Acórdão nº 437/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | DR. BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório A....
(anteriormente designada B...
) instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra C...
, pedindo: - a condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a totalidade do prédio urbano descrito sob o n.° 2.197 por o ter adquirido à anterior legítima proprietária e por o ter adquirido por usucapião.
- a impugnação da escritura de justificação outorgada em 30.07.91 pela Ré, com base em falsidade intelectual da declarações nela constantes.
- a nulidade de tal escritura de justificação notarial, considerando que a escritura é simulada ou que as declarações nela constantes foram feitas pela Ré com reserva mental; - a declaração de nulidade dos registos (sobre o prédio descrito sob o n° 1967 ) lavrados a partir de tal escritura de justificação; - a inutilização de tal descrição n.º 1967 e das posteriores 3300 a 3313; Alegou, para tal, que o prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.° 2917 - com a área coberta de 12.610 m2 e área descoberta de 53.530 m2 - se encontra registado a seu favor desde 29.12.1995, por o ter adquirido, por escritura pública celebrada em 27.12.1995, à anterior proprietária, registada como tal, D...
; bem como os factos conducentes à aquisição, por usucapião, de tal prédio.
Mais refere que a Ré iniciou junto da CM de Leiria um processo de loteamento do prédio descrito na 2.º CRP de Leiria sob o n.° 1.967 (com a área de 20.220 m2), na sequência do qual foi emitido o alvará de loteamento n° 801/96 (com a consequente desanexação de 14 lotes que deram origem às descrições n.° 3.300 a 3.313); e que a Ré havia apresentado como título de aquisição de tal prédio, objecto de loteamento, uma escritura pública de justificação, de 30/07/1991, em que declarou não ter título formal do prédio - porção de terreno com 20.220 m2 - justificado; após o que solicitou, com base em tal escritura, a inscrição de propriedade a seu favor, levando à abertura da referida descrição n.º 1.967.
Ora, segundo a Autora, o prédio justificado - porção de terreno com 20.220 m2 - a que veio a corresponder a descrição n.º 1.967, faz parte e é uma parcela do prédio descrito sob o n.° 2917, de que a Autora é proprietária.
Efectivamente, ainda segundo a Autora, foram falsas as declarações da Ré constantes da escritura de justificação por não corresponderem à realidade, tendo sido prestadas com o intuito de enganar os destinatários, sendo, por isso, a escritura simulada e as declarações dela constantes feitas com reserva mental.
A Ré contestou, articulado em que, em síntese, impugna a falsidade e simulação que lhe foram atribuídos na outorga da escritura de justificação, de 30/07/1991; em que impugna os factos alegados pela Autora tendentes à usucapião sobre a porção de terreno, com 20.220 m2, a que corresponde o prédio descrito sob o n.º 1.967; e em que alega idênticos factos, mas conducentes à aquisição a seu favor, por usucapião, da porção de terreno, com 20.220 m2, justificada, descrita e registada.
Em concordância com o alegado, deduz os seguintes pedidos reconvencionais: - de reconhecimento da R. como única dona e possuidora do prédio descrito sob o n.° 2.917 na 2.ª CRP de Leiria (também por verificação da condição resolutiva constante do contrato de compra e venda entre a R. e a Ingridhutte); - de condenação da A. a entregá-lo à R., livre de pessoas e bens e no estado de conservação em que se encontra, devendo ser cancelado o registo da inscrição a favor da A.; - de reconhecimento da R. como única dona e possuidora do prédio descrito sob o n.° 1967 na 2 Conservatória do Registo Predial de Leiria, e condenação da A. a abster-se da prática de qualquer acto perturbador da posse ou do direito de propriedade da Ré, ordenando-se a correcção da descrição n.° 2.917, no sentido da área descoberta passar a ser de 33.310 m2; - de reconhecimento da R. como única dona e possuidora do prédio descrito sob o n.° 1967 na 2 Conservatória do Registo Predial de Leiria, direito de propriedade adquirido por acessão, recebendo da Ré a quantia de 60.660.000$00, correspondente ao valor do prédio antes de transformado pela R., e ordenando-se a rectificação do registo nos termos requeridos supra; - de condenação da A. no pagamento à R. de uma indemnização pelas benfeitorias realizadas na parcela ou prédio reclamado no montante de 123.090.000$00 ou na quantia que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, e no mínimo de 20.000.000$00, acrescido de juros de mora.
A Autora replicou, apresentando a sua defesa às excepções e aos pedidos reconvencionais constantes da contestação.
Na réplica e ao abrigo do preceituado no art. 273° do Código de Processo Civil, a A. ampliou ainda a causa de pedir e o pedido, no sentido de a R. ser condenada ao pagamento à A. de uma indemnização pelos prejuízos causados com a sua actuação, na quantia de 100.000.000$00 por cada ano que decorra desde a data da notificação da R. deste articulado até ao trânsito em julgado da sentença.
Foi proferida sentença, que considerou verificada a excepção do caso julgado - em relação e tendo em vista o decidido na acção 116/87 - e que absolveu a Ré da instância.
Inconformada com tal sentença, interpôs a A. recurso de agravo, visando a sua revogação Termina a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem: A. O tribunal a quo absolveu a Ré da instância por entender que "atenta aposição ocupada pela Autora e o objecto dos presentes autos", se verifica caso julgado entre a presente acção e a acção 116/87 do 1° Juízo, 2ª secção, do Tribunal Judicial de Lema, intentada em 14 de Julho de 1987 pela C... contra a Ingridhutte.
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Fê-lo com base em matéria de facto assente manifestamente insuficiente, por não considerar factos essenciais para decidir sobre o preenchimento ou não dos requisitos da excepção do caso julgado (art. 498° do CPC), que foram devidamente alegados e provados por documentos juntos aos autos, tais como: a data da propositura da acção 116/87, os factos alegados pela ora Recorrida, A. na acção 116/87 na sua petição inicial, a oposição da AGV, por ter adquirido o prédio em causa nessa acção, a decisão que declara esta parte ilegítima, os fundamentos da sentença proferida no âmbito da acção 116/87, o registo provisório da acção e a sua caducidade, a coincidência entre o prédio descrito em O) e o prédio descrito em A) que é o mesmo que a parcela reclamada na acção 116/87.
156. Pelo que, antes de mais, dada a insuficiência da matéria assente, tendo sido tais factos alegados pela A e constando dos autos os meios de prova, documentos, suficientes para, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 712°, n.° 1, alínea a), aplicável ex vi art. 749° e no art. 690º-A, todos do CPC, devem ser aditados à matéria fáctica e considerados como assentes os seguintes factos: (…) C. Caso assim não se entenda, concluindo-se pela desnecessidade do aditamento dos supra referidos factos, deve o tribunal tomar em consideração, aquando da decisão, todos os documentos acima identificados, nos termos do art. 569°, n.° 3 do CPC.
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Para além disso, o tribunal a quo, na douta sentença recorrida, ao concluir pela imposição como autoridade de caso julgado da sentença proferida na acção 166/87 aos presentes autos, interpretou e aplicou de forma erróneas as normas contidas nos art. 497°, 498° e 673°, todos do CPC, que regulam os requisitos e alcance da excepção de caso julgado E. Institui o artigo 498° do CPC que se repete uma causa, verificando-se o caso julgado, quando se "propãe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir", visando-se através desta figura garantir a segurança e certeza jurídicas e o prestígio dos tribunais.
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No caso dos presentes autos, não se verifica nem a identidade física dos sujeitos, nem tão pouco a identidade do ponto de vista da sua qualidade jurídica, não sendo a Recorrente, por conseguinte e contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, sucessora da Ingridhutte, por não haver identidade da relação litigada.
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Na acção 116/87, proposta em 14.07.1987, a ali Autora, aqui R., C..., pediu que a Ré, Ingridhutte, fosse condenada a reconhecer o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno de 20.220 m2, alegando o facto de esta não ter cumprido o contrato celebrado entre ambas, ou seja, em causa nesta acção estava "o cumprimento do contrato", conforme é expressamente reconhecido pela sentença.
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Uma outra sociedade, a AGV, que adquiriu o direito de propriedade sobre a parcela em causa, no âmbito de uma execução, cuja executada era a Ingridhutte (alínea G), R. nos autos da acção 116/87, requereu a sua intervenção nesta, tendo sido julgada parte ilegítima, por ser "totalmente alheia" à questão dos autos, ‘ o cumprimento do contrato".
I. Foi por estar em causa ‘cumprimento do contrato" que a Ingridhutte, pese embora não fosse a proprietária da parcela à data da instauração da acção 116/87, não foi considerada parte ilegítima, enquanto a AGV, opoente, que tinha adquirido e registado a seu favor a parcela antes da acção (alínea G e H), foi julgada como parte ilegítima.
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Pois, a única hipótese em que a lei admite que o transmitente mantenha a legitimidade, apesar de já não ser titular do direito, é a prevista no artigo 271°, n.° 1 do CPC, caso em que a sentença proferida produz efeitos em relação ao adquirente.
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E mesmo assim, procurando salvaguardar a boa-fé do adquirente, a sentença não produzirá efeitos em relação a este se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção, por assim, desconhecer o carácter litigioso do direito que adquiriu.
L. É este o caso dos presentes autos: o registo provisório da acção 116/87 (em 21.06.1989, provisoriamente por natureza e por dúvidas) é posterior ao registo da aquisição da AGV e caducou antes do registo da aquisição da ARTIVIDRO, que vendeu à A. (alínea M), nunca tendo sido registada a respectiva...
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