Acórdão nº 0654478 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelMARQUES PEREIRA
Data da Resolução26 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, B………. intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C………., D………., Lda e Companhia de Seguros X………., SA, pedindo a condenação dos Réus a pagarem solidariamente à Autora a quantia de € 49.879,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, para tanto, e em síntese, os seguintes fundamentos: Que é proprietária de um prédio urbano, sito na Rua ………., … a …, em ………. .

Que o 1.º Réu é, por sua vez, proprietário de um prédio contíguo ao seu, onde existia um armazém.

Que a 2.ª Ré demoliu esse armazém, ali iniciando a construção de um edifício com 4 pisos, com cave.

Sucede que as vibrações provocadas pelas máquinas que executaram os trabalhos de demolição do antigo edifício e construção do novo, bem como a utilização de explosivos, para o efeito, abalaram o edifício da Autora, causando-lhe danos, que descreve, cuja reparação está orçamentada em € 49.879,00.

Que a 3.ª Ré se recusou a pagar a indemnização por tais danos, alegando que por, na obra, terem sido utilizados explosivos, a sua cobertura estava excluída pela apólice.

O Réu C………. contestou, defendendo-se, quer por excepção, invocando a prescrição do direito, quer por impugnação, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Ré D………., Lda contestou, concluindo pela admissão da intervenção acessória provocada da empresa E………., Lda, e pela improcedência da acção, pelo menos, em relação à contestante.

A Ré Companhia de Seguros X………., SA contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, terminando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Invocou, nomeadamente, as exclusões contratuais decorrentes das cláusulas 17 das Condições Gerais e 23, n.º 2, als. c), d) e e) das Condições Especiais constantes da apólice de seguro.

Referiu, ainda, a dedução ao montante indemnizatório que sempre resultaria da franquia acordada.

A Autora deduziu oposição ao requerimento de intervenção e respondeu às contestações, do 1.º Réu e da 3.ª Ré, concluindo como na petição inicial.

Foi deferido o chamamento da empresa E………., Lda, ordenando-se a citação desta, nos termos do art. 332, n.º 1 do CPC.

A chamada contestou, concluindo pela improcedência da acção, com as legais consequências.

A Autora respondeu, concluindo pela condenação solidária dos Réus e da chamada.

Proferiu-se o despacho saneador, seleccionando-se os factos assentes e organizando-se a base instrutória.

Foi efectuada a audiência de julgamento, com gravação das provas.

Foi proferida sentença, em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré Companhia de Seguros X………., SA no pagamento à Autora da quantia de € 24.939,50, acrescida de juros de mora, à taxa de 7% desde a citação até 13 de Abril de 2003 e de 4%, desde 14 de Abril de 2003 até efectivo pagamento, conforme Portarias 158/99, de 18 de Fevereiro e 291/03, de 8 de Abril.

Absolvendo-se os restantes Réus e interveniente do pedido.

Custas pela Autora e pela Ré Companhia de Seguros X………., SA em partes iguais.

A Ré Companhia de Seguros X………., SA apelou para esta Relação, tendo formulado as conclusões que se transcrevem: I-O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito, sendo que o "documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas", se designa por apólice, sendo o âmbito do contrato definido por três elementos: as garantias, os riscos cobertos e os riscos excluídos.

II-O risco, evento futuro e incerto, constitui um elemento fundamental no contrato de seguro, merecendo um tratamento legal que acautela situações em que o risco sofre vicissitudes, pois não é infinito, ilimitado e incondicional, sendo a sua delimitação importante para conformar a conduta do segurado, de forma a não encorajar atitudes levianas do mesmo, sendo que uma das características essenciais do contrato de seguro é a sua natureza aleatória, mostrando-se a declaração do risco, no momento da celebração do contrato e durante a sua vigência, imprescindível para o cálculo do respectivo prémio.

III - No caso dos autos, o uso de explosivos é um risco que influi necessariamente na contratação do seguro, em virtude da natureza perigosa do uso de tal material que faz prever, em caso de sinistro, uma superior magnitude dos danos, verificando-se no caso sub judice, pela análise cuidada das condições particulares do contrato, que o tomador de seguro adequou a contratação aos riscos que anteviu mais relevantes, tendo o cuidado de alargar as garantias da cobertura de responsabilidade civil aos danos em bens existentes e/ou contíguos propriedade de terceiros, derrogando uma das alíneas do art. 17 das Condições Gerais da Apólice ao contratar a Condição Especial 23, como também derrogou o n° 5, do art. 47 das Cláusulas Contratuais Gerais.

