Acórdão nº 07B374 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução10 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA-Comércio de Viaturas SA intentou, no dia 16 de Junho de 2004, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 32 650 e juros de mora, com fundamento em enriquecimento sem causa, por virtude de lhe ter devolvido o preço do veículo automóvel com matrícula nº 00-00-NN, objecto de um contrato de compra e venda, e pago juros e indemnização, na sequência da resolução daquele contrato sob acção intentada pelo réu e este lhe haver devolvido o veículo utilizado durante 1306 dias e com 104, 694 quilómetros.

O réu, na contestação, invocou o caso julgado e a inexistência dos pressupostos de facto da indemnização por enriquecimento sem causa, justificando esta posição na utilização do veículo baseada em contrato de compra e venda válido até ao trânsito em julgado da sentença que o resolveu, e de o mesmo ter ficado em seu poder por virtude de a autora não ter aceite a solução de entrega imediata, e de não ter havido prejuízo para ela porque manteve na sua posse, durante quatro anos, 8 189104$, e pediu a condenação dela a indemnizá-lo, por litigância de má fé, em montante não inferior a € 2 500.

A autora, na réplica, afirmou não se verificar a excepção do caso julgado por virtude de as acções não serem idênticas quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir e, quanto à litigância de má fé, respondeu que, não tendo o veículo a qualidade tida por essencial relativa à rebatibilidade dos bancos traseiros, serviu no entanto para transportar quadros e o condutor no espaço de 104 694 quilómetros.

No dia 24 de Junho de 2005, na fase da condensação, foi proferida sentença, por via da qual foi decidido, por um lado, improceder a excepção do caso julgado por na sentença anterior só terem ficado decididos com força de caso julgado os direitos que assistiam ao ora réu por virtude do incumprimento do contrato de compra e venda, e nesta acção se pretende ver decididos os direitos da ora autora por virtude de o veículo lhe haver sido devolvido severamente desvalorizado.

E, por outro, no sentido da condenação do réu no pagamento de € 32 650 e dos juros desde a data da citação, com fundamento no enriquecimento sem causa, e de que se não verificava a má fé.

Apelou o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 19 de Setembro de 2006, qualificando a situação como de responsabilidade civil por utilização ilícita do veículo automóvel, revogou o segmento condenatório da sentença e relegou para liquidação em execução de sentença o apuramento da indemnização devida pelo réu à autora.

O apelante e a apelada interpuseram recurso de revista do acórdão da Relação, formulando o primeiro, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - não há facto ilícito que funde a indemnização, pelo que foi violado o artigo 483.º do Código Civil; - para a hipótese de se entender haver enriquecimento sem causa, não aplicou o acórdão bem o direito quanto ao apuramento posterior da indemnização, por não estarem provados os danos sofridos pela recorrente; - o recorrente deteve a viatura durante quatro anos do mesmo modo que a recorrente deteve e usou os milhares de contos que lhe pagou; - há caso julgado derivado de contradição prática entre a primeira sentença que fixou a sua indemnização e a segunda que anula ou reduz esta; - se o recorrente tivesse de pagar a desvalorização do veículo, a primeira sentença não lhe atribuía uma viatura em estado novo, mas uma viatura usada, na medida em que teria de pagar a antiguidade da mesma; - por força do princípio da preclusão, devia a recorrente utilizar na primeira acção todos os meios de defesa e era certo que a detenção por si da viatura a desvalorizava; - não é aplicável a figura do enriquecimento sem causa, porque pretendeu entregar a viatura logo que a recebeu e a recorrente recusou-a, sendo-lhe, por isso, imputável o empobrecimento; - a obrigação de indemnizar fundada no enriquecimento sem causa não abrange lucros cessantes mas apenas danos emergentes, desde que a outra parte enriqueça com os mesmos; - os danos indemnizáveis decorrem do custo de aquisição da viatura pela recorrente, do preço de revenda dessa viatura usada, do valor da desvalorização em função da antiguidade, independentemente dos quilómetros percorridos, e do valor do uso da prestação do preço paga pelo recorrente; - a desvalorização automática de 48,5 % ao fim do quarto ano da existência do automóvel, independentemente do número de quilómetros, segundo as tabelas de desvalorização, não tem de ser suportada pelo recorrente; - foi obrigado a manter a viatura em seu poder, com a inerente desvalorização, enquanto a recorrente não esgotou todos os sucessivos recursos; - a circulação da viatura e os quilómetros percorridos resultaram de ter a sua disponibilidade por facto da recorrida, e o seu enriquecimento, se existisse, seria medido não pelo seu uso, mas pelo uso de uma viatura normal utilizada em fins de semana; - o empobrecimento da recorrente não é medido pelo aluguer diário de uma viatura semelhante, porque o custo do aluguer compreende taxas de lucro, amortizações de investimento, desgaste de pneus, revisões, seguros, selos e impostos, e o objecto social da primeira não é o aluguer de viaturas mas a sua revenda; - não poderia ser restituída à recorrente a indemnização de € 25 diários pelo tempo em que dispôs da viatura, porque então, quanto maior fosse a sua mora, maior seria a indemnização, e esta, no enriquecimento sem causa, é fixada para ressarcir prejuízos e não para possibilitar lucros; - restituída à recorrida uma viatura que custara 6 000 000$, com o valor 5 000 000$, a indemnização seria no máximo de 1 000 000$, mas o prejuízo teria de ser apurado em execução de sentença, considerando o valor de aquisição da viatura pela primeira, o preço de revenda da viatura entregue e a rentabilidade gerada pela prestação paga pelo recorrente durante 4 anos; - a viatura desvaloriza-se quer estivesse dentro de uma garagem, em poder do recorrente ou da recorrida, e nenhum a podia alienar antes do trânsito em julgado da sentença, pelo que também teria de ser deduzida esta desvalorização automática, a suportar pela recorrida; - se o recorrente mantivesse a viatura dentro de uma garagem durante quatro anos sem circular, não teria beneficio algum das despesas de manutenção, revisão e impostos.

