Acórdão nº 0654493 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | MARQUES PEREIRA |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Cível do Porto, B…………… instaurou acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra Empresa C………….., SA e D……………, pedindo, em substância, que os Réus sejam condenados a reconhecerem que o invocado contrato de arrendamento de duração limitada (por 5 anos) cessou, em 13 de Abril de 2004, os seus efeitos, devendo a Ré despejar o arrendado, entregando-o ao Autor livre e desocupado de pessoas e coisas, no estado de conservação em que o recebeu, e ambos os Réus, solidariamente, a indemnizar aquele pela ocupação indevida do locado, pela Ré, desde a referida data.
Os Réus apresentaram contestação, na qual, concluem pela sua ilegitimidade ou, assim não se entendendo, pela sua absolvição do pedido.
Respondeu o Autor, concluindo pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade passiva e como na petição inicial.
No saneador, foi declarada a improcedência da excepção da ilegitimidade dos Réus. Seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, com gravação das provas, foi proferida sentença, em que se decidiu: Julgar a acção procedente, condenando-se a Ré a entregar ao Autor o locado livre e desocupado de pessoas e bens; Condenar os Réus a pagar, solidariamente, ao Autor uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 1.000,00, desde 13 de Abril de 2004 até ao momento da entrega efectiva do locado ao Autor.
Custas pelos Réus.
Inconformados, os Réus apelaram para esta Relação, finalizando a sua alegação, com as conclusões que a seguir se transcrevem: I- Do depoimento das testemunhas E…………… [cassete 1, lado A, 0000-0922], F…………… [cassete 1, lado A, 0922-2517 e lado B, 0000-0278] e G……………… [cassete 1, lado B, 0627-1385], resultam provados factos, ainda que instrumentais, que necessariamente imporiam outra resposta ao quesito 1 (a Ré ainda se mantém no locado?), nomeadamente que: a) o imóvel/fracção foi ocupado por vários pessoas, incluindo um ex funcionário da Rec., H…………, que ainda se mantém no locado, aí vivendo efectivamente na fracção e não abrindo a porta a ninguém; b) a Rec. quis retirar os móveis da fracção e não lhe foi possível por não ter a chave da mesma.
Ou seja, II- Resulta mais do que provado e demonstrado que a Rec. não tem há cerca de 2 anos (desde a data do Julgamento), controlo sobre o que se passa no apartamento/fracção ou acesso ao mesmo, resultando, daqui, que nem pode usar ou aceder ao mesmo, nem retirar de lá os móveis e rescindir o contrato de fornecimento água com os SMAS, por exactamente não ter acesso ao apartamento/fracção.
III- Teria, necessariamente de ser diferente a resposta ao quesito 1 da base instrutória, até por tais factos, instrumentais, apontarem e indiciarem em sentido contrário.
IV- Impugna-se, nessa medida, a resposta ao dito quesito 1 e a matéria de facto daí resultante, pois que a mesma teria, por força da prova junta aos autos e do depoimento das referidas testemunhas, de ser necessariamente oposta: não provado.
V- Não sendo, por isso, exigível à 1.ª Ré/Rec. a entrega do locado, nos termos supra referidos, tem a presente acção que sufragar.
VI- Deveria, face à prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas supra referidas, ser alterada a resposta ao quesito 1 da base instrutória.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, VII- Verifica-se que I a Ré/Rec. alegou em sede de articulados que «conseguiu apurar, o locado terá sido, posteriormente, ocupado abusivamente por terceiros, que nada têm a ver com a I a Ré» (32 Contestação), tendo posteriormente, junto aos autos documentos que comprovam que a 1.ª Ré/Rec. já não é titular dos contratos de fornecimento de água e luz à fracção, por os haver rescindido em 1 de Julho de 2004.
VIII- Resulta dos autos matéria com especial interesse para a decisão da causa que o Tribunal não apurou: se a fracção está, efectivamente, ocupada (abusivamente) por terceiros.
IX- A provar-se tal facto, a 1.ª Ré/Rec. não pode ser condenada na restituição do locado, uma vez que o mesmo, tendo sido ocupado por terceiros, apenas pode ser reivindicado pelo respectivo proprietário, o Autor (cf art. 1311 Cód. Civil), não tendo o arrendatário legitimidade para, com fundamento no seu direito, reivindicar a terceiros a coisa locada. Outrossim, cabe ao locador, assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina (art. 1031,al. b), Cód. Civi1).
X-O Tribunal "a quo" devia, necessária e obrigatoriamente, ter indagado pelo facto referido, alegado pela 1.ª Ré/Rec., nem que fosse para concluir - como se conclui - pela impossibilidade de condená-la na entrega da fracção da qual não tem gozo nem fruição.
