Acórdão nº 0641174 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução22 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Nos autos de inquérito nº …../04.2TDPRT, na sequência de participação criminal apresentada por "B…….., Ldª" contra C………, findo o inquérito o M.P. proferiu despacho de arquivamento considerando não haver indícios da prática de qualquer ilícito penal.

Não se conformando com esse despacho, a assistente "B………., Ldª" requereu a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia do arguido pelos crimes de burla qualificada, p. p. pelos arts. 217º e 218º do Código Penal e de abuso de confiança, p. p. pelo art. 205º do mesmo diploma.

Após debate instrutório, foi proferido despacho de não pronúncia nos seguintes termos (na transcrição que se segue eliminaram-se as notas de rodapé constantes do texto original): "(…) Com interesse para a decisão a proferir, da análise da prova indiciária produzida, consideram-se indiciados os seguintes factos: 1) Em 14 de Maio de 2003, a assistente contactou, por fax, a empresa D……. S.A. com sede em França, e solicitou-lhe o envio de catálogo de estruturas de madeira para estufas e o orçamento para a construção e montagem de um estabelecimento tipo horto que pretendia montar no outlet designado por "' E……. ", síto no ……. - fls. 27.

2) A assistente contactou a dita firma "D……. S. A." por já conhecer a boa qualidade dos seus materiais e estruturas por ela concebidas e fabricados bem como os seus resultados estéticos; 3) Em 20 de Maio de 2003, a "D…….. S.A. "' respondeu informando que poderia construir a estrutura principal de madeira e que para efeitos de orçamento, a assistente deveria enviar desenho com todos os elementos necessários para o cálculo; 4) A " D…….." informou ainda que se encontrava representada em Portugal por uma empresa denominada " D1………" com sede na Rua ……, …., ….., Matosinhos - fls. 28.

5) Em 4 de Junho de 2003, a queixosa contactou por fax, o dito representante do Porto, denominado "F……., Lda.", representada pelo aqui arguido, solicitando um orçamento de estrutura lamelada da "D……… " com cerca de 600 m2 referindo que essa solicitação era urgente e que a assistente possuia desenhos base e algumas fotografas de estruturas idênticas montadas em Espanha e em França - fls. 29.

6) Realizaram-se reuniões entre a assistente, representada pelo Engº G………. e o arguido, ficando estabelecidos as características da estrutura de madeira lamelada a construir com base nas fotografias de estruturas idênticas da D…….., S.A., com base no catálogo da D……. fls. 30 a 36.

7) Após inspecção ao local onde esteve presente o arguido, este informou a assistente que o valor do orçamento para a estrutura de madeira lamelada, seria inferir a € 40.000.

8) Mas, por fax de 10/7/2003, o arguido informou a assistente de que tinha havido um erro no cálculo do orçamento da estrutura de madeira por parte do fabricante, de modo que o seu valor seria de € 44.250, mas que ele arguido tinha conseguido baixar o seu valor para E 40.850, correspondente ao preço de custo do fabricante - fis. 38.

9) Face a esta alteração, o valor total orçamentado para a totalidade da obra seria de € 63.815,00, acrescido de IVA, sendo € 40.850,00 correspondente ao preço da estrutura contratada e o restante correspondente a outros materiais documentados no orçamento - fis. 38 a 44.

10) O arguido informou ainda a assistente de que, caso a adjudicação ocorresse até 15/7/2003, o fabricante realizaria os desenhos finais durante o mês de Julho e que a estrutura de madeira chegaria à obra por volta do dia 15 de Setembro - fis. 38.

11) Em 141712003 a assistente aceitou aquele orçamento e solicitou a execução dos desenhos finais - fis. 45.

12) Em 16/7/2003 o arguido solicitou o pagamento, a título de sinal e de antecipação do pagamento, da quantia correspondente a 40% do valor global da obra, acrescido de IVA, ou seja, € 30.375.94 - fls. 46.

13) E enviou junto, o arguido a factura Proforma constante de fis. 471 em cujo cabeçalho consta a seguinte denominação " H……. " - fls. 47.

14) Em 30/7/2003 a assistente declarou pretender efectuar a transferência do sinal de € 25.000 acrescido de IVA e solicitou ao arguido a emissão da factura a favor da assistente - fis. 48.

15) Por fax de 11812003 o arguido enviou à assistente uma cópia da factura cujo original enviou à assistente por correio indicando-lhe o nome e número da conta bancária onde a assistente deveria fazer o pagamento - fis. 49 e 50.

16) Em 18/8/2003 a assistente transferiu essa importância para a conta Indicada pelo arguido - fis. 53.

17) Em 28/8/2003 a assistente por fax,, informou o arguido de que ficava a aguardar o envio da factura relativa ao valor do sinal pago e dos desenhos finais da estrutura acordada, tipo pórtico - fis. 54.

18) Após várias tentativas de contacto telefónico com o arguido que se revelaram infrutíferas, em 3 de Setembro de 2003 a assistente comunicou, por fax, com a D……. em França, perguntando se havia algum problema com a construção - fis. 55.

