Acórdão nº 7368/2006-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MAGUEIJO
Data da Resolução02 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa O A intentou acção declarativa contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a indemnização de 50.777.425$00, acrescida de juros desde a citação.

Para o efeito alegou, em síntese, que acordou com a Universidade … um contrato de elaboração de projecto de arquitectura, o qual veio a ser rescindido por esta, sem fundamento, com isso lhe faltando ao pagamento de honorários no montante de 23.235.000$00 e lhe causando danos morais que calcula em 10.000.000$00 e patrimoniais de 11.617.500$00.

O processo seguiu termos, tendo, depois, sido admitida a Universidade… como interveniente principal e o R Estado absolvido da instância, por ilegitimidade.

A R Universidade… contestou, alegando que o A incumpriu o contrato e que com isso lhe causou danos, reclamando, em reconvenção, a condenação deste a ressarcir-lhos.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após a qual foi fixada a matéria de facto provada e, depois, proferida sentença pela qual foi o pedido reconvencional declarado improcedente e o pedido do A parcialmente procedente, com a condenação da R a pagar àquele a quantia de 173.843,53 euros, acrescido de IVA e de juros de mora, à taxa de 12%, contados desde 15.10.2002.

Não se conformando, a R recorreu da dita sentença, tendo alegado e concluído, assim: 1a: A sentença recorrida considerou o contrato da instância como de empreitada, o que não se impugna para todos os efeitos; Porém, 2a: Resulta daí, e atenta a natureza pública da recorrente Universidade …, que o contrato de empreitada é de obra pública e juridicamente se enquadra no regime jurídico das empreitadas de obras públicas, a que respeita o D.L. 235/86, de 18 de Agosto, então em vigor; 3a: Dispõe o D.L. 235/86, de 18 de Agosto que os tribunais competentes para dirimir os conflitos em sede de empreitadas são os tribunais administrativos, o que se impõe ao contrato in casu, tanto mais que colheu visto do Tribunal de Contas; Consequentemente, 4a: Verifica-se a incompetência absoluta a que se refere os artigos 101° e 102°, n° 1, ambos do C. Processo Civil, que pode ser alegada - e se alega - até ao trânsito em julgado da sentença que ponha termo ao processo, o que ainda não ocorreu; 5a: Em contrário não se diga que a incompetência só poderia ter sido alegada até ao saneador uma vez que o caso não conflitua entre tribunais judiciais, ex vi do disposto nos artigos 16° e 78° da Lei 3/99, de 13 de Janeiro; Acresce que, 6a: Os tribunais administrativos - cfr. n° 2 do art. 220° do D.L. 235/86, de 18 de Agosto - integram a comarca de Lisboa, pelo que estão previstos na cláusula décima oitava do contrato, que reproduz o regime do n° 2 do art. 224° do 235/86, de 18 de Agosto, em cumprimento do previsto no artigo 100° do C.P. Civil.

7a: A incompetência absoluta dos tribunais judiciais é do conhecimento oficioso pelo que o seu não-conhecimento e não-decisão torna a sentença nula por omissão de pronúncia ex vi do disposto na alínea d) do n° 1 do art. 668° do C.P. Civil.

Por outro lado, 8a: Ao se considerar o contrato de empreitada, e tendo presente a natureza jurídica-pública do dono de obra, só se lhe pode aplicar o regime jurídico constante do D.L. 235/86, de 18 de Agosto e não - nunca! - o previsto nos artigos 1207° e seguintes do C. Civil, o que redunda na nulidade da sentença recorrida por manifesta contradição na sua fundamentação de direito, ex vi do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do C.P. Civil; 9a: Da aplicação do previsto no D.L. 235/86, de 18 de Agosto à instância - por força da qualificação jurídica do contrato como de empreitada, o que não se impugna - resulta a preterição de formalidade essencial no que se refere à não-realização de tentativa de conciliação perante o C. Superior de Obras Públicas e Transportes, a que alude o artigo 228° do Regime; e a caducidade do direito de acção ocorrida 180 (cento e oitenta) dias após a comunicação da resolução do contrato em 23 de Julho de 1997; Consequentemente, 10ª : E tratando-se de excepções peremptórias de conhecimento oficioso, devem ser tidas por procedentes e, em conformidade, conduzirem à absolvição do pedido.

Acresce ao exposto que, 11ª : A sentença contém um grave erro de Direito: não enquadrou a matéria de cumprimento/incumprimento do contrato pelo recorrido, bem como assim a correspectiva "bondade/não-bondade" da resolução nas cláusulas contratuais estabelecidas nas normas inaplicáveis das empreitadas particulares; 12ª : E não conheceu nem declarou - até porque não podia - a desconformidade do estabelecido no contrato com a Lei.

Consequentemente, 13ª : A sentença recorrida é expressamente ilegal por violar, no enquadramento jurídico do pleito, o princípio da liberdade contratual consignado no artigo 405° do C. Civil, que violou.

