Acórdão nº 07S054 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução22 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 3 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Leiria, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 99.762,57, sendo € 28.918,12 a título de retribuições por isenção de horário de trabalho, € 5.584,61 atinente a diferenças salariais relativas a comissões, remuneração de férias e subsídios de férias e de Natal dos anos de 2003 e 2004 e € 65.259,84 correspondente à indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, posteriormente rectificada, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 13.184,12, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa (€ 7.697,32) e de retribuição da isenção de horário de trabalho (€ 5.486,80), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal, e julgou improcedentes o pedido reconvencional da ré e o pedido de condenação do autor como litigante de má fé.

  1. Irresignados, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, a primeira, sustentando a alteração da matéria de facto, a validade do modo como remunerava a isenção de horário de trabalho e a não existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, e, o segundo, propugnando a condenação da ré a pagar-lhe «todos os montantes que esta lhe deixou de pagar a título de isenção de horário de trabalho, ainda que constante[s] dos recibos de vencimento mensal, mas que eram retirados ao valor das comissões a que o A. tinha direito, no período de 1 de Abril de 1989 a 30 de Setembro de 2002, no que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença».

    A Relação rejeitou o recurso da ré relativamente à matéria de facto, julgou improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação do autor, condenando a ré a pagar-lhe, a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e até Outubro de 2002, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e que deverá ser calculada nos termos oportunamente expostos, ou seja, com base na remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia.

    É contra esta decisão da Relação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que defende a alteração do decidido, ao abrigo das seguintes conclusões: 1) Quando o recorrido foi admitido na recorrente deu-lhe a conhecer o esquema de remunerações, que ele era livre de aceitar ou recusar e que era o seguinte, igual, aliás, para todos os vendedores: - Remuneração fixa; - Remuneração variável: a) 1% sobre as carnes frescas; b) 2% sobre os produtos transformados; - Remuneração pela isenção de horário de trabalho - são informados que no montante das comissões que a recorrente está disposta a pagar está já incluída a remuneração pela isenção de horário de trabalho; 2) Assim sucedeu com o recorrido e desde o momento da sua contratação, sendo certo que ele nunca reclamou dessa situação até à rescisão do contrato de trabalho; 3) O mesmo sucedendo com os restantes vendedores da recorrente, que nunca apresentaram, até hoje, qualquer reclamação; 4) Ao contrário do entendimento acolhido na decisão recorrida, a recorrente não aceita que não lhe seja permitido acordar com o recorrido ou com qualquer outro vendedor, que do montante das comissões a que tenha direito seja retirada a quantia necessária e suficiente para pagamento da remuneração especial por isenção de horário de trabalho (IHT); 5) Porque o recorrido tem um prémio de produção, constituído pela dita comissão, tem interesse em vender o mais possível e a recorrente paga tal prémio porque tem interesse que aquele venda o mais possível; 6) Este tipo de acordo será por isso válido, já que não contraria nenhuma norma legal imperativa visto estar assegurada aos vendedores, mormente ao recorrido, a retribuição mínima devida por força do CCT e é vantajoso para estes porque se o valor das comissões não atingir o montante devido a título de remuneração especial por IHT esta, porque processada sob tal epígrafe, é sempre devida e a recorrente teria que a suportar, na totalidade ou na diferença; 7) Não deverá, assim, merecer provimento a pretensão do recorrido, que ele bem sabe ser ilegítima de querer receber novamente a remuneração por IHT e que já recebeu por força do acordo celebrado, enquanto trabalhou na recorrente; 8) Por outro lado, o recorrido aceitou pacificamente que o sistema de GPS fosse instalado na sua viatura, saiu das instalações da recorrente para efectuar a sua volta (deslocação aos clientes sitos na Região Centro até à Guarda), e, sem nada que o fizesse crer, aproveitou o ensejo para remeter à recorrente uma carta, comunicando a rescisão do contrato de trabalho e com invocação de justa causa; 9) Ora, se a instalação do sistema de GPS na sua viatura o incomodava ou lhe parecia constituir um violação da sua privacidade, por que motivo o recorrido não comunicou tal facto, na devida altura à recorrida, dando assim a oportunidade de efectuar a experiência do sistema, na viatura de outro vendedor, para ver se corresponderia aos objectivos pretendidos, nomeadamente a localização das viaturas em caso de sinistro ou avaria; 10) Muito pelo contrário, o recorrido nada fez, nada disse, sendo certo que seria seu dever e teria a obrigação de, por força do vínculo contratual que o ligava à recorrida, usar de lealdade para com esta; 11) Lamentavelmente, o recorrido viu ali uma oportunidade para rescindir o contrato de trabalho e na perspectiva de, por essa via, poder vir a receber uma boa quantia a título de indemnização de antiguidade; 12) Não teve nunca o direito de se pronunciar, nem de rever a atitude tomada relativamente à viatura do recorrido, tendo sido colocada perante uma situação de facto e irreversível, sem que da sua parte tivesse havido, em momento algum, a mínima tentativa de o perseguir, vexar ou humilhar; 13) Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho que para haver justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que tenha havido uma violação culposa de garantias legais ou convencionais por parte do empregador, sendo que, no caso, a recorrente agiu, em todos os momentos, de boa fé e o seu comportamento não foi culposo, nunca tendo sido sua intenção prejudicar, minimamente, o recorrido; 14) Não se justifica, por isso, o comportamento adoptado pelo recorrido, pondo fim, de forma despropositada e desproporcionada, a uma excelente relação de trabalho de 15 anos, motivo pelo qual deverá entender-se não ter havido justa causa para ele rescindir o contrato de trabalho.

    Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para discordar daquela posição.

  2. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: - Se o autor tem direito às quantias conferidas pelas instâncias a título de retribuição por isenção de horário de trabalho [conclusões 1) a 7) da alegação do recurso]; - Se o autor operou a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa [conclusões 8) a 14) da alegação do recurso].

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) O autor trabalhou por conta da ré, sob a autoridade e direcção desta, entre 01/04/1989 e 02/08/2004; 2) Exerceu, durante todo aquele período, a categoria profissional de vendedor; 3) Como contrapartida do seu trabalho, o autor auferia, desde Junho de 2003, € 502,00 de remuneração base mensal, a que acresciam comissões, diuturnidades e uma remuneração específica pela isenção do horário de trabalho; 4) As comissões eram variáveis e calculadas segundo uma base percentual sobre o montante das vendas de boa cobrança efectuadas pelo autor, sendo de 1% para as carnes frescas e de 2% nas carnes transformadas; 5) A prestação de trabalho consistia na deslocação do autor aos clientes da ré, na Região Centro, até à Guarda, para vender os diferentes produtos, proceder aos recebimentos das facturas e processar notas de devolução de mercadorias; 6) O autor apresentava-se semanalmente na sede da ré e ainda sempre que solicitado por esta; 7) Para o desempenho da respectiva actividade, isto é, para as deslocações em serviço de e para a sede da ré e visitas aos clientes, a ré atribuiu ao autor um veículo automóvel, suportando ela os respectivos encargos de manutenção; 8) A actividade do autor, dada a sua natureza, foi exercida, desde o seu início e até ao seu termo, com isenção de horário de trabalho; 9) Antes de emitir o recibo das remunerações, a ré deduzia à soma do valor das comissões auferidas pelo autor, a remuneração deste pela isenção do horário de trabalho; 10) Essa remuneração pela isenção do horário de trabalho era actualizada com regularidade, normalmente anual; 11) O montante mensal de remuneração pela isenção de horário de trabalho era, desde Outubro de 2002, de € 249,40; 12) Desde o início da relação laboral que a ré adoptou o mesmo procedimento para o pagamento da remuneração pela isenção do horário de trabalho; 13) Este procedimento quanto ao pagamento da remuneração pela isenção do horário de trabalho, a ré segue-o também quanto aos outros vendedores que tem ao seu serviço; 14) O autor subscreveu o acordo com a ré que consta de fls. 21, no qual se estabeleceu que, pela isenção do horário de trabalho, aquele teria direito a receber uma retribuição especial no montante de € 130,00, a ser paga com a mesma periodicidade com que lhe era paga a retribuição base; 15) Tal...

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