IV - O regime das Cláusulas Contratuais Gerais que está plasmado no Dec.-Lei 446/85, de 25 de Outubro, aplica-se, segundo Almeno de Sá (op. cit.) às «estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares», tendo como características a pré-elaboração, a generalidade e a imodificabilidade.

V - No caso dos autos, da análise da apólice de seguro e respectivas condições particulares e gerais, conclui-se que o contrato em causa não configura um contrato pré-elaborado, mas, como já se referiu, o seu teor foi negociado quanto às coberturas contratadas, pois, o tomador de seguro alargou a garantia da responsabilidade civil aos bens existentes e/ou contíguos propriedade de terceiros (Condição especial 23) e derrogou a aplicação do ponto 5, do art. 47 das Condições Gerais da Apólice.

VI - O tomador de seguro teve plena consciência das exclusões e coberturas do contrato de seguro que estava a celebrar, ou seja, teve conhecimento efectivo de todo o clausulado do contrato, negociando a derrogação de algumas exclusões constantes das Cláusulas Contratuais Gerais, não o fazendo relativamente à exclusão dos danos causados pelo uso de explosivos.

VII - O referido em VI significa que as três características definidoras das cláusulas contratuais gerais não estão presentes no contrato de seguro invocado nos autos, sendo ainda certo que, estando as exclusões do contrato de seguro invocado previstas nas Condições Especiais, tal facto afasta, por si só, a aplicação do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, pois estas -as Especiais constituem "cláusulas especificamente acordadas para um concreto contrato e possuem um recorte individualizado bem mais ajustado à vontade concreta e efectiva dos contraentes" - Ac. da RC de 11/01/2000 citado.

VIII - À franquia contratual não se aplica, igualmente, o regime do Dec.-Lei 446/85, de 25/10, uma vez que esta consta das cláusulas particulares da apólice, ou seja, das cláusulas especificamente acordadas para um determinado contrato de seguro e, como tal, fora do âmbito de aplicação do referido diploma (art. 1°, n° 1).

IX - O art. 5° do DL 446/85 prevê um dever de comunicação quando esteja em causa a celebração de um contrato regido por cláusulas contratuais gerais, dever esse que deve ser global e realizado de modo a possibilitar ao aderente o conhecimento efectivo das cláusulas gerais, não exigindo que o aderente tenha conhecimento efectivo das cláusulas gerais; aliás, o dever de informação previsto no art. 6° do DL 446/85 não se confunde com o dever de comunicação e só é exigível em determinadas situações.

X - Acresce que as condições gerais do contrato de seguro em causa nos autos cumprem as regras de transparência das relações pré-contratuais, previstas no Dec.-Lei 176/95, de 26/07, apresentando-se as mesmas de forma inequivocamente detectável, redigidas com letra perfeitamente legível e com todas as exclusões intencionalmente grafadas a negro itálico.

XI - No caso dos autos não foi alegado pelos Réus qualquer facto relativamente ao contrato celebrado e invocado, nem tão pouco este foi impugnado pela Autora, nem sequer foi alegada a omissão dos deveres de comunicação e informação, os quais, pelo contrário, foram cumpridos face ao alegado nos itens precedentes relativamente ao âmbito de garantia do contrato celebrado.

XII - O regime das cláusulas contratuais gerais no que concerne à fiscalização das condições gerais permite um controlo incidental e um controlo preventivo, aquele respeitante a um litígio referente a cláusulas de um contrato celebrado entre determinado utilizador e o seu parceiro negocial no qual se questiona a validade de determinadas cláusulas, este - o controlo preventivo - apenas possível mediante a acção inibitória prevista no art. 25° do Dec.-Lei 446/85, sendo certo que no caso sub judice não estamos perante um controlo preventivo, nem sequer perante um litígio em que se discuta a validade das cláusulas do contrato de seguro.

XIII - Cabe às partes o ónus de alegar os factos que fundamentam as excepções por elas aduzidas e o Juiz só pode fundamentar a sua decisão nos factos alegados pelas partes.

XIV - A Apelante alegou excepções baseadas no contrato de seguro invocado nos autos, o qual foi considerado matéria de facto assente (alínea F), não tendo sido alegada pelos segurados a omissão dos deveres de informação e comunicação, sendo que é ao contraente que pretende prevalecer-se da omissão desses deveres que incumbe o ónus de alegação dessa omissão.

XV - O ónus imposto no n° 2, do art. 1°, do Dec.-Lei 446/85 (redacção à data dos factos) tem como objectivo delimitar a aplicação do citado Dec.-Lei, não constituindo o seu não preenchimento a sanção prevista no art. 8°, isto é a exclusão das cláusulas invocadas em sede de excepção.

XVI - Não tendo sido alegada pelas partes a omissão dos deveres enunciados no art. 5° e 6° do Dec.-Lei 446/85...

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