XI- A douta Sentença recorrida não explica - como devia -, o que quer dizer e em que circunstâncias é que "A ré ainda se mantém no locado" (3 dos factos provados).
XII- Sendo certo que de tal não pode inferir-se pela negação (vulgo "não provado") do facto supra alegado pela p. Ré/Rec., visto que com tal apenas se quer referir que, apesar da denúncia, ala Ré/Rec. não terá entregue as chaves do locado.
XIII- Mal andou, pois, o Tribunal "a quo" em não averiguar (quesitar) o facto alegado pela 1.ª Ré/Rec., com manifesto interesse para a causa, violando assim, nomeadamente, o disposto no n. 1 do art. 511 do Cód. Proc. Civil.
Em segundo lugar: XIV- A responsabilidade, enquanto de fiador, do 2.º Réu/Rec. terminou com a denúncia do contrato pela 1.ª Ré/Rec., pelo que, a indemnização em que a 1.ª Ré/Rec. foi condenada a pagar ao Autor/Rec.do não cabe dentro da respectiva fiança, nem lhe pode ser pedido qualquer pagamento.
XV- A jurisprudência supra referida é pacífica em concluir que em tal sentido, tal como estabelece o art. 651 do Cód. Civil: «A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança.».
XVI- Se o fiador (o 2. Réu/Rec.) se obrigou, logo de entrada, pelo exacto cumprimento, pela locatária, das rendas inerentes ao contrato de arrendamento, pelo que a fiança extinguiu-se com a denúncia do contrato de arrendamento, que todas as partes aceitam como válida e operou a resolução do contrato de arrendamento dos autos.
XVII- A indemnização refere-se à entrega do locado, isto é, a algo posterior à resolução do contrato, sendo que é facto constitutivo do direito do Autor/Recorrido contra o fiador terem os danos ocorrido na vigência da fiança - art. 342º, nº 1, Cód. Civil.
-
Ora, verifica-se que o Autor/Recorrido não provou este facto e disso não se deu conta a douta Sentença em crise.
-
Extinto o contrato de arrendamento, extinguiu-se a fiança, já que a mesma abrange, única e simplesmente, as cláusulas do contrato, e já não qualquer indemnização pela não restituição do prédio locado após aquela extinção.
XX- Foram violados, entre outros, os arts 651 e art. 342, n. 1 do Cód. Civil.
Em terceiro lugar: XXI- A 1.ª Ré/Rec. não estava em mora, porquanto, depois de rescindir o contrato de arrendamento, não fora notificada pelo Autor/Recorrido para lhe entregar as chaves (art. 805 n.º do C. Civil).
XXII- Nunca poderia, assim, ser condenada no pagamento da peticionada indemnização em dobro, nos termos do n.º 2 do art. 1045 do C. Civil, mas apenas - nesta hipótese académica - a indemnização em singelo, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito legal.
Por outro lado XXIII- É pacífico entender e defender-se que se o locatário nada tiver a obviar à ocupação abusiva do locado, por o mesmo ter sido ocupado por terceiros, contra a sua vontade, não pode condenar-se esse mesmo locatário na indemnização referida naquele n.º 2 do art. 1045.
XXIV- Verificando-se no caso dos autos que a 1.ª Ré/Rec. alegou não ter a posse nem o gozo da fracção por a mesma ter sido abusivamente ocupada por terceiros, contra a sua vontade.
XXV- Daí que não possa deixar de entender-se que a, verificado tal facto [que, como já vimos, o Tribunal" a quo" não averiguou, apesar do interesse para a decisão da causa) não podia condenar-se a 1.ª Ré, no pagamento de tal indemnização, nos termos daquele n.º 2 do art. 1045.
XXVI- A provar-se tal facto alegado pela 1.ª Ré (de que esta não tem o gozo da fracção por a mesma ter sido abusivamente ocupada por terceiros, contra sua vontade) tal implicaria o necessário e lógico decaimento do pedido de entrega do locado.
XXVII- Foram violados, nomeadamente, o n.º 2 do art. 1045 e o n.º 1 do art. 805 do CC.
Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Factos dados por provados: 1. O autor é usufrutuário da fracção autónoma designada pela letra D correspondente a uma habitação no segundo andar direito, com entrada pelo n.º ….. do prédio sito na Rua ……. n. …. a …. e Rua ……., n. …., …., …. a …. da freguesia do Bonfim, Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 10.444-D e descrito na Conservatória do Registo Predial - 1.ª Conservatória do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO