Acórdão nº 07B193 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 19 de Junho de 2002, contra BB, acção declarativa constitutivo-condenatória, pedindo a declaração de ser proprietária de determinado prédio sito em Espinho, se declarasse resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o seu avô, como senhorio, e o réu e o cônjuge, como inquilinos, no dia 1 de Julho de 1963, a parte da frente para a indústria de cabeleireiro e a parte de trás para a habitação, e a condenação do primeiro a entregar-lho devoluto.
Fundamentou a sua pretensão nas circunstâncias de o réu ter deixado de habitar o locado no dia 8 de Outubro de 2008 e de o salão de cabeleireiro estar a ser explorado pela nora dele, invocando o disposto no artigo 64º, nº 1, alíneas i) e f), do Regime do Arrendamento Urbano.
O réu, na contestação, afirmou não ter deixado de habitar no locado nos termos afirmados pela autora, não estar desabitado, não estar a parte onde funciona o salão de cabeleireiro ocupada pela nora por ser ele quem a explora, que essa parte é mais relevante do que a destinada à habitação e que, por isso, esta deve considerar-se absorvida por aquela, nos termos do artigo 1028º, nº 3, do Código Civil.
Na resposta, a autora afirmou tratar-se de arrendamento predominantemente para habitação e que, mesmo a sê-lo para a indústria, como quem exerce a actividade de cabeleireiro é a nora do réu e não haver consentido na transmissão, haveria fundamento para a resolução.
Resolvido o incidente de fixação do valor da causa, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença no dia 15 de Julho de 2005, por via da qual a autora foi declarada proprietária do prédio e resolvido o contrato de arrendamento na parte destinada à habitação, e condenado o réu a entregar o prédio à autora livre de pessoas e bens.
Apelaram a autora e o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 e Junho de 2006, negou provimento ao recurso interposto pela primeira e deu provimento ao recurso interposto pelo último, absolvendo-o do pedido.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - releva no contrato de arrendamento com pluralidade de fins a determinação da prevalência de um, quer decorra dele explicitamente ou se deva concluir das circunstâncias de facto que envolveram a sua celebração; - releva essencialmente a intenção dos contraentes na determinação da parte principal, atendendo à finalidade do contrato, tendo em conta que para o legislador é mais importante o habitacional e, a haver concorrência abstracta de regimes, é aplicável o relativo à habitação; - a finalidade industrial do contrato em causa subordina-se à finalidade habitacional da família, dada a maior área do prédio que lhe foi destinada, implicando maior renda, tal como foi a vontade da recorrente, não relevando em contrário a circunstância de o cônjuge do recorrido e o fim da indústria figurarem no contrato em primeiro lugar; - ao invés do decidido no acórdão, não releva a escritura pública nem a maior renda por cada metro quadrado da parte destinada à indústria, porque ela visava o lucro e porque o cônjuge do recorrido necessitava da legalização da sua actividade industrial e, por isso, que o arrendamento figurasse em seu nome e essa parte visava o lucro; - a subordinação da parte industrial à parte habitacional do locado é revelada pela existência da única casa de banho na parte destinada à habitação, por ser nesta que funcionam as actividades associadas à indústria e só existir uma porta de entrada; - o nº 1 do artigo 1028º do Código Civil só é aplicável quando se não verificar a subordinação de umas finalidades em relação a outras, ou quando estas não sejam solidárias, o que não é o caso, e a cláusula penal revela que o arrendatário mais depressa deixaria a parte do locado destinada à indústria do que a sua parte habitacional; - é ilícita a cedência do arrendado pelo recorrido, violando o artigo 1038º, alínea f), do Código Civil, porque CC não passou a usufruí-lo sem limites, salvo os resultantes do próprio contrato; - ocorre demissão ou renúncia, total ou parcial, ao uso e fruição do locado por parte do recorrido, implicando a resolução do contrato de arrendamento na parte destinada à habitação a da parte destinada à indústria, porque àquela subordinada; - tem direito a resolver o contrato, nos termos da alínea f) do artigo 64º do Regime do Arrendamento Urbano, porque faleceu a outra arrendatária, o recorrido não reside lá, o local destinado à indústria é ocupado por outrem, que lá a exerce, sem comunicação da mudança nem consentimento seu, pelo que a Relação violou os artigos 236º, 238º e 1028º do Código Civil. Falecido o recorrido, responderam os seus sucessores, DD, EE e FF, aqueles na qualidade de descendentes e esta como herdeira testamentária entretanto declarados habilitados para os termos da causa, em síntese de conclusão de alegação: - a parte habitacional do locado não está toda ela ligada funcionalmente à habitação porque também serve de apoio à parte industrial, o que significa a subordinação a esta daquela, do que decorre a sua predominância, conforme decorre da cláusula sexta do contrato; - o seu cônjuge, cabeleireira, figura no contrato em primeiro lugar em tempo em que não era uso as mulheres casadas outorgarem nos contratos de arrendamento habitacional e em que a indústria de cabeleireiro era exercida por mulheres e em que não era exigida a forma escrita para os arrendamentos habitacionais; - essas circunstâncias e o facto de o maior valor ser o parte locada para o fim industrial revelam que o fim principal querido pelas partes foi; - é um contrato de arrendamento com pluralidade de fins, em que o industrial prepondera em relação ao habitacional; - se fosse secundário o fim industrial, não precisava de reconhecimento expresso do senhorio, pois essa faculdade resultava da lei, por ser indústria doméstica e não carecer de redução a escrito; - a desproporcionalidade do valor da renda de cada uma das partes revela a importância do espaço industrial do imóvel, pois era este o espaço que tornava o arrendamento viável.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora tem inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Espinho, através da inscrição G-1, o direito de propriedade relativo ao prédio urbano sito na Rua 00, n.ºs 000 a 000, freguesia e concelho de Espinho, composto de casa de rés-do-chão e andar, inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo 461º e descrito na Conservatória referida sob o n.º 01847/261202.
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Por escritura pública celebrada no dia 1 de Julho de 1963 no Cartório Notarial de Serzedo, concelho de Vila Nova de Gaia, HR, avô da autora, por um lado, e o réu e o seu cônjuge, MS - entretanto falecida - por outro, declararam: - o primeiro dar de arrendamento aos últimos todo o 1.º andar do prédio mencionado sob 1, com entrada pelo portal n.º 269, com direito a um bocado de quintal, água do poço e tanque para lavar, um e outro situados no fundo das escadas do prédio, pelo prazo de um ano, renovado por períodos iguais e sucessivos, pela renda anual total de 11 400$, sendo 4 200$ pela parte destinada a indústria e 7 200$ pela parte destinada a habitação, a pagar em prestações mensais de 950$ cada, sendo 350$ pela parte destinada a indústria e 600$ pela parte destinada a habitação; - destinar-se a parte...
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