19) No mesmo dia 3/9/2003, o arguido enviou um fax à assistente alegando que os desenhos já estavam feitos mas por lapso do fabricante, tinham sido feitos em viga delta e não em pórticos conforme pretendia a assistente; nesse fax, o arguido referiu que a assistente fez alterações quanto à solução da cobertura - fis. - fis. 56 a 61 - o que a assistente alega ser falso.

20) Ainda nesse fax, o arguido propôs diferentes orçamentos consoante a variação do material de cobertura e juntou um desenho em solução de pórticos em que o fabricante se designava por "H…….." e não"D…….." conforme sempre tinha sido exigido pela assistente - fis. 56 a 61.

21) Em 5 de Setembro de 2003 a assistente enviou um fax ao arguido, relembrando-lhe que tinha especificado, verbalmente e por escrito, que pretendia madeira lamelada colada da "D………" e apenas da "D……….".

22) Simultaneamente a assistente solicitou ao arguido a devolução imediata do valor pago a título de sinal - fis. 62 e 63.

Alega a assistente, que o arguido, apesar de bem saber que a assistente apenas pretendia soluções e materiais fornecidos pela D…….., forneceu soluções e materiais de outra empresa diversa, o que fez de forma encoberta e astuciosa de forma a que a assistente não se apercebesse desse facto, referindo-se, nas negociações, apenas ao "'fabricante"' - vide fis. 38 - omitindo o nome deste de forma consciente e propositada com intenção de induzir em erro a assistente, quando, ao contrário, sobre ele recaía o dever de informar expressa e inequivocamente que o "' fabricante "' não era a D…… .

A assistente, tão convencido de que estava a contratar material da D………, nunca se lembrou de verificar se os documentos enviados pelo arguido referiam ou não a marca D……… .

Mais alega que o arguido se locupletou com o valor do sinal que a assistente lhe entregou, pois nunca fez qualquer pagamento nem à D…….. nem à "H………." conforme resulta de fis. 439, incorrendo, neste segundo momento, na prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 2050 do Cód. Penal.

Cumpre decidir.

Dispõe o nº 1 do art. 217º do C.P. que "' Quem, com intenção de obterpara si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por melo de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, detennlnar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrímonial é punído com pena de prlsão até 3 anos ou com pena de multa Por sua vez o art. 218º nº 2 do mesmo Código estabelece: A pena é a de prisão de 2 a 8 anos se o prejuízo patdmonial for de valor consideravelmente elevado - alínea a).

Aqui chegados, importará então averiguar se a celebração do contrato entre a assistente e o arguido e a entrega da referida quantia de € 38.289.00 pela assistente ao arguido a título de sinal, resultou, nos termos da lei, de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados ou aproveitados pelo arguido.

Como referem os Acs. do S.T.J. de 5/4/2000 no Proc. 3312000 e de 25/5/2000 no Proc. nº 16912000 ambos da 3a Secção, "São elementos objectivos do crime de burla, quer na versão originária do C.P. de 1982 quer na resultante da revisão de 1995: - a prática pelo agente de factos astuciosos, isto é, envolvendo ardil, manha, manobrafraudulenta, mise-en-scéne; - a existência de erro ou engano, provocado por aquela actuação astuciosa, a prática, determinada por aquele erro ou engano, de actos de disposição ou de administração; - a existência de prejuízo patrimonial causado por aqueles actos, para quem os praticou ou para outra pessoa.

Por sua vez, são elementos subjectivos do mesmo tipo de ilícito: - o conhecimento de todos os elementos objectivos atrás referidos e a vontade de os realizar, ou seja, o dolo em qualquer das suas três modalidades, previstas no art. 14º do C.P. (dolo directo, necessário ou eventual); - a existência do elemento subjectivo especialmente exigido no tipo, elemento que acresce ao dolo e que se traduz na íntençdo do agente de obter enriquecimento, a que não tem direito, para si ou para terceiro.

A palavra burla implica a existência de um contrato, um negócio em que uma das partes engana a outra sobre o objecto ou finalidade do mesmo, de modo a esta ceder vantagens que de outro modo não cederia se não fosse enganda - Cfr. Luis Osório in Notas ao C. Penal, IV, pág. 20.

A burla tem o traço característico da fraude que determina a passagem da coisa do poder do detentor para o de outrem. Esta transmissão consensual opera-se por vontade do detentor, embora essa vontade seja determinada por erro provocado ou, aproveitado fraudulentamente, pelo agente do crime. Há, portanto, aqui um vicio na aquisição do seu poder sobre o objecto do crime; esta aquisição é consensual, mas fraudulenta.

A conduta enganosa deve ser adequada a produzir o erro no agente passivo ou seja, a acção e nganosa deve ser causa do erro, deve existir uma relação de causalidade entre ambos.

Conforme enunciou o Ac. do S.T.J. de 19/12/91, o burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património por que tem um falso...

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