Acórdão nº 2736/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LATAS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1.

Em Inquérito que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de .., na sequência de despacho proferido pelo senhor Procurador-geral Distrital ao abrigo do disposto no art. 73º nº 1 c) do estatuto do MP, foi deduzida acusação contra A. …, imputando-lhe o MP a prática de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo art.º 256, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CP.

  1. Requerida Abertura de Instrução pela arguida, foi proferida decisão instrutória de Não Pronúncia pela senhora juíza afecta à Instrução Criminal no Círculo Judicial de ….

  2. Deste despacho, vem o MP interpor o presente recurso, extraindo as seguintes CONCLUSÕES da sua motivação: a) - a instrução visa comprovar judicialmente os bons fundamentos ou não da acusação; b) - o Código Penal consagra uma noção ampla de documento, sendo que o art. 255º nos dá a sua noção legal; c) - por sua vez, o art. 368º, do Código Civil, diz, para além do mais, que as reproduções mecânicas de factos ou coisas, fazem prova plena, salvo se for impugnada a sua exactidão; d) - o comportamento da arguida, ao fazer a montagem, servindo-se de elementos/partes processuais provenientes de sentenças/acórdãos diferentes, terá produzido um verdadeiro documento apto/idóneo a provar facto juridicamente relevante, sendo que teve intenção de provocar prejuízos, pelo menos, ao Estado; e) - estarão perfectibilizados os requisitos típicos do crime de falsificação, previsto e punido nos termos do art. 256º nºs 1 al. a) e 3, do Código Penal; f) - a realização das diligências instrutórias não retirou fundamento, nem fragilizou os indícios probatórios que estiveram na base da dedução da educação, sendo muito previsível a aplicação à arguida de uma pena; g) - nesse contexto, deveria ter sido pronunciada pelo dito crime; h) - não o tendo sido, terá sido violado o constante dos arts. 308º nº1, parte primeira, do C. Penal, 255º al. b) e 256º nºs 1 al. a) e 3, estes do C. Penal; i) - assim, concedendo-se provimento ao recurso, deverá decidir-se pela pronúncia da arguida nos termos idênticos/análogos aos da acusação.

  3. A arguida não respondeu à motivação do recorrente (art. 413º CPP).

  4. Nesta Relação, o senhor Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. Fundamentação 1. Questão a decidir É pacífica a jurisprudência no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

    No caso presente, há que decidir se a fotocópia de fls 10 dos autos , elaborada pela arguida, pode considerar-se um documento, face à definição legal de documento do art. 255º do C.Penal, nomeadamente por constituir - ou não - declaração corporizada em escrito, idónea para provar facto juridicamente relevante. No caso de ser afirmativa a resposta a tal questão, impõe-se ainda decidir se estamos perante documento público ou com igual força, enquanto circunstância modificativa qualificativa, para efeitos do art. 256º nº3 do C. Penal.

  5. - A decisão recorrida.

    Da decisão recorrida, transcrevem-se os seguintes trechos: «… Inconformado com tal despacho de acusação, a arguida requereu abertura de instrução, nos termos constantes de fls.110 e ss dos autos.

    Alega, em conclusão o seguinte: - Não existiu qualquer falsificação de documento uma vez que os papéis constantes dos autos (fls. 9 e 10) não podem ser considerados documento, à luz do art.º 255, al. a) do CPP; - Cumpriu as suas obrigações profissionais com zelo e diligência pois só em 24.06.2004 ficou habilitada com a necessária procuração, em nome de ambos os interessados e logo no dia 4 de Julho deu entrada ao pedido no Tribunal da Relação de Évora; - O Estado e os Tribunais não viram abalada a confiança e a credibilidade de que são credores, uma vez que os papéis enviados ao banco se destinavam a provar que o processo se encontrava adiantado e os mesmos nunca produziram quaisquer efeitos; - A arguida não alcançou para si qualquer benefício ou proveito sendo a sua actuação no exclusivo interesse da sua cliente.

    Conclui pedindo que seja proferido despacho de não pronuncia.

    (…) Resulta da análise dos elementos indiciários juntos ao inquérito, designadamente dos documentos de fls. 9 a 56, conjugados com o testemunho de C. …, a fls. 66 e ss dos autos bem como da inquirição da arguida, que esta, com o objectivo de facilitar o processo de concessão de um empréstimo da sua cliente, alterou a decisão que havia recebido do Tribunal da Relação de Évora, relativo ao acórdão do processo n.º …, designadamente o teor de fls. 12 do referido acórdão e nele fez constar um outro texto. Posteriormente entregou fotocópia do oficio de notificação bem como fotocópia da decisão (fls.12) com a redacção que lhe havia aposto, junto do Banco …, local onde a sua cliente C. … pretendia contrair um empréstimo bancário No entanto bem sabia a arguida que tais fotocópias não diziam respeito ao processo de revisão de sentença estrangeira que havia intentado em 4 de Julho de 2005, e em que eram partes C… e marido M. …, o qual corria termos no Tribunal da Relação de …, sob o n.º ….

