Acórdão nº 1285/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Abril de 2005
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2005 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Apelante: "A", solteira, maior (autora); Apelado: "B", viúvo (réu); 2º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe – acção ordinária nº 179/1999.
A autora reclamou do réu a entrega de um prédio urbano, cuja aquisição fez registar a seu favor, dizendo que aquele o vem ocupando há anos, recusando-se a entregar-lho.
Na contestação disse o réu ter vivido com a autora como se de marido e mulher se tratassem e que, ao ter decidido adquirir o prédio em questão, foi entre eles combinado que a escritura seria feita em nome da autora, em virtude dele ser, à época, casado. Afirma ainda ter sido ele que pagou a totalidade do preço e que sempre viveu no imóvel desde então, invocando, em qualquer caso, a aquisição por usucapião a seu favor.
Em reconvenção, pediu a anulação do negócio, por simulado, o cancelamento do registo da propriedade a favor da autora e o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o dito prédio.
Para o caso da acção proceder, pede o pagamento duma indemnização por benfeitorias, que computa em PTE 5.500.000$00.
Replicou a autora reafirmando a posição manifestada na p.i.
Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto, por despacho de fls.191 a 195, foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo-se o réu do pedido, e procedente a reconvenção, pelo que se declarou «nula a escritura de compra e venda celebrada entre a autora e a Câmara Municipal de Fafe em 18.07.1991, a que se reporta a certidão de fls.6 a 8; ordenou-se o cancelamento da inscrição G-1 sobre o prédio descrito na conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº 00845/9..., a favor da autora, resultante da apresentação 05/99...; declarou-se ser o réu o dono e legítimo possuidor do prédio.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs o presente recurso de apelação a autora vencida, em cuja alegação formula, em suma, as seguintes conclusões: - Com base na escritura de compra e venda outorgada com a Câmara Municipal de Fafe, em 18.07.91, a autora adquiriu o lote nº 20, registando-o definitivamente a seu favor, pelo que intentou esta acção para obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre tal prédio e a condenação do réu a restituir-lho; - Em reconvenção, o réu alegou a simulação, invocando a nulidade de tal contrato e a usucapião como título aquisitivo originário do aludido prédio; - A alegada simulação só podia ter sido praticada entre autora e réu, pois eram eles os simuladores, pelo que era proibida a prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, nos termos do nº 2 do artigo 394º do Código Civil (CC); - Daí que tenha de ser anulada a produção dessa prova, ou seja a que foi objecto dos depoimentos prestados por João e Bernardo P... e Armando C..., ou pelo menos anuladas as respostas dadas aos quesitos 2º, 3º, 4º, 7º, 8º, 9º, 12º, 13º, 14º, 23º, 26ºa 32º, 34º e 35º da base instrutória, que têm de considerar-se não provados; - Não se fez a mínima prova da verificação dos requisitos cumulativamente exigidos para que ocorra a simulação; - Não se provaram todos os requisitos da usucapião alegada pelo réu, apenas se dando como provado que ele está na posse, uso e fruição do prédio desde a data da outorga da escritura, pelo que tal posse tem uma duração de menos de 8 anos; - Não pode tal posse considerar-se sem oposição, ma medida em que se provou que a autora tem vindo a reclamar do réu a entrega da casa de habitação, completamente livre de pessoas e de coisas; - Em parte alguma da sua contestação-reconvenção o réu invocou a “reserva mental” como causa do pedido de declaração de nulidade, pelo que o Mmº Juiz não podia conhecer de tal matéria; - Só com distorsão da realidade se pode não considerar a Câmara Municipal como vendedora e como dona do objecto vendido, a qual, tal como o seu representante legal no acto da escritura, desconheciam qualquer reserva mental da autora, que aliás nem existiu; - Impõe-se a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue a acção procedente e improcedente a reconvenção.
Contra alegou o réu apelado, pugnando pela confirmação do julgado.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar; O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
As questões suscitadas pela recorrente podem resumir-se a quatro: a) (In)existência dos requisitos previstos no art. 240º do CC, quanto à invocada simulação subjectiva no contrato de compra e venda; b) (In)validade da prova testemunhal produzida relativamente à vontade real de autora e réu no negócio de compra e venda titulado pela escritura pública de 18.07.91; c) Não invocação da “reserva mental” como causa de pedir do pedido de declaração de nulidade do negócio e insusceptibilidade de o Juiz se substituir à parte no conhecimento dessa matéria; d) Falta de prova dos requisitos da aquisição por usucapião a favor do réu.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentos; 1. De facto; A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte: 1. Em escritura pública lavrada em 18 de Julho de 1991, perante a substituta do Notário Privativo da Câmara Municipal de Fafe, José M..., na qualidade de vereador substituto do Presidente da mesma Câmara Municipal e em representação desta, declarou vender a "A", solteira, maior, autora na presente acção, que declarou comprar, pelo preço de 548.175$00 já recebido, um lote de terreno destinado à construção, que constitui o lote nº 30 da “urbanização do sol poente”, com a área de 197,10 m2, já dividido e demarcado mas omisso à matriz, a destacar do prédio rústico denominado “Bouça de Trás da Serra”, inscrito na matriz da freguesia de Cepães sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe em nome da vendedora, sob o nº .../Cepães, conforme certidões de fls. 6 a 8 e de fls. 9 a 12 destes autos.
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O referido lote nº 30 veio a ser registado na mesma conservatória sob o nº 00845/9... e, pela apresentação 06/99... (averbamento 1), passou a ser descrito como «casa de rés do chão e primeiro andar, com a área coberta de 68,26 m2 e logradouro com 128,84 m2 , artigo 710, conforme a já mencionada certidão predial de fls. 9 a 12.
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O réu, ainda no estado de casado com Maria de F..., no princípio do ano de 1990, amantizou-se com a autora, sendo...
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