Acórdão nº 06S4368 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 2 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a: (i) reconhecê-la como sua trabalhadora efectiva desde a data da contratação, em Outubro de 1992, com direito às competentes diuturnidades; (ii) conceder-lhe a licença de maternidade pelo nascimento do seu filho BB; (iii) efectuar os competentes descontos para a Segurança Social, de molde a que tenha possibilidade de haver o respectivo subsídio de maternidade; (iv) pagar-lhe o valor de 5.000 euros a título de danos não patrimoniais; (v) ou, caso já não seja possível a afectação do referido subsídio, a condenação a pagar-lhe o montante da retribuição que auferiria se estivesse a prestar serviço efectivo.

Na primeira sessão da audiência de julgamento, a autora requereu, ao abrigo do n.º 2 do artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho, a ampliação do pedido, que foi deferida (fls. 252), pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento, efectivado em 10 de Setembro de 2005, e a condenação da ré no pagamento dos créditos laborais vencidos e vincendos, nos termos dos artigos 436.º e 437.º do Código do Trabalho, e na indemnização a que alude o artigo 439.º do mesmo Código.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

  1. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado o recurso procedente e decidido: (a) reconhecer a autora como trabalhadora subordinada da ré, desde Outubro de 2004 até à data do seu despedimento, com todos os direitos daí decorrentes, mormente o direito à licença de maternidade, nos termos legais, e aos descontos legais devidos à Segurança Social; b) declarar a ilicitude do despedimento da autora ocorrido em 10 de Setembro de 2005, e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora as retribuições devidas desde o 30.º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, a que deverão ser deduzidas as importâncias que a autora tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, nomeadamente o montante do subsídio de desemprego, cujo valor deve ser entregue à Segurança Social pelo empregador (artigo 437.º do Código do Trabalho), a que acrescem os juros de mora desde a data dos vencimentos das respectivas retribuições; c) condenar a ré a pagar à autora uma indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, correspondente à retribuição base mensal, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido até ao trânsito da decisão final (artigo 439.º, n.º 2, do Código do Trabalho), a liquidar em execução de sentença; d) absolver a ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação que primeiro a ré e depois a autora se insurgem, mediante recursos de revista, sendo o primeiro independente e o segundo subordinado, ao abrigo, em substância, das seguintes conclusões: RECURSO DA RÉ: - Se o artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece uma presunção de que existe contrato de trabalho quando se verificam cumulativamente determinadas circunstâncias, o facto é que tal presunção foi ilidida; - Deste modo, deveria o Tribunal da Relação de Lisboa, para não violar a supra mencionada norma do Código do Trabalho, ter antes considerado que o contrato celebrado entre a autora e a ré foi um simples contrato de prestação de serviços; - Até porque, se para se verificar tal presunção seria necessário que as características enumeradas na lei ocorressem cumulativamente, o facto é que várias dessas características estiveram longe de se verificar; - Em primeiro lugar, e ao contrário do referido no acórdão recorrido, ficou provado que a autora não só não pertencia à estrutura organizativa da ré, como nem tampouco realizava a sua actividade sob as orientações de quem quer que fosse, com excepção de directivas genéricas de natureza pedagógica, aliás estabelecidas por quem não pode obrigar a ré; - Em segundo lugar, resultou igualmente provado que não existia um horário previamente estabelecido e definido, podendo a autora dar as suas aulas com correspondência com os horários dos alunos; - Em terceiro lugar, a autora era remunerada de acordo com o resultado da sua actividade profissional e não em função do tempo; - Em quarto lugar, não pode ser atribuída qualquer relevância ao facto de a actividade da autora ter sido prestada na sede da ré, já que a mesma não poderia ser desempenhada noutro local que não as piscinas da ré, a não ser que a autora tivesse demonstrado que, ela própria, enquanto profissional da matéria, é proprietária de piscinas noutro local; - Em suma, por ter sido cabal e plenamente ilidida pela ré, ora recorrente, a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho, que não pode favorecer a autora, devendo, assim considerar-se como consistindo num contrato de prestação de serviços o relacionamento contratual que existiu entre a autora e a ré; - Mas mais importante, o tribunal recorrido desconsiderou completamente qual a mais exacta e curial forma de caracterização da natureza jurídica de um contrato que existe na ordem jurídica portuguesa que, mais do que o «título» ou as qualificações que as partes entenderam dar-lhe, haverá antes que encontrar, definir e atender qual é o seu objecto; - Assim, está considerado provado (artigos 20.