- não é o tempo de disponibilidade da viatura que medirá o enriquecimento, mas quando muito o uso que dela foi feito, os quilómetros percorridos; - o critério do uso por quilómetro percorrido não é o do aluguer, mas no mínimo, o valor de 17$ por quilómetro, fixado pelo Estado para compensar os proprietários das viaturas apreendidas em processo criminal, com dedução das despesas e benfeitorias realizadas; - os quilómetros percorridos renderiam 979 798$, deduzidas as despesas e o imposto, o que não significa que seja este o prejuízo, atentos os factores indicados e só seriam devidos juros a partir do momento em que a sentença fosse liquidada; - o recorrente deve ser absolvido do pedido, ou a indemnização deve ser apurada em execução de sentença, até ao limite de € 5 000, desde que a recorrida demonstre os prejuízos; - a sua avaliação terá de valorizar o custo de aquisição de idêntica viatura, o preço de venda da viatura usada, o valor da prestação do preço por ela retido, a desvalorização da viatura durante apenas quatro anos, pelo decurso do tempo, independentemente da sua desvalorização.

A apelada formulou, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o acórdão é nulo por condenar o recorrido no pagamento de indemnização por desvalorização do veículo automóvel e o pedido ter sido de condenação em determinada quantia diária por virtude de indevido locupletamento por utilização da viatura; - não é aplicável o artigo 483° do Código Civil, porque a sua aplicação pressupõe a culpa do agente, o que não ocorre no caso, porque a utilização do veículo automóvel estava legitimada pelo contrato de compra e venda translativo do direito de propriedade, antes sendo aplicáveis as regras do enriquecimento sem causa; - verificada após a entrega do veículo ter o recorrido percorrido com ele os quilómetros que percorreu, o pedido de resolução do contrato de compra e venda com fundamento em a viatura não ter as qualidades asseguradas e acordadas para o fim a que se destinava constitui abuso do direito.

- a única via para recompor situação de flagrante injustiça em causa é o recurso às regras do enriquecimento sem causa, suprimindo por essa via o ilegítimo locupletamento do recorrido; - o enriquecimento sem causa ocorre quando existindo inicialmente uma causa, ela deixou de existir e tem por objecto o que for recebido indevidamente por uma causa que cessou; - declarado resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel com a máxima retroactividade, a causa justificativa para a utilização do veículo entre a data da propositura da acção de resolução e a data da entrega do veículo à recorrente deixou retroactivamente de existir; - a falta de causa justificativa traduz-se na inexistência de uma relação ou facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento, os direitos reais reservam para o seu titular o aproveitamento económico dos bens correspondentes, expresso nas vantagens provenientes do seu uso e fruição.

- não existe causa, relação ou facto que legitime que o recorrido tenha retirado vantagens do veículo automóvel no período que mediou entre a data da propositura da acção em que pede a resolução do contrato e a data em que restituiu o veículo à recorrente; - deveria ter sido aplicado o normativo do artigo 479° do Código Civil e reconhecida a inexistência de causa que legitime o beneficio recebido pelo recorrido pela utilização do veículo automóvel; - ele deve ser obrigado a restituir tudo o que obteve à custa da recorrente, único meio de suprimir o seu enriquecimento, - houve intromissão em coisa alheia, em...

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