Acórdão nº 0513981 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução08 de Novembro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - RELATÓRIO 1. Por sentença de 4/11/2004, proferida nos autos de processo comum singular nº …./02.5TAPRD do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Paredes, a fls. 338-347, foi condenado o arguido B………., como autor material de um crime de descamimho de objectos colocados sobre o poder público, da previsão do art. 355º do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

Desta sentença recorreu o arguido para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: Pelo M.mo Juiz a quo não foram devidamente valorados os documentos juntos aos autos, mormente os documentos de folhas 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 54, 55, 56, 57, 108, 174, 238, 239, 331, 332 e 334; Em especial, não foi minimamente valorado o facto de em Maio de 1998, antes da alegada "apreensão", o veículo QO ter sido registado a favor de C…………, conforme documento de folhas 54; O arguido não teve qualquer intervenção, directa ou indirecta, na alienação do veículo ocorrida em Setembro/Outubro de 1998 a favor de D………….. e posteriormente a favor de E………….; O que resulta daqueles documentos é que o negócio decorreu no F…………. em Amarante, mas sempre sem qualquer interferência do arguido; Nunca a transmissão ou o registo a favor de C………… foi impugnada, pelo que só poderia ser considerada como válida e regular; Trata-se de prova documental, assente em documentos autenticados (certidão) que em momento algum foram alvo de impugnação ou declaração de invalidade, pelo que só poderia ser admissível a prova testemunhal (depoimentos dos senhores agentes da GNR) caso aqueles mesmos documentos tivessem sido objecto da demonstração da sua ilegalidade, o que nunca sucedeu; No que diz respeito à acusação feita ao arguido, os depoimentos dos senhores agentes da GNR não merece credibilidade para fundamentar qualquer decisão de condenação; São depoimentos contraditórios entre si e deles decorre que a "apreensão" é inválida, sendo igualmente ineficaz a constituição do arguido como fiel depositário de uma coisa e documentos que não tinha; De todos os demais depoimentos prestados em sede de julgamento, não resulta a demonstração de qualquer facto susceptível de fundamentar a prova da acusação e a condenação que foi proferida; O veículo não foi apreendido, nem mesmo os documentos os respectivos documentos, o que no entanto deveria ter sido feito; Se o tivessem feito, teriam verificado que, como o arguido sempre defendeu, o veículo há muito que não lhe pertencia desde data anterior a 20 de Julho de 1998; Para que exista descaminho, é necessário que exista domínio público sobre o bem em causa; Ora, nunca foi efectuada legalmente a apreensão do veículo ou dos seus documentos, como impunha o artigo 848º, nº 5, do Código de Processo Civil, na redacção à data; O arguido nunca foi notificado para apresentar o bem "apreendido", inexistindo assim o momento em que se verifique, sem dúvidas, que o arguido não pode entregar o bem - que é um dos pressupostos essenciais do crime de descaminho; Por tudo o que se disse, devem ser dados como não provados os pontos 1 a 7, inclusive, da matéria de facto; O que tudo impunha e impõe a absolvição do arguido, quanto mais não fosse em obediência ao princípio ao in dubio pro reo, ou até à comprovada falta de consciência da ilicitude; Sem prescindir e meramente à cautela, sempre será de considerar que a pena aplicada é exagerada, devendo ser reduzida para 2 ou 3 meses de prisão, suspensa por período nunca superior a 10 meses, atendendo a que o arguido é primário e de formação cultural muito pobre; Foram violadas, na decisão recorrida, as disposições contidas nos artigos 848º, nº 5, do Código de Processo Civil, os artigos 124º, 127º, 164º, 169º, 368º e 369º do Código de Processo Penal e os artigos 71º e 355º do Código Penal.

Pretende, assim, que, no provimento do presente recurso, sejam dados como não provados os factos constantes dos pontos 1) a 7), inclusive, da matéria de facto e, em consequência disso, seja o arguido absolvido, ou, caso assim não se entenda, seja a pena reduzida nos moldes da conclusão 16ª.

  1. O Ex.mo magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se no sentido de que os documentos constantes dos autos e demais circunstâncias relativas aos negócios de compra e venda do veículo penhorado são irrelevantes para o crime imputado ao arguido; essencial é que o veículo tenha sido apreendido, como resulta do auto de apreensão; não existe qualquer contradição nos depoimentos dos dois agentes da GNR que depuseram em audiência de julgamento; e que o Sr. Juiz fundamentou exaustivamente a sua decisão sobre a escolha e medida da pena que aplicou. Concluindo pelo não provimento do recurso.

