Acórdão nº 575/05.8TBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelVIRG
Data da Resolução15 de Maio de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM O SEGUINTE: I- Relatório: A...

e mulher B...

, intentaram esta acção de despejo aos 5-4-2005 contra C...

e mulher, D...

, relativamente a uma fracção do seu prédio urbano, sob o artigo matricial 2864 da freguesia de Ílhavo, arrendada para exercício do comércio.

Pediram a entrega da fracção e o pagamento no montante das rendas até à restituição, decretado o despejo.

Invocaram como fundamentos: o encerramento do locado por mais de um ano (desde Agosto de 2003 até reabrir ao público em fins de Nov. /04 com ramo de comércio diferente do de sapataria), a cessão ilícita e ineficaz da posição contratual (em 7-5-204 o R. enviou comunicação ao A. para efeito de exercício de preferência em trespasse que iria efectuar mas feito o trespasse aos 14-7-04 este apenas foi comunicado em 9-11-04 com o envio de cópia), a realização de obras sem consentimento escrito e com alteração substancial do locado, o consentimento para que outrem usasse o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele a que se destinava, tudo referido às correspondentes alíneas h), f), d) e b) do nº 1 do art. 64º do RAU que citaram.

Os réus contestaram.

Na audiência preliminar foram especificados os factos assentes A) a Q) e foi redigida a base instrutória com 11 quesitos.

Realizada a audiência de julgamento que culminou nas respostas aos quesitos, foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente.

Inconformados, recorrem os AA., apresentando a sua alegação as seguintes conclusões: 1ª. A resposta constante da alínea M) da especificação e do ponto 12 de Factos Provados peca por deficiência, porque não contém todos os factos apurados que resultaram da instrução e decisão da causa e que são de indiscutível relevância para a aplicação da justiça, tendo sido violado o disposto nos art.264 e 659 nºs 2 e 3 do CPC, devendo ser corrigida da seguinte forma: «12- O estabelecimento comercial dos réus esteve fechado durante os meses de Maio, Junho e Julho de 2003 e encerrou na primeira semana do mês de Novembro de 2003».

  1. A resposta constante da alínea N) da especificação e do ponto 13 de Factos Provados peca por deficiência porque não contém todos os factos apurados que resultaram da instrução e decisão da causa e que são de indiscutível relevância para a aplicação da justiça, violando assim o tribunal o disposto nos art.s 264 e 659 nos 2 e 3 do C.P. Civil, devendo ser corrigida da seguinte forma: «13- A sociedade E... abriu ao público o estabelecimento em 27 de Novembro de 2004, e comercializa bijutaria, brinquedos e quinquilharias».

  2. Entendemos ainda que a resposta ao quesito 3º não pode ser, simplesmente, não provado, já que se apurou, pelo menos, sem margem para dúvidas, que tendo sido enviada, em 9/11/04, pela alegada trespassária ao senhorio a comunicação reproduzida na alínea L) da matéria de facto assente, já em Outubro de 2004 tinha havido contactos telefónicos (da alegada trespassária) com o autor marido, facto, com indiscutível relevância para a solução de direito, que, aliás, resulta da própria fundamentação da resposta ao quesito.

    A resposta ao quesito 3º não contém todos os factos apurados que resultaram da instrução e decisão da causa, constantes da própria fundamentação da resposta ao quesito, e que são de indiscutível relevância para a aplicação da justiça, violando assim o tribunal o disposto nos art. 659 nºs 2 e 3 do C.P. Civil, devendo ser corrigida da seguinte forma: «Provou-se apenas que, tendo sido enviada em 9/11/04 (pela alegada trespassária) ao senhorio a comunicação reproduzida na alínea L) da matéria de facto assente, já em Outubro de 2004 tinha havido contactos telefónicos (da alegada trespassária) com o autor marido».

    Devendo, portanto, tal matéria ser incluída em factos provados.

  3. Perante os factos provados, mal andou o Tribunal, salvo o devido respeito, ao daí extrair a conclusão que o encerramento do estabelecimento se deve a um caso de força maior para os efeitos da parte final da alínea h) do nº 1 do art. 64 do RAU, impeditiva do exercício do direito do senhorio ao despejo do arrendado, violando assim, por erro de interpretação, o disposto no referido art. 64 do RAU e no art. 342 nº 2 do C.Civil.

    Termos em que deve a decisão ser revogada e substituída por outra que declare o despejo por ter o inquilino C... conservado encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio – art. 64, alínea h) do RAU.

  4. A matéria de facto não alegada não pode ser valorada na sentença, pelo que mal andou o tribunal ao socorrer-se de supostos “factos” (ter sido a trespassária quem depositou as rendas no Banco BPA entre Julho e Novembro de 2004) que, para além de não constarem dos factos dados como provados, não foram sequer articulados pelas partes, violando assim o disposto nos art. 660 nº 2 e 664 do C.P. Civil.

