Acórdão nº 2624/2006-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelTELO LUCAS
Data da Resolução12 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 11390/01.8TDLSB, do 3º Juízo Criminal (1ª secção) da comarca de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido A., devidamente identificado nos autos.

  1. B.

    (1), também ali devidamente identificada, deduziu oportunamente pedido de indemnização civil contra o arguido, assim demandado, e contra a Companhia de Seguros C., S. A.

    , pedindo que estes sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia total de € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros), que quantifica nos seguintes termos: € 40.000,00 (quarenta mil euros) por desvalorização anatomo-fisiológica e estética sofrida; € 7.000,00 (sete mil euros) por danos patrimoniais; e; € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.

    Peticionou ainda juros moratórios, à taxa legal, desde a citação.

  2. A final, por sentença de 06-12-2005, e no que agora importa reter, foi decidido: - Julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido, como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (três euros) (2).

    - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar a demandada Companhia de Seguros a pagar à demandante a quantia de € 19,50 (dezanove euros e cinquenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação do pedido, e a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença, em ambos os casos até integral pagamento (3).

  3. Inconformada com o decidido na parte civil, recorre a demandante para este Tribunal, findando a motivação de recurso com as seguintes conclusões (segue a respectiva transcrição): «1) A douta sentença sofre do vício de erro notório de apreciação de prova e, subsidiariamente, do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (als. c) e b) do n.º 2 do art. 410º do Cod. Proc. Penal).

    2) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo retirou dos factos dados como provados uma conclusão não condizente com as regras da experiência comum.

    3) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão reside no facto do Tribunal a quo ter dado como provado que: a) "em consequência das lesões que sofreu com o acidente viu a Demandante afectada a sua capacidade de locomoção, dentro e fora de casa, o que a veio a condicionar mais na execução dos trabalhos domésticos" e por dar como não provado que "a Demandante esteja [...] incapacitada ou dependente de terceiros mesmo para a efectuação das tarefas domésticas normais". Mais, b) que à data do acidente a Demandante tinha 71 anos e já estava aposentada há cerca de 4 anos [...] auferindo então uma pensão de quantia não exactamente apurada mas inferior aos € 273,00, que recebe desde 2003 e por dar como não provado que a "Demandante viva sustentada de familiares".

    4) O Tribunal a quo retirou destes factos dados como provados uma conclusão dissentânea, ao entender que a Demandante cível não estava incapacitada, a ponto de ficar dependente de terceiros inclusive para a realização das tarefas domésticas normais e a ponto de, por necessidade, viver sustentada por familiares.

    5) Ao dar como não provado que a Assistente tenha ficado incapacitada a ponto de depender normalmente (não apenas esporadicamente) de terceiros para tarefas correntes quotidianas, o Tribunal a quo está, em boa verdade, a retirar de factos dados como provados (a afectação da sua capacidade de locomoção, a incapacidade genérica permanente parcial de 18%, o auxílio de terceiros em trabalhos domésticos quotidianos e a idade da Denunciante) uma conclusão incongruente, que notoriamente desafia as regras da experiência comum.

    6) O Tribunal a quo deu como provado ter ocorrido, durante o período de incapacidade temporária, sofrimento moral e psicológico da Assistente ligado à diminuição da sua autonomia pessoal, como factor de atormentação (art. 13 dos factos provados) e esse sofrimento moral e psicológico, por maioria de razão, atendendo ao grau de incapacidade parcial permanente de 18%, mantém-se e irá manter-se no futuro (art. 18º dos factos provados).

    7) O Tribunal a quo, no tocante a danos patrimoniais, entendeu que a Demandante apenas deve ser ressarcida do dispêndio da soma de € 19,50, valor duma canadiana e duma joelheira elástica adquiridas em consequência das lesões que lhe advieram do acidente, fazendo descaso da perda em que se traduziu a afectação da integridade física em si mesma e a afectação da capacidade de produzir auto-serviços com valor económico, integridade e capacidade que são qualidades normais do próprio corpo. Pelo que, 8) O valor indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais pelo Tribunal, é, objectivamente, independentemente do caso vertente, uma caricatura de indemnização e é, no caso vertente, uma caricatura da valorimetria por equivalente dos danos biológicos sofridos por uma pessoa humana.

    9) O Tribunal recorrido fez errado enquadramento jurídico dos factos.

    10) O Tribunal a quo violou os arts. 562° a 564° e 566° do Código Civil na medida em que não considerou como dano patrimonial o dano biológico sofrido pela Recorrente. Ora, 11) O dano biológico (sequelas) constitui um dano de natureza material, com valor patrimonial, segundo os preceitos supra-referidos, à luz da jurisprudência pertinente (ilustrada v.g. pela a aqui transcrita).

    12) A douta sentença recorrida decidiu contra a base factual dada por assente.

    13) À quantia atribuída pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais deverão acrescer juros desde a data da citação da Demandada Companhia de Seguros até integral pagamento, e não a contar da prolação da sentença de acordo com jurisprudência pacífica quanto a esta matéria.

    14) O Tribunal ad quem tem no processo elementos suficientes para proferir acórdão condenatório em sentido coincidente com o pedido de indemnização cível enxertado no processo-crime.

    Termos em que - como nos demais de Direito do douto suprimento de V. Exas. - deverá esse Colendo Tribunal proferir acórdão condenatório quanto ao pedido cível tal como formulado pela Assistente, assim se fazendo JUSTIÇA».

  4. Apenas a Companhia de Seguros respondeu ao recurso, sustentando, sem que formule conclusões, que ao mesmo deve ser negado provimento.

  5. Subiram os autos a esta Relação e, aqui, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto apôs o seu visto.

  6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foi designado dia para a audiência, a qual veio a decorrer com observância do formalismo legal.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 8. Cumpre, pois, apreciar e decidir.

    8.1. É o seguinte o teor da sentença recorrida no que concerne aos factos provados, aos não provados e à respectiva motivação (transcrevendo): «(...).

    Em julgamento, com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1 - No dia 24.12.2000, cerca das 11 h, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-.., no sentido sul - norte, na Praça S. João Bosco, em Lisboa; 2 - Quando, ao chegar junto a uma passadeira de peões, existente no local, devidamente sinalizada no pavimento, porque circulava distraído e não reduziu a velocidade, foi colher o peão B. que na ocasião procedia à travessia da via pela passadeira, no sentido poente - nascente.

    3 - O que ocorreu quando a mesma se encontrava sensivelmente a meio da travessia; 4 - Em consequência do que veio a B. a cair sobre o capôt do veículo para de seguida ser projectada para o solo, onde ficou imóvel, mas perfeitamente consciente; 5 - O atropelamento ficou a dever-se exclusivamente à distracção do arguido no exercício da condução, bem como à omissão das cautelas necessárias à aproximação da passadeira destinada à travessia de peões, cuja existência no local bem conhecia, mormente ao facto de não ter reduzido ou moderado a velocidade à sua aproximação; 6 - Pelo que omitiu, assim, o dever de cuidado a que estava obrigado e de que era...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT