Acórdão nº 07B1361 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução05 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 7 de Abril de 1999, a Santa Casa da Misericórdia do Funchal, Associação de Solidariedade Social, propôs no Tribunal de Círculo do Funchal uma acção ordinária contra AA, BB e CC e mulher, DD, pedindo que fosse declarada a nulidade de um contrato de compra e venda, celebrado em 8 de Março de 1999, entre AA, por si e em representação de BB, vendedores, e CC, comprador, de um prédio misto denominado "Vila S...", no sítio do Livramento, concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 803 da freguesia do Caniço, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o nº 10 da Secção "JJ" (parte rústica) e 190 (parte urbana).

Como fundamento, a autora alegou que o referido prédio, registado, à data da escritura, em nome de BB (a quem a propriedade fora adjudicada na sequência da escritura de partilhas celebrada com a sua anterior mulher, em 29 de Julho de 1988), que não interveio pessoalmente no contrato, era nulo pelas seguintes razões: em primeiro lugar, por falta de legitimidade da procuradora, sendo venda de coisa alheia (artigo 892º do Código Civil), quer porque a procuração apenas abrangia os prédios "na área do Funchal e não no Caniço, como é o caso da «Vila S...»", quer porque a procuração, passada por BB na constância do casamento dos dois, "não podia subsistir" por entretanto ter sido decretado o respectivo divórcio (artigos 1688º e 1788º do mesmo Código Civil); em segundo lugar, por incidir sobre um "objecto (…) legalmente impossível (…), nos termos do artigo 280º do Código Civil", já que o prédio atrás descrito, "sem mais (…) não existe hoje", por dele ter sido desanexada por expropriação uma parcela com 1.215 m2, que é da propriedade da Região Autónoma da Madeira.

Quanto à parte do prédio que se manteve na propriedade de BB, foi adquirida pela autora ao mesmo réu por um contrato de permuta entre ambos celebrado, por escritura pública, em 1990, na sequência do qual o prédio lhe foi entregue, tendo-se, desde então, mantido na sua posse.

Consequentemente, pediu ainda que fosse declarado nulo o pedido de registo da referida aquisição, apresentado pelo comprador, que fosse cancelado qualquer registo eventualmente efectuado na sequência da compra e venda e que fosse declarado ser ela autora a proprietária do prédio, bem como que os réus fossem condenados a não criar quaisquer "obstáculos ou impedimentos à propriedade e posse do prédio referido e adquirido" por si.

Contestando, CC e mulher invocaram, em síntese, encontrar-se definitivamente registada a seu favor a aquisição do prédio, por inscrição requerida a 9 de Março de 1999, beneficiando, assim, da presunção de titularidade do direito prevista no artigo 7º do Código do Registo Predial; sobrepor-se a eficácia do registo "a qualquer venda anterior não registada ou com registo posterior àquele"; não existir qualquer registo a favor da autora; não provar nada, quanto à titularidade do direito alienado, a escritura de permuta; não ter existido qualquer venda de coisa alheia, já que, no máximo, teria havido "um acto de representação sem poderes, que, nos termos do artigo 268º do Código Civil, é ineficaz em relação ao representado (e apenas em relação a este)"; por (tal como quem actuou como representante do vendedor) estarem convencidos, quando compraram, da suficiência dos poderes invocados; por não ter qualquer consistência a afirmação de que, com o divórcio, a procuração deixou de produzir efeitos; e porque, mesmo que isso tivesse acontecido, só o cônjuge representado teria legitimidade para invocar a invalidade sustentada pela autora.

Contestou também a ré AA, sustentando a suficiência da procuração, aliás não afectada pelo divórcio, a não alteração dos elementos de descrição do prédio no registo em consequência da expropriação referida pela autora, a inexistência de qualquer registo em favor deste última, a situação de aparente abandono em que o prédio se encontraria, não sendo, nem pública, nem notória, a posse alegada pela autora, e o registo definitivo da transmissão a favor dos réus CC e mulher. Sendo estes terceiros relativamente à permuta alegada, tendo adquirido com base num direito de propriedade concordante com o registo, e tendo registado tal aquisição a seu favor, não pode a compra e venda que realizaram ser afectada por aquela permuta, devendo ser havidos como proprietários do prédio em litígio.