º e 23.º dos factos assentes) que quando a autora não podia comparecer ao serviço, pedia a um colega que a substituísse, pagando a ré à autora como se tivesse sido esta a dar a aula, e se houvesse uma aula em que nenhum dos alunos comparecesse, não era exigido à autora que permanecesse nas instalações da ré, quer isto dizer que no âmbito do contrato em apreço era absolutamente irrelevante quem executava ou desempenhava as tarefas de dar aulas de natação aos alunos, bastando que as aulas fossem dadas, por quem quer que seja, e de modo a que o seu resultado ficasse assegurado; - Depois, como para a ré era irrelevante quem dava as aulas, a autora continuava a receber normalmente a sua remuneração, que mais tarde entregava particularmente à colega que a substituíra, em termos e condições combinados somente entre ambas, e que a ré não conhecia; - Assim, a remuneração paga pela ré referia-se não à actividade ou à força de trabalho da autora, que não a tinha prestado, mas antes ao resultado em si dessa mesma actividade; - Daqui se conclui que o objecto do contrato celebrado entre a autora e a ré não era a força de trabalho ou a disponibilidade da autora, o que o caracterizaria como um contrato de trabalho, mas outrossim o mero e simples resultado dessa actividade, o que, obviamente, o caracteriza inequivocamente como um típico contrato de prestação de serviços; - Numa palavra, a natureza jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré é inequivocamente um contrato de prestação de serviços, até pela ausência de prova efectiva por parte da autora da existência cumulativa dos elementos exigidos pelo artigo 12.º do Código de Trabalho para fundamentar a existência de um contrato de trabalho; - Tal contrato de prestação de serviços é caracterizado em primeiro lugar pelo seu objecto, isto é, pelas prestações reciprocamente exigidas por cada uma das contrapartes contratuais à outra, e até pela inexistência de um horário de trabalho, durante o qual fosse exigido à autora que permanecesse nas instalações da ré, já que no âmbito do contrato não lhe era contratualmente exigida qualquer disponibilidade ou actividade dentro de um determinado período de tempo previamente estabelecido, mas unicamente o mero e simples resultado dessa mesma actividade; - Um contrato caracterizado ainda pela independência da autora da estrutura organizativa da ré, à qual não pertencia nem tinha de dar contas, e a qual nem sequer lhe exigia que permanecesse nas piscinas no caso de não haver alunos; - Um contrato que era remunerado não em função do tempo despendido na execução de determinadas tarefas, mas antes em função do resultado obtido, independentemente de quem as tivesse desempenhado; - Um contrato, enfim, em que a prestadora dos serviços contratados presta outros serviços da mesma natureza noutros locais, e que, no seu início, se caracterizou por a sua execução ter lugar unicamente aos sábados, o que, só por si, ilustra bem da vontade de ambas as partes contratantes, que foi concomitante com a celebração do contrato, elemento que é de particular importância na caracterização da natureza jurídica de um contrato.

    Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que se considere que o contrato celebrado entre a autora e a ré é um típico contrato de prestação de serviços, com todas as consequências legais.

    Em contra-alegações, a autora defendeu a manutenção do julgado.

    RECURSO DA AUTORA: - Analisando a matéria de facto dada por provada conclui-se que o único facto que se modificou a partir de Outubro de 2004 foi a prestação de trabalho de 2.ª a 6.ª feira, das 7h30 às 13h30, e aos sábados, das 8h30 às 13h15 e das 15h00 às 20h00, quando antes dessa data a autora apenas prestava trabalho aos sábados (n.os 3 e 24 da matéria de facto provada); - No que toca aos demais factos, com excepção dos dois referidos e ainda do montante da retribuição auferida pela autora que respeita ao período temporal posterior a Outubro de 2004, todos os outros factos se reportam necessariamente a todo o período temporal em que perdurou a relação jurídica vigente entre as partes; - E o facto da autora, anteriormente a Outubro de 2004, só prestar trabalho aos sábados para a ré não descaracteriza a existência de um contrato de trabalho subordinado, à luz das próprias normas que de modo expresso regulam o contrato de trabalho a tempo...

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