Acórdão nº 07B1327 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução28 de Junho de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de 35.000,00 €, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, bem como a suportar as despesas de divulgação da decisão processual.

Em fundamento desta sua pretensão alega, no essencial, que o réu, reiteradamente, teceu comentários e fez afirmações públicas atentórias do seu bom nome e consideração, enxovalhando-o na sua honestidade, com plena consciência de assim estar a denegrir e desacreditar a sua honra e imagem social.

Contestou o réu, alegando, sinteticamente, que se limitou a pronunciar sobre os actos praticados pelo autor em três processos de grande alcance e interesse para a cidade do Porto durante o período em que foi Presidente da Câmara Municipal, manifestando a sua discordância sobre o modo como geriu esses processos por as soluções terem sido ilegais ou prejudicarem o Município e os próprios munícipes.

Não pôs, por isso, em causa, nem essa era sua intenção, o bom nome e reputação do autor.

Em contrapartida, o autor proferiu várias afirmações nos meios de comunicação social, essas sim ofensivas da sua honra e consideração social, afirmações falsas, pretendendo ser ressarcido dos danos que essa actuação lhe causou, no montante de 35.000,00 €, pedido que formula reconvencionalmente, mas apenas para a hipótese de o pedido do autor vir a ser julgado total ou parcialmente procedente.

Replicou o autor para afirmar que nunca usou qualquer expressão que afectasse a honra ou consideração pessoais do réu/reconvinte, limitando-se a contrapor factos verdadeiros a afirmações inverídicas por ele produzidas.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.

Na sentença, subsequentemente proferida, foram a acção e reconvenção julgadas parcialmente procedentes e: - o réu condenado a pagar ao autor a quantia de 15.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; - o autor, por sua vez, condenado a pagar ao réu/reconvinte também a quantia de 15.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos.

Inconformados quanto ao assim decidido apelaram o autor e, subordinadamente, o réu/reconvinte, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença recorrida.

De novo irresignados, recorrem agora de revista para este Tribunal o autor e, ainda subordinadamente, o réu, sustentando aquele ter o acórdão incorrido em omissão de pronúncia e defendendo uma alteração das indemnizações arbitradas e pugnando este pela improcedência da acção.

Contra-alegou o réu defendendo a improcedência do recurso interposto pelo autor.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, com que remata as suas alegações, o inconformismo dos recorrentes radica, em síntese, no seguinte: autor 1- O acórdão recorrido, limitando-se a declarar a imodificabilidade da matéria de facto apurada em 1ª instância e a manter o aí decidido, quando questões novas tinham sido suscitadas, viola regras da lei ordinária e da lei constitucional, nomeadamente os arts. 158º, n° 2, 668º, n° l al. d) e 660º, n° 2, todos do C.P.C, e 205º, n° l da C.R.P.

2- Se dada matéria de facto decorre de documento e a resposta daí emergente pode contrariar a resposta a outros pontos em matéria de facto, incorre em erro de interpretação do valor probatório consagrado no art. 236º C.Civil, bem como dos arts. 659º e 646º, n° 4, aplicáveis nos termos do art. 713º, n° 2, todos do C.P.C, 3- Ora, não só pode, como deve, haver ao menos uma pronúncia sobre a alteração da matéria de facto que o recorrente entendeu mal julgada nas alegações (isto porque sustenta que não houve qualquer intenção de ofender, mas tão somente de se defender, ao proferir as expressões vertidas nos factos dados como assentes), por parte do juiz do recurso, com base no artigo 712º do C.P.Civil.

4- Quanto ao montante indemnizatório fixado, ao desconsiderar como elemento integrador do conceito de demais circunstâncias do artigo 494 do C.Civil o facto de, reiteradamente, se ter ofendido, através de critica caluniosa (sem outra justificação que não seja a depreciação da imagem do ofendido), alguém que vinha de gerir interesses autárquicos, tratando da mesma forma duas realidades tão diferentes em termos de gravidade objectiva, como são a conduta do ofensor em paralelo com a do que se defende ou reage, viola, por erro de interpretação o artigo 494°.

5- Há, igualmente, errada aplicação do direito ao caso subjudice por desconsideração e não aplicação do artigo 570º do Código Civil -já que resulta dos factos dados como provados que aquele que se reputa como "lesado" tem, afinal, culpa na produção do efeito danoso, tendo agido de forma a provocar uma reacção do reconvindo.

6- Em qualquer caso, o montante indemnizatório fixado pelo tribunal contraria de forma gritante o fixado em casos paralelos, o que, por força do artigo 8° do C.Civil, sempre será de ter em (grande) conta.

Réu/reconvinte 1- O acórdão recorrido decidiu mal ao considerar verificados os requisitos aplicáveis à responsabilidade civil, enunciados pelos artigos 483.° e 484.° do Código Civil, e, em particular, o requisito da ilicitude, o qual não se encontra reflectido na conduta do réu/recorrente.

2- O requisito da ilicitude não se verifica, porquanto as afirmações proferidas pelo réu em relação ao autor se enquadram nos limites do direito à crítica exercido em relação a titulares de cargos públicos, quanto ao exercício das suas funções e em matérias de relevante interesse público, como tem sido entendimento da jurisprudência, aquando da interpretação do mesmo preceito.

3- O requisito da ilicitude igualmente não se verifica, porquanto as afirmações proferidas pelo réu em relação ao autor, para além de se enquadrarem nos limites do direito à crítica exercido em relação a titulares de cargos públicos, quanto ao exercício das suas funções e em matérias de relevante interesse público, têm subjacentes factos objectivamente verdadeiros, que como tal deviam e foram transmitidos aos munícipes.

3- E não se verifica ainda, uma vez que as declarações do réu se circunscreveram, como a matéria de facto dada por provada confirma, à actuação pública do autor e às divergências quanto ao modo como este entendeu, na altura específica em que o fez, prosseguir o interesse público municipal.

4- A sentença do Tribunal da Comarca do Porto, para onde o acórdão recorrido remete, decidiu, ainda, sem observância do disposto na alínea b) do n.° l do artigo 4.° da Lei n.° 29/87, de 30 de Junho, que impõe aos eleitos locais o cumprimento das "normas constitucionais e legais relativas à defesa dos interesses e direitos dos cidadãos", do disposto no art. 48.°, n.° 2, da Constituição da República, nos termos do qual "todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos", e do artigo 335.° do Código Civil, que regula a prevalência de direitos, quando em colisão.

5- No caso concreto, o acórdão recorrido decidiu mal, em violação do artigo 335.° do Código Civil, na medida em que atribuiu prevalência ao invocado direito ao crédito e ao bom nome do autor, quando, em bom rigor, por força das circunstâncias do caso concreto, este deveria ter sido comprimido, de forma a assegurar o exercício de um direito e interesse público mais relevante que se consubstancia no dever de informação aos munícipes.

B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, reconduzem-se, no essencial, a quatro as questões controvertidas a dilucidar: autor - nulidade do acórdão por omissão de pronúncia; - montante indemnizatório arbitrado.

réu - se ocorre, no caso concreto, o requisito da ilicitude; - colisão de direitos.

  1. Fundamentação A- Os factos No acórdão recorrido deram-se como assentes os seguintes factos: 1. O réu é o actual Presidente da Câmara do Porto, desempenhando ininterruptamente as respectivas funções desde que tomou posse no cargo, no dia 8 de...

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