Acórdão nº 06S2567 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução02 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" demandou, no Tribunal do Trabalho do Funchal, em acção com processo comum, a "Empresa-A, alegando que: - Trabalhou e continua a trabalhar, por conta da Ré, sob a sua autoridade e direcção, desde finais do ano de 1996, exercendo as funções de pianista e músico no Hotel ..., que ela explora e de que é proprietária; - Cumpre um horário de trabalho diário das 17.00 às 23.00 horas, nas instalações da ré e usa indumentária imposta pela ré; - Desempenha as suas funções também no ..., outro hotel que a Ré explora; - Os instrumentos de trabalho são propriedade da Ré; - A sua hora de entrada ao serviço era controlada pela Ré; - Recebia o ordenado mensal de Esc.: 325 000$00 e, além disso, quando faz alguma hora extra recebe, além do ordenado, o valor correspondente às horas de trabalho prestado; - Recebia o seu ordenado contra a apresentação de recibos verdes; - A Ré sempre disse que o Autor era seu trabalhador efectivo; - O Autor nunca gozou férias ou dias de folga e a Ré nunca lhe pagou subsídios de Natal e de férias.

Concluiu, pedindo a condenação da Ré a reconhecê-lo como seu trabalhador efectivo, vinculado aos quadros da sua empresa, e a pagar-lhe a quantia € 29 179,68, relativa aos créditos emergentes do contrato de trabalho respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal que nunca lhe foram pagos 2.

Na contestação, a Ré, pugnando pela improcedência da acção, alegou, no essencial, que: - O Autor sempre exerceu a sua profissão de pianista com total autonomia; - Para além das actuações ao serviço da Ré, dava aulas de piano e actuava, sem autorização dela, noutras unidades hoteleiras da Região estranhas à Ré; - O Autor nunca assinou o livro do ponto, nem picou cartão de ponto, o que sucedia com os trabalhadores subordinados da Ré, não usava crachá, entrava pela porta principal do Hotel ...e não pela porta de controlo como os demais trabalhadores subordinados da Ré; - O Autor sempre foi pago por actuação musical, pelo que os valores pagos mensalmente variavam consoante o número de actuações efectuado em cada mês, mediante a emissão de recibos verdes; - Ninguém fiscalizava o início e termo das actuações; - O pagamento de férias e demais subsídios e folgas nunca foi acordado e o Autor nunca os exigiu até Fevereiro de 2003; - As actuações do Autor integram-se no âmbito de um contrato de prestação de serviços e não de um contrato de trabalho 3.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Em recurso de apelação, o Autor impugnou a sentença, quer quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, quer quanto à solução jurídica do pleito.

No que diz respeito à pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, além do mais, que o Autor não satisfez, na alegação do recurso, as exigências contidas no artigo 690.º-A, do Código de Processo Civil, pelo que se declarou impedido de reapreciar a prova produzida, e gravada, na audiência de julgamento; e observou que o teor dos documentos juntos a fls. 262-325, por si só, não permitia a pretendida alteração daquela decisão.

E, com base nos factos que a primeira instância declarou provados, qualificou a relação jurídica entre Autor e Ré como contrato de prestação de serviços e concluiu pela confirmação da sentença.

  1. Para pedir a revogação do acórdão da Relação, interpôs o Autor este recurso de revista, formulando, após convite do relator, as conclusões que a seguir se transcrevem: 1.ª - As expressões «subordinados» do ponto 23 e «honorários» dos pontos n.os 21 e 27 da FF (Fundamentação de facto) são conceitos de direito ou conclusivos tanto mais que ao decidir e fixar assim ou nesses termos a matéria de facto já se está a introduzir nela elementos ou indícios do contrato de prestação de serviços e daí deverem ter-se por não escritas tais expressões ou as respostas àqueles pontos. (artigo 653.º) 2.ª - A resposta do ponto n.º 4 da F. F. não faz sentido devendo a sua palavra «Aquando» ser substituída por «Após» e esclarecer-se que a abertura do novo Hotel «...» aconteceu em 13 de Abril de 2003, conforme se vê do documento de fls. 308 (elemento fornecido pelo processo que impõe essa decisão diversa insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova acabando por ficar com esta ou outra redacção semelhante): 4 - Após a abertura do novo hotel «...», no Funchal em 13 de Abril de 2002 e que a ré explora, o A. actuava nele aos Domingos.

    1. - As respostas dos pontos 8.º, 26.º e 27.º da FF enfermam da falta de clareza, enquanto o conteúdo da resposta daquele e mormente da sua expressão «no montante actual de € 60,45 por actuação» não só está em contradição com as dos outros dois pontos como também nem sequer foi alegado e daí dever dar-se como não provada essa parte do ponto 8 e nunca dever ser atendida quer na sentença da 1.ª Instância quer no douto Acórdão recorrido. (artigo 664.º do C.P.C.) 4.ª - Em consequência do que se vem dizendo desde a 3.ª conclusão e ainda das regras da lógica e da experiência comum, as actuais redacções dos pontos n.os 8, 26 e 27 devem ser substituídas por aquelas outras que se lhe apontam desde o final de fls. 5 a meados de 6 do texto das Alegações e que aqui se dão como reproduzidas (fundamentando-se essas alterações nos diversos documentos ou melhor recibos que nelas se alude e referenciam ou seja em dados constantes ou fornecidos pelo processo e que impõem a decisão ora propugnada e que por sua vez não é susceptível de ser destruída por qualquer outro meio de prova).

    2. - Também se pretenderam alterar os pontos 5.º, 12.º, 13.º, 54.º por modo que passem a ter as redacções constantes de fls. 6 e 7 do texto das Alegações mas o douto Acórdão recorrido a fls. 6 indeferiu totalmente estas outras pretendidas alterações e quase in limine pretextando nos termos transcritos de fls. 10 a 12 daquele texto e o que tudo aqui se dá com o reproduzido.

    3. - E com salvaguarda do respeito devido não deve ser assim, e pode dizer-se que no caso tem cabimento o velho adágio «ser preso por ter e não ter cão» pois e por um lado os Excelentíssimos Desembargadores não leram (1), os depoimentos das testemunhas porque entendem que só poderiam fazê-lo relativamente a determinadas passagens dos mesmos e por outro também não leram a transcrição que se faz do depoimento da testemunha principal (BB) pretextando que agora não é preciso transcrever nada.

    4. - E isso quando o recurso nessa parte tem por objecto sobretudo a reapreciação dos meios de prova magneticamente reproduzidos e dos documentos de fls. 308, 7 a 139, 164 a 170, 262 a 325 pelo que a questão nada ou bem pouco tem a ver com limitação da competência do Supremo às questões de direito ou aplicação deste aos factos materiais fixado pelas instâncias, com a ressalva das sabidas excepções. (artigos 729.º n.º 3, 712.º n.º 6 do C.P.C. e 26.º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro) 8.ª - E o pouco que tem a ver é que a tónica ou o objecto principal do recurso se situa na actividade da Relação quanto à decisão da matéria de facto mas fora do âmbito daquelas disposições para se localizar e centrar no dever de sindicância da prova consagrado no n.º 2 do artigo 712.º do C.P.C. ou no do direito ao julgamento de recurso traduzido num segundo grau de jurisdição no âmbito da decisão da matéria de facto.

    5. - Por conseguinte ou face às alterações do DL 39/95 e 183/2000 citados no texto apenas incumbia aos Recorrentes, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A, do C.P.C. indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados bem como quais os concretos meios probatórios constantes da gravação e do processo que impunham decisão diversa da impugnada e como os meios probatórios fundamento do erro na apreciação eram os depoimentos gravados fez-se a necessária indicação por referências ao assinalado na acta, para além da indicação e referenciação dos aludidos documentos.

    6. - E vai daí que após algumas outras considerações (desviadas do ponto fulcral, com salvaguarda do respeito devido) o Tribunal da Relação acabe por negar provimento ao recurso sem ao menos proceder à audição de qualquer lado ou parte das cassetes referenciadas como assinaladas estão e foram na acta da audiência isto é com o inicio e termo de cada depoimento na respectiva gravação e cuja referência e sinalização foram feitas tanto no texto das Alegações da Apelação como nas XI e XlI conclusões, tal como sucede com os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados.

    7. - No caso em apreço, por bem menos ou sem precisar de tanto, o douto o Acórdão recorrido tornou a Apelação nessa parte e medida mesmo inviável e fê-lo sem ouvir qualquer parte de alguma das referidas cassetes ou de reexaminar dos aludidos documentos.

    8. - Em vez dessa audição e reexame, a Relação preferiu, a partir do já dado como não provado na 1.ª Instância e da respectiva justificação não fazer o resto acabando por não alterar uma linha do ali decidido e isso quando foi posta em causa ou se solicita uma reapreciação sistemática e substancial na prova produzida em audiência, pretendendo-se pois obter uma resposta antagónica à factualidade de diversos quesitos.

    9. - Desta feita aplicar e interpretar assim, ou como fez o douto Acórdão recorrido, as normas dos n.os 1, 2 e 5 do artigo 690.º-A, do C.P.C. violam o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa ou seja com o sentido de que o recorrente tinha de indicar relativamente a cada quesito a parte do depoimento que justificara resposta diversa a fim de viabilizar a reapreciação da factualidade impugnada sob pena de rejeição do recurso no tocante à matéria de facto.

    10. - Isto é, os n.os 1, 2 e 3 daquele artigo 690.º-A do C.P.C. e com aquela interpretação e aplicação são ofensivas do diploma básico, por equivaler a dizer que a questão ora sub judice é conflituante com a Constituição, designadamente por violação do preceituado no seu artigo 20.º n.º 1 como igualmente ofende...

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