Acórdão nº 00609/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução19 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

RELATÓRIO 1.1. G...e R..., com os sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Mmo. Juiz da 2ª secção do 3º Juízo do TT de 1ª Instância de Lisboa, lhes julgou improcedente a impugnação que deduziram contra a liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 1997, no montante de 5.343.487$00.

1.2. Os recorrentes alegaram o recurso e terminam formulando as Conclusões seguintes: I. Os ora recorrentes impugnaram o acto de liquidação adicional de IRS do ano de 1997 alegando falta de notificação da liquidação, falta de fundamentação e erro na quantificação II. Quanto ao primeiro dos vícios alegados - falta de notificação da liquidação - resultou provado que tal notificação não só não foi efectuada pela forma legalmente prevista como nunca foi recebida pelos ora recorrentes III. Tendo a douta sentença recorrida entendido que os ora recorrentes não haviam atacado a legalidade da liquidação por falta de notificação mas sim a exigibilidade da mesma, a qual não pode ser sindicada em sede de impugnação judicial mas apenas em sede de oposição à execução fiscal.

  1. Ora os recorrentes nunca invocaram nem pretenderam ver discutida a questão da inexigibilidade da liquidação mas sim a da sua validade/legalidade.

  2. Considerando estes que nos termos do Código do IRS e da Lei Geral Tributária, a legalidade da liquidação é também afectada pela falta ou irregularidade da notificação pois esta é, desde a entrada em vigor do CPT, um dos requisitos de validade da liquidação (entendida esta em sentido lato).

  3. Com efeito, da falta de notificação válida resulta, em todos os casos - aqui incluídas as liquidações adicionais de impostos - a ineficácia dos actos tributários ou em matéria tributária.

  4. Porém, no que toca às liquidações adicionais, a lei atribui igualmente à falta de notificação um outro efeito, este diferente da mera ineficácia, no caso, a anulabilidade do acto, por este não se ter formado, por não se ter tornado perfeito sendo que tal regra resulta clara, ao considerar-se o artigo 45° da LGT, relativo à caducidade do direito à liquidação.

  5. Pois, a lei, ao condicionar a interrupção do prazo de caducidade do direito a liquidar impostos, à existência de válida notificação, caracteriza esta, não apenas como requisito de eficácia da liquidação, mas sim como um requisito atinente à sua estrutura interna, à sua validade.

  6. A não ser assim, a referida norma seria redundante, uma vez que, por via da regra geral da ineficácia dos actos onde não ocorreu notificação, sempre a liquidação onde inexistisse a notificação seria ineficaz e, por consequência, inoponível pelo credor tributário.

  7. De resto, não sendo assim, não se compreenderia por que razão a caducidade não poderia ser de conhecimento oficioso ou alegada como fundamento de oposição sendo que a razão, claro está, reside em que a caducidade - ou, melhor dizendo - a falta de notificação resulta na ilegalidade do acto de liquidação.

  8. E foi a inexistência deste requisito que os Recorrentes pretenderam (pretendem) ver apreciada pelo Tribunal, sendo certo que o pode ser em sede de impugnação judicial.

  9. Assim sendo e provado que está que os ora recorrentes não foram validamente notificadados da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1997, a mesma é ilegal e deverá ser anulada.

  10. Quanto à questão da falta de fundamentação, entendeu a douta sentença recorrida que existia fundamentação e que esta cumpria com os requisitos legais, pois das sucessivas remissões efectuadas e da conjugação dos elementos constantes dos autos resultaria um encadeamento acessível e que permitiria aos agora recorrentes conhecer o processo cognoscivo-valorativo que levou á liquidação efectuada XIV. Ora o despacho de alteração dos rendimentos declarados "funda-se" na "informação prestada pelos Serviços de Fiscalização Tributária no DC2/94/135" a qual, por sinal, tem como fundamento uma "informação prestada pelos Serviços de Fiscalização Tributária no DC2/94/989 de 03/9/98".

  11. Em face disto estará o acto de alteração dos rendimentos suficientemente fundamentado? XVI. A fundamentação expressa dos actos administrativos - neles se incluindo os actos tributários ou em matéria tributária - deve ser entendida como a exposição descritiva das razões do acto (da decisão), compreendendo a matéria de facto e a matéria de direito que determinaram a autoridade administrativa à prática de certo acto.

  12. O dever de fundamentação expressa encontra-se consagrado no artigo 268°, nº 2, da Constituição, nos artigos 19°, alínea b) e 21°, ambos do Código de Processo Tributário e no artigo 124° do Código de Procedimento Administrativo.

  13. A fundamentação tem de ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo pois apenas assim serão obtidas as vantagens visadas pelo dever de fundamentação: transparência e racionalidade do procedimento administrativo; garantias para o contribuinte; controlo hierárquico e judicial do acto.

  14. Acrescendo que, a fundamentação tem de ser contextual: deverá acompanhar o conteúdo da decisão, constando do mesmo como um seu pressuposto racional e legal.

  15. De tudo isto, resulta que a fundamentação do acto deve ser coeva deste, deve ser integrada pelas razões que, historicamente, determinaram o acto. Nela nunca poderão integrar-se razões posteriores que apareceriam como uma mera "justificação" externa de um acto sem fundamentação ou com fundamentação insuficiente.

  16. A ratio principal da necessidade de fundamentação expressa aponta declaradamente nesse sentido: há que ter garantias de que o órgão que praticou o acto o fez reflectidamente e por razões de interesse público; tais reflexão e razões devem ser exteriorizadas de tal forma que qualquer entidade - nomeadamente o Tribunal - possa, sem recurso a outras fontes, a se, entendê-las e controlá-las.

  17. Portanto, a fundamentação do pretenso acto de alteração dos rendimentos declarados é apenas a que consta do respectivo texto e só esta e quer constitua uma fundamentação suficiente ou não; não é admissível que a Administração fiscal venha, mais tarde (por exemplo, no processo de reclamação graciosa ou nas informações oficiais) apresentar uma fundamentação suficiente.

  18. De qualquer modo, não basta que exista uma qualquer fundamentação. Necessário se torna que a fundamentação seja clara, congruente e suficiente nomeadamente, a suficiência da fundamentação pressupõe que esta contém os elementos, as razões bastantes capazes de sustentar (formalmente) a decisão.

  19. Na perspectiva do destinatário, a fundamentação deve levar em conta um destinatário normal ou razoável na situação do destinatário real e na perspectiva dos órgãos de controlo - aqui e agora, o Tribunal -, a fundamentação só será suficiente se contiver os elementos necessários a esse controlo, administrativo e judicial.

  20. Ou seja, o acto de liquidação impugnado deveria ter tido como pressuposto um despacho de alteração dos respectivos rendimentos suportado em uma fundamentação e em uma fundamentação suficiente.

  21. Ou seja, ocorrendo alteração do rendimento, «a fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo a falta de fundamentação à adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação» - artigo 67°, nº 2, do Código do IRS.

  22. Ora, nada disto aconteceu no despacho de alteração que (ao que parece) originou o processo de liquidação que culminou no acto tributário impugnado pois, não se descreveram os factos; não se descreveram e interpretaram as normas que se consideravam aplicáveis nomeadamente, a concretização da alegada distribuição de lucros, sempre permaneceria um mistério para os impugnantes, não fora a leitura de documentos externos à fundamentação do acto fixado (nomeadamente o relatório de fiscalização da Certisata, Lda.) XXVIII. Assim sendo, em face da "fundamentação" da alteração dos rendimentos, como conseguiu o órgão de controlo - agora e aqui, o Tribunal Tributário - concluir que dispunha dos elementos necessários a um juízo sobre a existência dos factos e sobre a legalidade do acto? XXIX. A resposta a esta questão apenas pode ser a seguinte: o Tribunal conseguiu descortinar nas sucessivas remissões efectuadas e efectuar a conjugação dos elementos constantes dos autos porque estes elementos foram apresentados nos autos de forma a poderem permitir ao Tribunal conhecer (e compreender) o processo cognoscivo-valorativo que levou á liquidação efectuada.

  23. Mas não foi isso que aconteceu com os elementos notificados aos ora recorrentes pois, o que lhes foi notificado representava uma sucessão virtualmente infindável de remissões para remissões, que se revelaram absolutamente obscuras e ininteligíveis e que não permitiram, com um mínimo de certeza, reconstituir o iter cognoscitivo do autor deste acto.

  24. E nem se diga que os recorrentes reagiram com conhecimento perfeito da "fundamentação" do acto. Bem pelo contrário, os agora Recorrentes reagiram contra a liquidação desconhecedores de qual a acertada fundamentação do acto impugnado e, simplesmente, presumiram, deduziram aqueles fundamentos que lhes pareceram, aparentemente, prováveis, mas sem nunca terem a certeza sobre se os factos abordados na impugnação judicial viriam a coincidir com os factos que a DGCI teria tido em consideração, para a prática do acto impugnado.

  25. Daí que, mesmo que os Recorrentes tivessem presumido acertadamente os fundamentos do acto, a verdade é que a fundamentação de um acto destina-se a tornar certa a motivação da sua prática, não sendo suficiente que o texto permita ao particular apenas entrever nebulosamente qual teria sito o iter cognoscitivo do respectivo autor. Ou, dito de outro modo, a fundamentação tem que ser suficiente e unívoca, afastando a possibilidade de quaisquer dúvidas razoáveis sobre o seu sentido.

  26. Assim e contrariamente à douta decisão recorrida, há que concluir padecer o acto de alteração...

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