    A decisão recorrida conheceu de questões que lhe estava vedado conhecer e serviu-se de “factos” que não constam sequer da matéria dada como provada, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos dos art. 664 e 668 nº 1 d) do C.P. Civil.

    Em qualquer caso, mesmo que assim se não considere, perante os factos provados, mal andou o Tribunal, salvo o devido respeito, ao daí extrair a conclusão que o senhorio reconheceu a trespassária como beneficiária do arrendamento, violando assim, por erro de interpretação, o disposto nos art. 1038, 1049 e 1061 do C Civil, 64 nº 1 alínea f) do RAU e 342 nº 2 do C. Civil.

  5. Dos factos apurados conclui-se que, aquando do negócio celebrado pelos Réus comE....., inexistia uma “realidade” susceptível de ser qualificável de “estabelecimento” e, por isso, não celebraram um contrato de trespasse válido.

    Sendo nulo o contrato de trespasse, o que fica relativamente ao senhorio é uma cedência do arrendado a terceiro sem a sua autorização, que constitui violação das obrigações do arrendatário previstas no artº 1038º, al. f) do CC e dá ao senhorio o direito à resolução do contrato de arrendamento por força do disposto na al. f) do nº 1 do artº 64º.

    Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal ao assim não decidir, violando a sentença recorrida o disposto na al. a) do n°2 do art.°115° do RAU, no art. 64 nº 1 alínea f) do mesmo diploma e nos art. 342 nº 2, 1038 alínea f), 1049 e 1061 do C. Civil.

    Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, declarando-se nulo o contrato que os Réus apelidaram de trespasse e decretando-se o despejo.

  6. Acresce ainda uma razão para se entender que não estamos perante um trespasse – o que os Réus declararam vender, em 14/7/04, e E...... comprar foi um estabelecimento comercial de sapataria. Ora, após o alegado trespasse, nunca reabriu ao público como estabelecimento de sapataria, mas sim, só em 27/11/04, como estabelecimento comercial de bijutaria, brinquedos e quinquilharias. Isto é, estamos perante um outro estabelecimento, com outra estrutura produtiva, com outros utensílios e mercadorias, que, de comum com o que alegadamente foi transmitido apenas tem a instalação no locado, pelo que, também por aqui não há trespasse, por violação do disposto no nº 2 do art. 115 do RAU.

    Os factos demonstram que a alegada trespassária não prosseguiu a exploração do negócio de comércio de sapataria, antes manteve encerrado o estabelecimento entre 14/7/04, data da escritura de trespasse, e 27/11/04, vindo a abrir ao público um outro estabelecimento, este destinado a comércio de bijutaria, brinquedos e quinquilharias, do que se conclui que não foi um estabelecimento de sapataria que a alegada trespassária quis adquirir mas apenas o direito ao arrendamento, para no locado instalar um outro estabelecimento erigido de raiz, sem aproveitar nada, excepto o direito à utilização do locado, da organização económica do anterior.

    Termos em que, também por esta razão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, declarando-se nulo o contrato que os Réus apelidaram de trespasse e decretando-se o despejo.

  7. Na hipótese académica de assim se não entender, isto é na hipótese de se considerar que se pode qualificar como trespasse o negócio celebrado entre os Réus e a sociedadeE......, sempre o mesmo teria que ser considerado ineficaz em relação aos apelantes por não lhes ter sido oportunamente comunicado – vide art. 1038 alínea g) do CCivil.

    Cabendo ao inquilino o ónus da alegação e prova dessa comunicação, os Réus não lograram demonstrar ter comunicado ao senhorio, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa.

    Termos em que deve a sentença, por violação do disposto nos art. 1038, alínea g), 1049 e 1061 do C Civil, no art. 64 nº 1 alínea f) do RAU e no art. 342 nº 2 do C. Civil, ser revogada e substituída por outra que declare o despejo por terem os Réus procedido ao trespasse do estabelecimento que detinham no locado, sem terem levado a efeito a comunicação aos autores, como estavam legalmente obrigados, fazendo com que tal trespasse se tornasse ineficaz em relação aos mesmos autores, aqui apelantes - art. 64 nº 1, alínea f) do RAU; 9ª. Não se encontra, quer na matéria provada, quer nos articulados, qualquer fundamento para se entender que o imóvel alguma vez tenha estado com uma configuração exterior e interior como a que, com as obras realizadas, agora ficou, o que, de qualquer forma, não corresponde à verdade dos factos.

    Mais uma vez o tribunal socorre-se de matéria não alegada pelas partes, e que não consta dos factos dados como provados, para fundamentar a sua decisão de direito, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos dos art. 664 e 668 nº 1 d) do C.P. Civil.

    O que se provou foi que as obras realizadas no locado envolveram o fecho do recuado/alpendre exterior, o que provocou a ampliação da área da loja.

    É com base nos factos provados que se deve decidir de direito, e tal facto não pode deixar de configurar uma alteração substancial da estrutura externa e da disposição interna do arrendado.

    Tais obras são susceptíveis de integrar a alínea d) do nº 1 do art. 64 do RAU...

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