  2. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 431, em que, aderindo àquela resposta do Ministério Público, também concluiu pelo não provimento do recurso.

    O recorrente foi notificado daquele parecer, nos termos e para os fins do disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, o qual não respondeu.

    Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência.

    II - FUNDAMENTOS DE FACTO 4. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: No âmbito dos autos de execução de sentença nº …..-A/97 que correram os seus legais termos pelo …º Juízo de Competência Especializada Cível deste Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, onde figurava como executado o aqui arguido, foi este, na sequência de apreensão realizada pela autoridade policial, nomeado fiel depositário do veículo automóvel com a matrícula QO-..-.., conforme consta do auto certificado a fls. 3, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os legais efeitos, para pagamento e segurança da quantia exequenda no processo aludido.

    No decurso desse acto de apreensão, realizado no Posto da Guarda Nacional Republicana de Lordelo, nesta Comarca, no dia 20/07/1998, foi o arguido expressa e pessoalmente advertido dos deveres inerentes ao cargo em que foi investido, e, designadamente, que o bem penhorado ficava à sua guarda e que deveria apresentá-lo quando tal lhe fosse exigido pela entidade competente, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.

    Não obstante ter ficado ciente desses deveres, o arguido, após a apreensão, e em data não concretamente apurada, permitiu que o seu irmão C………. entrasse na posse efectiva e, posteriormente, alienasse definitivamente o veículo automóvel em questão, desinteressando-se por completo do seu respectivo destino, assim o descaminhando e subtraindo à disponibilidade do tribunal e do poder público a que o mesmo se encontrava submetido.

    Por via dessa conduta, a venda do veículo penhorado não chegou a efectuar-se nos autos de execução acima referidos, prejudicando, deste modo, a finalidade essencial do acto de penhora e a satisfação do crédito exequendo.

    O arguido agiu deliberadamente, com intenção de subtrair o bem de que havia sido tornado fiel depositário da disponibilidade de um processo de execução classificado por lei, prejudicando deste modo, de forma total, a finalidade da penhora, pela frustração da venda, bem como, a satisfação do crédito do autor exequendo.

    Sabia que havia sido investido no cargo de fiel depositário do bem penhorado, pela autoridade policial competente, que o colocou sob a sua guarda e custódia, violando deste modo os mais elementares deveres inerentes ao seu cargo.

    Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    O arguido está actualmente divorciado, alegando não exercer qualquer actividade profissional remunerada.

    Afirma que reside com a sua mãe e irmãos, que o ajudam.

    Tem, como habilitações literárias, o 4º ano de escolaridade.

  3. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos considerados provados nos seguintes termos: «Na determinação dos factos que considerou provados e não provados, atendeu o tribunal, fundamentalmente: ao teor dos inúmeros documentos juntos aos autos, e designadamente às inúmeras certidões que a estes foram juntas; às declarações prestadas, em audiência, pelo arguido, que repetiu até à exaustão a sua tese de que a apreensão do veículo automóvel aqui em questão decorreu em condições anómalas que impediram que chegasse a tomar conhecimento da qualidade (de fiel depositário) em que foi investido e dos deveres inerentes a tal estatuto, mas que foi incapaz de explicar as inúmeras contradições existentes nessa versão (e que a seguir se analisam com maior detalhe); ao depoimento das testemunhas G……….. e H…………, agentes da G.N.R. que subscrevem o auto de apreensão do veículo aqui em questão, e que esclareceram, em termos que se afiguraram totalmente credíveis (até porque sem quaisquer rodeios ou contradições), o modo como a apreensão a que o mesmo se refere foi efectuada; ao depoimento das testemunhas I……….. e J…………, ex-esposa e filha do arguido, cuja memória vívida para detalhes da vida particular e comercial deste impressionou o Tribunal, embora também não deixasse de o fazer igualmente a falta de conhecimento que demonstraram relativamente a outros detalhes também importantes mas que poderiam, potencialmente, colocar em causa a versão dos factos que o mesmo arguido trouxe a Juízo.

    Tudo ponderado, o Tribunal ficou com a convicção que a versão apresentada pelo arguido é globalmente falsa e não corresponde a mais do que uma fraca desculpa para um comportamento claramente violador dos deveres que sobre ele recaíam na qualidade de fiel depositário do veículo aqui em questão.

    Com efeito, a questão que se coloca essencialmente nos autos é a de saber se o arguido, como dispõe o artigo 355.º do Código Penal, subtraiu, por qualquer forma, ao poder público a que estava sujeito, o veículo que foi apreendido no âmbito do processo executivo já atrás mencionado, pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT