Acórdão nº 07B1165 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução03 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA e BB intentaram, no dia 21 de Outubro de 2004, contra CC e DD, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação do primeiro no pagamento de € 12 292,07, e do segundo no pagamento de € 4 763,95, e juros desde a propositura da acção à taxa convencionada e a assumirem, de imediato, os avales prestados ao Banco Espírito Santo SA e a pagarem-lhe indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais derivados do incumprimento do contrato.

Fundamentam a sua pretensão na dita cedência aos réus das quotas em duas sociedades comerciais e no incumprimento da obrigação de pagamento de juros relativos à prestação do preço daquela cessão e da decorrente do preliminar contrato-promessa.

Na contestação, os réus excepcionaram o incumprimento do contrato pelos autores, e estes, na réplica, negaram terem incumprido.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 6 de Abril de 2006, por via da qual os réus foram condenados, por um lado, a pagar aos autores, respectivamente, € 10 832,12 e € 4 198,13 e juros à taxa Euribor a seis meses acrescida de dois pontos percentuais.

E, por outro, a assumirem imediatamente os avales pessoais por eles prestados ao Banco Espírito Santo SA referentes ao financiamento a EE Ldª e a indemnizarem-nos quanto aos prejuízos resultantes do incumprimento a liquidar em execução de sentença.

Apelaram os réus, impugnando a decisão da matéria de facto e a decisão de direito, e a Relação, por acórdão proferido no dia 1 de Novembro de 2006, alterou a primeira das referidas decisões quanto ao quesito 20º de provado para não provado e absolveu os apelantes dos pedidos relativos à indemnização por danos e aos juros de mora.

Interpuseram os apelados - AA e BB - e os apelantes - AA e DD- recursos de revista.

Os primeiros formularam, em síntese, as seguintes conclusões de alegação - não se pode aceitar a alteração do quesito vigésimo na medida em que o mesmo tem suporte documental com força probatória suficiente; - os juros convencionados sobre as quantias em dívida assumem natureza remuneratória, por visarem compensá-los pelo diferimento concedido para o pagamento do preço em prestações, sem relação com o incumprimento do contrato; - trata-se de excepção ao anatocismo porque tais juros constituem a contraprestação onerosa pela cedência do capital; - o vencimento da totalidade do devido configura uma cláusula penal e, por isso, basta para o efeito a mora relativa aos juros remuneratórios, sob pena de não haver sanção para o incumprimento de prestação de vencimento isolado; - o incumprimento das prestações dos juros remuneratórios gera juros moratórios à taxa legal; - celebrado o contrato, vigora o princípio da obrigatoriedade, devendo ser cumprido pontualmente; - o acórdão deve ser revogado na parte que altera a resposta ao quesito vigésimo e absolve os recorridos do pedido de indemnização por danos e de condenação no pagamento de juros.

Os últimos formularam, por seu turno, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os contratos devem ser pontualmente cumpridos e submetidos às regras de boa fé, mas, nos bilaterais, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectue a que lhe cabe; - a situação económica das empresas vendidas não era aquela em que se baseou o acordo de princípios e a promessa de cessão, porque o activo não tinha as existências documentadas e o passivo era muito superior ao que constava da contabilidade; - o recorrido AA alterou a condições em que o negócio se baseou, e se as circunstâncias em que as partes fundamentam a sua decisão sobre um negócio se alteram de forma e por valores consideráveis tem o lesado o direito a ver o negócio modificado segundo juízos de boa fé; - não actua de boa fé quem reconhece que tem uma contabilidade paralela para pagamento de salários, declara facturações inferiores às reais, altera o valor dos stocks e encobre a existência dum avultado passivo, que declara estar pago e veio a ser pago pelos cessionários; - o acórdão está afectado por erro de interpretação e de aplicação dos artigos 227º, 428º e 437º, nº 1, do Código Civil, pelo que deve ser substituído por outro que julgue a acção improcedente.

Responderam AA e BB, em síntese de conclusão de alegação: - não pode ser conhecida no recurso de revista a impugnação da decisão da matéria de facto; - é ignorada a situação real das sociedades à data da cessão de quotas; - os factos não revelam que as discrepâncias detectadas pela inspecção tributária existissem ao tempo da cessão; - não ocorreu a alteração das circunstâncias invocada por CC e DD, pelo que não há lugar à modificação do contrato; - a má fé negocial foi de CC e de DD por não terem cumprido as obrigações a que estavam adstritos.

II É a seguinte a factualidade considerada no acórdão recorrido 1. O autor e o réu CC eram sócios das sociedades FF Ldª e EE Ldª.