A autora replicou, mantendo as suas pretensões.

Por sentença de 7 de Fevereiro de 2006, a acção foi julgada improcedente. O tribunal entendeu, em resumo, não ter ocorrido "qualquer causa de extinção da procuração" e decorrer do disposto no nº 1 do artigo 5º do Código do Registo Predial que "a falta de legitimidade do transmitente, do Réu BB, não pode ser invocada pela Autora perante os Réus CC e mulher, em virtude do registo de aquisição efectuado por estes - são, assim, os chamados terceiros para efeitos de registo", já que a autora não registou a sua aquisição e estão em conflito "aquisições derivadas incompatíveis por força da actuação do antecessor comum".

Para além disso, a sentença entendeu ainda que a alteração decorrente da expropriação parcial de que foi objecto não afectou a identidade do prédio, razão pela qual não se verifica a alegada impossibilidade legal do objecto da compra e venda.

  1. A autora interpôs recurso de apelação.

    Por acórdão de 30 de Novembro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Ampliou a matéria de facto provada, mas manteve a decisão de direito. Sempre em síntese, a Relação entendeu ser irrelevante ter eventualmente existido, quer abuso de representação, quer falta de poderes da representante, porque a ineficácia daí decorrente só poderia ser invocada "pelo representado e pela parte que contrata com o representante sem poderes (arts. 268º e 269º C.Civil)".

    Como não foi, tudo se passa, para os compradores, como tivesse sido BB, por si mesmo, a vender-lhes o prédio.

    De qualquer forma, BB já não era proprietário do mesmo quando a venda se realizou, pois tinha alienado o prédio, por permuta com a autora, em 1990. Tratou-se, pois, de uma venda nula, por ser venda de bens alheios (art. 892º do mesmo Código). Não tendo, todavia, sido registada a aquisição a favor da autora, nem havendo ficado provado que os compradores tinham conhecimento de que se tratava de venda de bens alheios, prevalece a aquisição registada a favor de CC e mulher, nos termos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial. A Relação considerou não aplicável ao caso o regime previsto no nº 2 do artigo 291º do Código Civil, como pretendia a autora.

    Finalmente, a Relação considerou irrelevante para a questão em causa na acção, quer o facto de o preço não estar ainda totalmente pago, quer a discrepância entre "o imóvel descrito no contrato de 8 de Março de 1999 e aquele que existia na realidade", na sequência da expropriação ocorrida. E observou ainda que a posse invocada pela autora não reunia as condições necessárias para conduzir à aquisição do prédio por usucapião.

  2. Novamente inconformada, a Santa Casa da Misericórdia do Funchal interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido, como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações então apresentadas, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «I - A Ré AA vendeu em 1999 um prédio misto que era propriedade da Recorrente.

    II - Para tal utilizou uma procuração, outorgada em 1995 pelo Réu BB, que na altura era seu marido.

    III - Na data da venda do prédio misto "Vila S...", em 1999, os dois Réus estavam já divorciados.

    IV - As relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges cessam com o divórcio.

    V - Era a existência do casamento entre eles, essa relação jurídica, que servia de base a tal procuração, pelo que cessando o casamento extingue-se a procuração (artigo 265º do CC.) VI - Deste modo, estando os Réus divorciados, em 1999 a procuração estava extinta.

    VII - A mesma procuração habilitava a Ré AA a vender imóveis especificamente no Funchal, e acrescentava a expressão "designadamente" para enumerar alguns dos imóveis que poderiam ser objecto da procuração, sendo todos eles no Funchal.

    VIII - O prédio misto em causa está localizado na Comarca de Santa Cruz, não no Funchal, obviamente não fazia parte dos imóveis descritos na procuração.

    IX - Deste modo, tendo sido a procuração utilizada...

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