente por não provada, a acção.

Replicou o A., quanto à matéria da arguida ilegitimidade...mas também quanto à da "pretensa falta de relação causal entre o acidente de trabalho sofrido pelo A. e as lesões que sofreu e que apresentava".

Vindo os RR. requerer a desconsideração do que tudo, assim, em tal réplica, excedeu a resposta à matéria da arguida ilegitimidade.

Deferida a requerida intervenção, e citada a AXA PORTUGAL, contestou esta, fazendo sua a contestação do R. O…, concluindo da ilegitimidade daquele, a sua própria ilegitimidade.

Ao que replicou o A., dando por reproduzidas as alegações feitas a propósito da questão da ilegitimidade, na sua anterior réplica.

O processo seguiu seus termos, com saneamento - considerando-se não escrita a matéria da réplica que foi além da resposta à excepção de ilegitimidade - e condensação, vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que, julgando a acção improcedente, por não provada, absolveu os réus Fidelidade SA, Dr. O… e Dr. A…, e a chamada Axa Portugal SA, do pedido.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: I- O A. não se pode conformar com a decisão recorrida, embora douta, porquanto se lhe afigura que, face ao acervo da matéria dada por provada, se pode inequivocamente afirmar que foram ocultadas ao autor informações médicas e sobre o seu estado de saúde.

II- A responsabilidade imputada aos RR pelo A. decorreria, para os RR médicos, de omissão de deveres profissionais e da prática de actos no exercício da profissão; e para a R. seguradora de ter esta assumido a conta, cargo e responsabilidade da intervenção e tratamentos, que teve lugar na sua instalação, com médicos ao seu serviço (art. 249º a 252º da p.i); e ainda das intervenções que se seguiram a esta.

III- A matéria de facto dada por provada configura a demonstração plena de que os RR. omitiram ao A. (e a seus familiares) informação relevante, quase mesmo decisiva, quanto aos procedimentos médicos em curso, criando-lhe uma falsa ideia da sua situação e motivando nele desconhecimento de um estado de saúde que deveriam e poderiam ter previsto e antecipado e, desse modo, obviado atempadamente; pelo que a aplicação do Direito a tais factos a outra solução não deverá conduzir que não à condenação solidária de todos os RR., como peticionado no pedido contra eles deduzido; e não, como na douta sentença, à sua absolvição.

IV- Conforme resulta do art. 342°, n.º1, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos dele constitutivos e, como estabelece o n.º 2 do mesmo artigo, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita. Todavia, excepcionalmente, pode também verificar-se no âmbito das acções relativas à responsabilidade civil médica a inversão do ónus da prova, decorrente de uma conduta culposa da contraparte, em conformidade com o preceituado no art. 344°, n.º 2.

V- As dificuldades sobre a produção da prova nas acções referentes a responsabilidade civil médica, deverão ser superadas através da apreciação da prova produzida pelo paciente com ponderação dessas mesmas dificuldades, constituindo-se assim uma igualdade relativa entre as duas partes que, à partida, se encontram em manifesta desigualdade, já que um é leigo em...

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