14ª : Os factos provados subsumem-se quer à previsão do estabelecido na alínea a) da cláusula décima primeira do contrato, quer ao estabelecido na alínea b) da mesma cláusula; Com efeito, 15a: A sentença considerou o ante-projecto como aceite pela recorrente em 3 de Novembro de 1994, porque foi pago - o que é verdade; 16ª: A sentença não considerou o pagamento como marcando o início do prazo de realização do projecto de execução - o que é absolutamente contraditório; 17a: O projecto de execução foi entregue com um atraso de 1 ano, 7 meses e 25 dias, subsumível à previsão da alínea a) da cláusula décima primeira do contrato; 18a: O incumprimento objectivo das condições a que o projecto de execução de arquitectura deveria obedecer, em desrespeito pelo estipulado na cláusula décima terceira do contrato, calculando-se o desvio, para mais, em 72% do valor previsto, subsume-se, sem qualquer reparo, na estatuição da alínea b) da cláusula décima primeira do contrato; 19ª : A aprovação do projecto de execução só é - só pode ser - a aprovação pela D.G.E. Superior, tal como a aprovação de um qualquer projecto de arquitectura - elaborado, entre cliente e arquitecto - só pode ser da responsabilidade de uma entidade terceira ao contrato, a Câmara Municipal respectiva, por via de regra; Consequentemente, 20a: É uma ficção em que a sentença recorrida se baseia considerar o projecto aprovado - e a recorrente obrigada assim a pagar - quando claramente expressou e considerou provada a reprovação da D.G.E. Superior e a solicitação da recorrente à modificação do projecto para os parâmetros de preço de construção previstos no contrato; 21a: Também por isso - por contradição entre os factos provados e a decisão jurídica sob recurso - se configura a nulidade da sentença ex vi da alínea c) do n° 1 do artigo 668° do C.P. Civil.

Consequentemente, 22a: É a decisão recorrida ilegal, por violação expressa do artigo 405° do C. Civil, dos artigos 1207° e seguintes do C. Civil, por aplicação errónea e desajustada, por todo o disposto no D.L. 235/86, de 18 de Agosto, bem como por desrespeito ao previsto nos artigos 101° e 102°, n° 1 e 668°, n° 1, alíneas c) e d) todos do C. Processo Civil, devendo por isso ser revogada para todos os efeitos legais.

O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença.

Questões Sendo o objecto do recurso balizado pelas suas conclusões (arts 690 e 684 nº 3 do CPC) importa essencialmente apreciar e decidir: se o Tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção; não o sendo, se, na sentença objecto de apelação, foram praticadas as nulidades previstas no art 668 nº 1 c) e d) do CPC e se o A incumpriu o contrato, sendo fundada a resolução do contrato por parte da R.

Factos Provados, não impugnados, tal como vêm definidos da 1ª instância: 1 - Em finais do ano de 1991 a Universidade … (abreviadamente designada por Universidade…) decidiu promover um concurso, por convite, limitado a cinco concorrentes, tendo por objecto a elaboração do projecto para o novo edifico da Reitoria, em Campolide; 2 - Datado de 9 de Junho de 1992, foi endereçado ao Autor um convite para participação nesse concurso, no qual se afirmava que na motivação para o mesmo foi considerada "a obra construída e outros trabalhos de V.Ex.a, publicamente reconhecidos, e a importância que esta Universidade atribui a este projecto"; 3 - O convite em questão especificava ainda que: o concurso aberto consistia na apresentação do estudo prévio para o edifico e para alguns aspectos do arranjo da zona, e deveria ser entregue até, 20 de Outubro imediatamente seguinte; o primeiro prémio consistiria na encomenda do projecto, sendo o contrato com o projectista seleccionado celebrado ainda nesse ano de 1992, com cobertura orçamental assegurada; 4 - Em 8 de Julho de 1992, na sequência do convite formulado e aceite, a Universidade… enviou ao Autor alguns dos elementos de trabalho relativos ao concurso já referido, comprometendo-se a fazer entrega dos restantes dentro de dias e fazendo notar que o prazo de entrega das propostas havia já sido alargado para o dia 23 de Novembro de 1992; 5 - Em 24 de Setembro seguinte, a Universidade…, pedindo desculpas pelo atraso na preparação e envio dos mesmos, faz entrega ao Autor de documentação necessária ao desenvolvimento dos trabalhos em concurso, fazendo notar que o envio tardio foi simultâneo para todos os concorrentes convidados; 6 - Em 23 de Novembro de 1992, na sequência do trabalho levado a cabo na sua qualidade profissional, o Autor fez entrega da sua proposta a esse concurso; 7 - Após competente deliberação do júri, foi comunicado ao Autor que a sua proposta fora classificada em primeiro lugar; 8- Em 15 de Dezembro do mesmo ano de 1992, em nome próprio mas representando uma equipe de técnicos por si elegidos, o Autor outorgou com o Senhor Vice-Reitor da Universidade …, um contrato para a elaboração do projecto do edifício para instalação definitiva da reitoria da Universidade …, junto a fls. 28 a 35, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido; 9 - Nos termos da cláusula quarta desse contrato e no que à...

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