    De realçar que a arguida, confirmou que quando foi contactada pela sua cliente C… para saber em estado estava o processo de revisão de sentença, em 2005, referiu-lhe que a acção já estava a seguir os seus trâmites, "por vergonha", uma vez que ainda não tinha intentado a acção. E uma vez que era necessário documento comprovativo da revisão da sentença de divórcio para acelerar o processo de concessão do empréstimo junto do banco, "fabricou" o documento, no seu escritório. Para tal aproveitou a decisão do Tribunal da Relação de Évora onde tinha sido defensora de uma das partes e sobrepôs uma outra decisão de natureza cível que tinha em seu poder.

    Após a elaboração do documento entregou-o directamente no banco.

    A fls. 225 e ss dos autos consta o acórdão da Relação de Évora, proferido no processo n.º …, datado de 26 de Outubro de 2004, o qual é composto por 12 páginas.

    A testemunha I. …, ouvida a fls. 58 e ss dos autos, esclareceu o circunstancialismo em que tiveram acesso ao documento entregue no Banco… através dos sucessivos contactos e insistências de C. … junto de si. NA realidade a referida C. … já havia contactado por diversas vezes o tribunal, no sentido de saber o estado do processo e ao ser confrontada com a data de entrada da acção em 7.7.2005, esclareceu a testemunha que tal não podia ser possível uma vez que já havia recebido uma decisão final de tal processo.

    Após terem recebido o fax da instituição bancária diligenciaram no sentido de saber em que estado é que tal processo se encontrava, chegando à conclusão que o processo 1271/2004 dizia respeito ao processo n.º …., da Comarca de … e em que a referida Sr.ª C. … nem sequer era parte. Mais referiu que contactou com a própria arguida, nessa altura, no sentido de lhe solicitar cópia integral do acórdão de tal processo, a qual lhe referiu que não tinha cópia integral do acórdão mas apenas aquela pequena parte.

    A testemunha C. …, ouvida inicialmente a fls. 66 dos autos, referiu que havia contactado a arguida no ano de 2001 para lhe tratar do processo de confirmação do seu divórcio, tendo-lhe entregue toda a documentação necessária, e por isso afirma que a acção terá entrado em 2002, no Tribunal da Relação de Évora. Cerca de um ano depois contactou com a arguida para saber em que estado estava o processo, tendo-lhe ela fornecido o n.º de processo, como sendo o …. Então encetou contactos com o Tribunal da Relação de Évora, no sentido de saber em que estado se encontrava o mesmo. Apenas em 2005, após ter necessidade de contrair um empréstimo bancário, foi-lhe solicitado documento comprovativo do seu estado civil, como divorciada, tendo contactado com a sua advogada para saber em que estado estava o mesmo. Foi então que tomou conhecimento que o n.º do processo era o … e não o que lha havia sido facultado pela arguida.

    Quanto à decisão que foi enviada pelo banco ao tribunal, diz respeito a uma decisão entregue pela arguida no banco, no sentido de comprovar junto do banco a existência do processo relativo à confirmação da sentença. Mais esclareceu que foi a própria arguida quem remeteu ao banco tal documento.

    Encontra-se junto a fls. 81 dos autos um ofício do Banco …, dando conta de que apenas possui fotocópia dos documentos juntos aos autos a fls. 9 e 10, o qual não tem qualquer selo branco.

    Em sede de instrução foi ouvida, de novo, a testemunha C…, que, confirmou, ainda que de forma mais sucinta as declarações que já havia prestado nos autos, sendo que acrescentou que não se recorda em que altura é que entregou a procuração à arguida para tratar da revisão da sentença, bem como que não lhe entregou qualquer adiantamento por conta de honorários e não se recorda se fizeram contas relativas a esse processo.

    A arguida juntou aos autos cópia da sua notificação do acórdão proferido no processo de revisão de sentença estrangeira n.º …, do Tribunal da Relação de Évora, em que são partes C… e marido, proferido em 16 de Novembro de 2005.

    Ora, os elementos juntos em sede de instrução não infirmaram aqueles que já constavam em sede de inquérito e que levaram à prolação da acusação.

    Na realidade a arguida confessou os factos dizendo que foi ela que elaborou no seu escritório o documento junto a fls. 10 e que posteriormente o enviou ao Banco da sua cliente C…. Ademais da análise do próprio documento junto a fls. 12, quando confrontado com o respectivo acórdão proferido no processo n.º … do Tribunal da Relação de...

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