  1. No dia 7 de Maio de 2001, os autores como primeiros outorgantes, GG e HH como segundos outorgantes, e o réu CC, como terceiro outorgante, declararam, por escrito designado contrato-promessa de cessão de quotas, prometer: - os primeiros e segundos outorgantes cederem a CC ou à pessoas ou à pessoa a indicar por ele todas as quotas nas sociedades FF Ldª e EE Ldª, com todos os direitos e obrigações, por 142 255 000$; - ser o preço pago em oito prestações semestrais iguais e sucessivas, a primeira a vencer no dia 31 de Dezembro de 2006 e a última no dia 30 de Junho de 2010; - vencer a quantia em dívida referente ao preço das cessões, a partir da assinatura deste contrato, juros indexados à taxa Euribor semestral acrescida de 2%; - incidirem os juros sobre o capital em dívida e serem pagos em 8 prestações semestrais e sucessivas, a primeira a vencer no dia 31 de Dezembro de 2006 e a última no dia 30 de Junho de 2010; - serem os primeiros outorgantes credores da sociedade por suprimentos efectuados no montante de 3 539 242$; - assumir CC pessoalmente o pagamento dos suprimentos referidos, a efectuar da forma acordada para o pagamento do preço das cessões, vencendo o montante em dívida juros a pagar conforme o estipulado acima; - a falta de pagamento atempado de duas prestações, inclusive as de juros, dá lugar ao vencimento da totalidade do que for devido; - assumir CC pessoalmente o pagamento do que resta do financiamento efectuado pelo Banco Espírito Santo SA de Cedofeita - Porto - a título pessoal aos outorgantes, comprometendo-se de seguida a cancelar a respectiva conta e entregando-se na data da assinatura do presente contrato tal declaração assinada por todos os titulares no respectivo balcão; - obrigarem-se os cessionários a assumir os avais pessoais para com o Banco Espírito Santo SA referentes ao financiamento do Procom.

  2. Em escrituras públicas lavradas pela Notária do Cartório da Maia, no dia 5 de Junho de 2001, os autores, por um lado, e os réus, por outro, declararam: - cederem os primeiros aos últimos, por € 32 838,36 e € 509 276,34, respectivamente, as quotas e os créditos que tinham nas referidas sociedades; - obrigarem-se os últimos a pagar aos primeiros € 390 695,61 e € 151 419, 99 em oito prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 31 de Dezembro de 2006 e a última em 30 de Junho de 2010; - vencerem as referidas quantias juros indexados à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de dois pontos percentuais, a partir de 7 de Maio de 2001, a pagar em oito prestações semestrais e sucessivas, a primeira no dia 31 de Dezembro de 2001 e a última no dia 30 de Junho de 2010.

  3. Os réus não entregaram aos autores as prestações de juros referentes ao primeiro semestre de 2002, que se venceram no dia 30 de Junho desse ano, e o mandatário dos últimos enviou aos primeiros as cartas de folhas 38 a 43.

  4. Os cessionários mencionados na parte final de 1 ainda não assumiram os avales.

  5. O autor foi testemunha em determinado julgamento e declarou o que consta a folhas 79; a folhas 81 e seguintes está junta a fotocópia de um projecto de relatório de inspecção tributária à EE; a folhas 101 e seguintes está inserta a fotocópia de um designado "Relatório de Auditoria Simplificada - Exercício Económico de 2000"; e a folhas 106 a 108 está junta a cópia de uma participação criminal apresentada contra o autor pelo réu CC na Directoria do Porto da Polícia Judiciária.

  6. Os réus comunicaram aos autores que, enquanto aquela situação não fosse esclarecida cabalmente, não procederiam ao pagamento dos juros em causa, e que pagavam os restantes por causa da cominação das duas prestações seguidas em dívida poderem activar a dívida total.

  7. A inspecção das Finanças feita à contabilidade da EE Ldª de 2000 e 2001 detectou que nos apuros diários do ano de 2000, em fitas de máquina assinadas pelo gerente GG e o seu sobrinho II, filho do autor, figurava o montante de 90 680 842$, quando a contabilidade apenas revelava 79 277 973$ de vendas - ou seja, um diferencial nas vendas de 11 402 870$ - e só quanto ao imposto sobre o valor acrescentado não declarado foi detectado o valor de € 9 669,14, tudo indiciando facturação e saídas de stocks não registados na contabilidade.

  8. Todas essas anomalias também determinaram a correcção da matéria colectável para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares referente ao ano de 2000, passou-se de um resultado tributável negativo de € 18 699,73 para um resultado positivo de € 11 473,91; e do ano de 2001, de um resultado tributável negativo de € 101 758,24 para € 35 960,04, por causa da correcção feita na diferença de stocks, e o imposto sobre o valor acrescentado em falta do ano de 2001 foi calculado em € 8 828,32.

  9. E numa auditoria simplificada feita às mesmas contas foi constatado que, no ano de 2000, havia duas bases de dados contendo informação divergente entre si e da contabilidade quer ao nível de stocks quer de vendas de mercadorias.

  10. A contabilidade de EE Ldª, no que concerne ao fornecedor Matriz, apresentava em 31 de Dezembro de 2000 a dívida saldada com os...

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