Acórdão nº 0511368 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I DECISÃO1. Por sentença de 7/12/2004, proferida nos autos de processo comum singular nº …/02..TAPVZ do 4º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Póvoa de Varzim, a fls. 225-232, o arguido B………. foi condenado, como autor material de um crime de descamimho ou de subtracção de objectos colocados sobre o poder público, da previsão do art. 355º do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo a quantia de € 600,00.

Desta sentença recorreu o arguido para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: 1ª. A sentença recorrida violou o art. 355º e o art. 14º, nº 3, do Código Penal.

  1. No entendimento dos recorrentes, o tribunal recorrido interpretou o art. 355º do Código Penal no sentido de que preenche o conceito de "subtracção ao poder público" qualquer acção ou omissão, intencional ou não, do depositário que não seja a entrega do bem, quando o mesmo lhe for solicitado.

  2. Contudo, não integra o crime de descaminho previsto e punido no art. 355º do Código Penal a não entrega dos bens penhorados ao encarregado da venda. Tal crime exige uma acção directa sobre a coisa, isto é, uma actuação que a destrua, inutilize ou impeça a sua entrega em definitivo.

  3. E igualmente não integra o crime de descaminho, na forma de dolo eventual, prevista no nº 3 do art. 14º do Código Penal, deixar os bens penhorados na casa vendida. Para preencher tal previsão legal exige-se uma acção directa sobre os bens, ainda que não intencional, que conduzisse à destruição, inutilização ou impedimento de sua entrega em definitivo.

  4. Os factos provados na sentença recorrida não permitem concluir que o arguido cometeu um crime de descaminho pelo qual vinha acusado.

  5. Nem podem fundamentar a aplicação ao arguido da pena de prisão na qual foi condenado.

  6. Ressaltando do teor da decisão condenatória a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão 8ª. Devia o tribunal a quo ter-se pronunciado (o que não fez) sobre o alegado pelo arguido na contestação que apresentou, quanto à situação dos bens penhorados, pois que reveste interesse decisivo quer para o sentido da decisão, quer para a medida concreta da pena.

  7. Pelo que a sentença proferida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.

  8. Devia o tribunal a quo ter efectuado a comunicação prévia ao arguido da alteração da condenação por factos diversos dos descritos na acusação, e concedido o tempo necessário para a preparação da defesa, nos termos previstos no art. 358º do Código de Processo Penal.

  9. Pelo que a sentença é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal e art. 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

Pretende, assim, que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida e o arguido absolvido do crime de que estava acusado, ou, caso assim se não entenda, seja declarada nula a sentença recorrida, com todas as consequências legais.

  1. A ex.ma magistrada do Ministério Público em exercício de funções junto do tribunal recorrida respondeu à motivação do recurso, em que concluiu no sentido de que não merece provimento.

  2. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 280, em que, aderindo àquela resposta do Ministério Público, também concluindo pelo não provimento do recurso.

    Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal quanto ao referido parecer, não tendo o recorrente respondido.

    Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência.

    II FUNDAMENTOS DE FACTO4. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: 1) No dia 02-10-2000, na Rua ………., nº …, na Póvoa de Varzim, por decisão proferida nos autos de execução por custas nº ..-A/99, que correu termos no 4º Juízo desta comarca, foi efectuada a penhora de uma mesa de sala de jantar, de forma oval, em madeira estrangeira, com oito cadeiras estofadas em couro, a que foi atribuído o valor global de 75.000$00 (€ 374,10).

    2) No acto da penhora, foi o arguido constituído fiel depositário de tais bens, tendo sido, além do mais, advertido pelo oficial de justiça que procedeu à mesma de que os referidos bens ficavam à sua guarda e que o mesmo estava obrigado a apresentá-los quando tal lhe fosse exigido.

    3) Nessa mesma ocasião, o arguido subscreveu o referido auto de penhora.

    4) Ordenada a venda dos aludidos bens por negociação particular, o encarregado da venda informou que não podia proceder à mesma e consequente entrega dos bens ao comprador dado o fiel depositário já não residir na morada supra referida.

    5) Aquando da venda da casa, o arguido fez transportar alguns bens para uma casa sita em Espinho.

    6) O arguido deixou os bens penhorados na casa vendida à disposição de quem quisesse levá-los ou dispor dos mesmos, nomeadamente a ex-mulher.

    7) Os bens penhorados nunca mais foram encontrados.

    8) O arguido sabia que os supra referidos objectos se encontravam penhorados e que, ao não guardá-los na sua posse e permitindo que outrem os fossem buscar e deles dispusessem, sabia que os mesmos poderiam desaparecer e, assim, serem subtraídos ao poder da autoridade judicial à ordem de quem estavam penhorados, conformando-se com tal resultado.

    9) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    10) Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.

    11) Tem antecedentes criminais.

    12) O arguido é pessoa considerada pelos amigos e antigos clientes.

  3. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos considerados provados nos seguintes termos: «O arguido admitiu que foi constituído fiel depositário dos bens descritos na factualidade apurada e que sabia que os mesmos estavam à sua guarda. Mais disse que vendeu a casa onde se encontravam tais bens ao Sr. C………. e que este mudou as fechaduras da mesma. Quando vendeu a casa avisou o Sr. C………. que havia uma mobília de sala que estava penhorada pelo tribunal e que passados uns dias foi buscar alguns bens. Mais referiu que, como vivia com uma companheira, na casa desta, não podia levar tudo e que não tirou os bens arrestados da casa onde foram penhorados. Posteriormente, o comprador da casa disse-lhe que a sua ex-mulher havia levado todos os restantes bens, cerca de 3 semanas depois. Mais disse estar convencido de que não podia retirar os bens da casa onde foram penhorados.

    Tais declarações, conjugadas com a restante prova testemunhal, mormente o depoimento da testemunha de defesa D………. e testemunha arrolada na acusação C………., não lograram convencer o tribunal.

    Com efeito, a testemunha D………. disse ter efectuado um transporte de mobílias a cargo do ora arguido, em 6-03-2001, tendo retirado da casa que este havia vendido 2 sofás, duas máquinas -- uma de lavar roupa e outra de lavar louça -- uma aparelhagem, uma arca em madeira, uma mesa de TV e uma mesinha de sala, e levou-as para uma casa perto de Valadares. Referiu ainda que não retiraram mobília da sala e que, aquando do transporte, o arguido e o Sr. C………. perguntaram-lhe se podia fazer o transporte de outras mobílias para Lisboa. Disse ainda que, nessa altura, o ora arguido referiu que a mobília da sala era para a sua ex-mulher. Por fim disse nunca ter ouvido o ora arguido falar em penhora. Tal testemunha demonstrou ter conhecimento directo de tais factos e prestou um depoimento claro, lógico, isento e credível.

    Por sua vez, a testemunha C………., representante da empresa que comprou a casa do ora arguido, sita na Rua ………., disse que o arguido, numa primeira vez, foi lá buscar a sua roupa e artigos pessoais; cerca de 10 dias depois pediu-lhe para lhe entregar a mobília. Quando foi à sua antiga casa, o arguido escolheu tudo o que queria levar e tudo o que não quis ficou para a sua ex-mulher, incluindo a mesa da sala de jantar. Pensa que o arguido deixou também as cadeiras, mas não se recorda. Posteriormente, referiu que o ora arguido nunca o alertou ou referiu o...

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