Acórdão nº 0732350 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Maio de 2007
Magistrado Responsável | JOSÉ FERRAZ |
Data da Resolução | 16 de Maio de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1) - B………., viúvo, residente na Rua ………., …, ………., Vila Nova de Gaia, C………. e D………., residentes na mesma morada, intentaram a presente acção de despejo com processo Sumário contra E……… e mulher, alegando, que, por contrato verbal, o 1° autor deu de arrendamento ao Réu o rés-do-chão composto por 2 quartos, sala e cozinha, do prédio sito no ………., freguesia de ………., com início em 1 de Agosto de 1972, pelo prazo de seis meses, renovável nos termos da lei, mediante a renda mensal de 600$00, destinando-se o locado a habitação.
Continuam que os Réus, há mais de 2, 3 e 4 anos deixaram, juntamente com o seu agregado familiar, de viver no arrendado, não tendo aí instalada ou organizada qualquer vida doméstica ou outra.
Os Réus, durante os últimos 4 consecutivos anos, restringiram o uso do arrendado a uma esporádica visita de férias de dois em dois anos, no Verão, e pelo período de 15 dias, tendo toda a sua vida familiar e doméstica organizada em França, onde vivem permanentemente pelo menos de há quatro anos a esta parte.
Concluem a pedir que os réus sejam condenados a ver decretado o despejo do arrendado e a entregarem-no aos autores, livre de pessoas e coisas.
Os Réus contestam a reconvêm.
Afirmam que o contrato de arrendamento foi celebrado em 14/3/1973 e que contrataram com o Autor a locação do prédio urbano que destinariam a residência de férias uma vez que os Réus eram emigrantes em França e nunca tiveram a residência permanente no local arrendado, como o autor bem sabia quando celebrou o contrato.
Acrescentam que os Réus têm feito do locado a exacta utilização a que se obrigaram, para o gozo de férias, jamais tendo fixado no arrendado o centro da sua vida doméstica.
Em reconvenção, alegam terem realizado no locado, em Julho de 1990, obras de conservação absolutamente indispensáveis, no que despenderam 162.000$00.
Terminam a pedir a improcedência da acção e procedência da reconvenção, com a condenação dos AA a indemnizarem os RR no valor de 162.000$00.
Os autores responderam alegando que nunca arrendaram a casa aos RR só para férias nem estes pretenderam a casa só para férias Acrescentam que a filha dos Réus e a mãe e sogra dos Réus viveram no locado durante um ano consecutivo há cerca de 3 ou 4 anos e foram os Réus quem, alegando pretender regressar definitivamente a Portugal, contactaram os Autores para lhes arrendar a habitação em causa uma vez que vinham tomar de trespasse uma mercearia.
Nas obras executadas no locado, os RR não despenderam mais de 20 a 30 mil escudos.
Mantêm o pedido inicial e pedem a improcedência da reconvenção.
Proferido despacho saneador a julgar a instância válida e regular, foram elaborados a especificação e o questionário, sem reclamação.
Realizada a audiência de julgamento, na qual foi ampliado o questionário, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.
Interposto recurso da sentença, foi anulada a decisão sobre a matéria de facto para, considerando-se confessada a existência de um arrendamento para habitação e que existiam obscuridades e contradições na matéria de facto (respostas aos quesitos 2, 6 e 7), ordenou-se a repetição do julgamento, para eliminar esses vícios.
Repetido o julgamento, como ordenado, e aditado um quesito 7-A, a que se ampliou o julgamento com o fim evitar contradições na decisão, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção.
Interposto recurso da sentença pelos RR, por acórdão de fls. 212 e seguintes, desta Relação, foi anulado parcialmente o julgamento em ordem a ser elaborado e respondido o quesito "Aquando do referido em B, os outorgantes acordaram ainda que o rés-do-chão se destinaria apenas a habitação dos RR em férias?".
Dado cumprimento ao ordenado por esse acórdão, foi realizada a audiência de julgamento e, decidida essa questão de facto, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do arrendado aos autores, e a reconvenção improcedente.
2) - Novamente discordantes com a sentença, recorrem os réus.
Doutamente alegam, formulando as conclusões que se seguem: "A) Aos recorridos, autores na acção, incumbia fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado - direito ao despejo do arrendado de que são proprietários; B) Os recorridos peticionaram o seu direito ao despejo do arrendado, face aos recorrentes, invocando a não residência permanente destes no arrendado.
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São assim, factos constitutivos do direito invocado pelos recorridos: a prova da celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente e a não habitação permanente do arrendado pelos recorrentes.
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Os factos provados demonstram que entre recorridos e recorrentes foi celebrado contrato de arrendamento para habitação.
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Resulta da matéria provada que os recorridos não fizeram prova de que tal contrato de arrendamento para habitação foi celebrado para habitação permanente do arrendado - pelo que não lograram provar os factos constitutivos do direito por si alegado.
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Não se aceita que coubesse aos recorrentes o ónus da prova da destinação do arrendado à sua habitação não permanente, como se infere da sentença. O elemento "habitação não permanente" não é enquadrável no conceito de "facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito" (estes sim, ónus dos recorrentes), como é evidente pela análise legal e doutrinal destes conceitos.
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Existe desde já nos autos matéria suficiente para que a decisão seja a inversa, ou seja, a inexistência de direito dos recorridos ao despejo dos recorrentes pois não fizeram prova dos factos constitutivos do direito alegado.
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A matéria de facto congruente provada foi que, em síntese, "em 14.3.1973 os Réus já se encontravam emigrados em França, tendo aí a sua residência, o que o 1.° Autor conhecia à data da celebração do contrato de arrendamento" e que "os Réus sempre utilizaram o referido rés-do-chão e quintal nos períodos de férias de Verão e a Ré mulher por alturas dos Fiéis Defuntos." I) A sentença dá como provado o destino residencial permanente do locado unicamente porque, em facto provado totalmente descontextualizado e avulso da restante matéria provada, em determinada altura "familiares destes deixaram de dormir, comer, receber correspondência ou amigos do locado".
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A sentença é assim, igualmente, nos factos provados, obscura e contraditória, decide em dúvida a favor dos autores, violando o artigo 516.° do CPC, pelo que, a não se entender que devem ser os recorrentes absolvidos do pedido, deve ser anulada.
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Durante mais de 20 anos os recorridos aceitaram que recorrentes habitassem o arrendado nos termos descritos na conclusão G) pelo que, admitindo-se por mera hipótese teórica, que as partes celebraram, a inicio, acordo verbal de arrendamento para habitação permanente, o mesmo acordo, pela sua execução, foi modificado para arrendamento para habitação não permanente, por aceitação tácita dos recorridos, atentas as regras gerais do negocio jurídico.
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Devendo ser esta a interpretação da declaração negocial dos recorridos de acordo com a teoria da impressão do destinatário; e que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduza a um maior equilíbrio de prestações, e também por não poder ser exigida para alteração...
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