Acórdão nº 06S3546 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 20 de Maio de 2003, no Tribunal do Trabalho do Porto, AA intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B... LEASING - SOCIEDADE DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, S. A., pedindo que, declarada a ilicitude do seu despedimento, a ré fosse condenada a pagar-lhe: (i) a indemnização por antiguidade, prevista no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que já ascendia a € 23.348,29; (ii) a quantia de € 6.234,96 euros, correspondente a um mês de férias e um mês de subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2003 e não pagos; (iii) juros moratórios legais.

Alegou, em síntese, que foi trabalhador do Banco E..., desde Outubro de 1991, sendo certo que a sua empresa original, G...-Leasing, S. A., foi incorporada por fusão naquele, e que exerceu, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções de subdirector comercial, mediante remuneração base e outras prestações regulares, tendo sido ilicitamente despedido pela ré, em 26 de Fevereiro de 2003.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou a acção e deduziu pedido reconvencional, no qual alega que, tendo sucedido na qualidade de entidade patronal ao Banco E..., ficou sub-rogada em todos os direitos e obrigações emergentes da relação jurídico-laboral que ligaram o autor àquele Banco, devendo o autor reembolsar a quantia de € 24.405,30, que o mesmo Banco lhe pagou no âmbito do despedimento colectivo que promoveu, mas, posteriormente, anulado por sentença transitada em julgado.

O autor respondeu, aduzindo que inexiste qualquer sub-rogação quanto a eventuais direitos que o Banco E... pudesse ter em relação a si, mas ainda que tal se verificasse, sempre esses alegados créditos estariam extintos por prescrição, já que decorreu mais de um ano entre a cessação do contrato de trabalho e a data em que foi deduzida reconvenção nos autos.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos formulados pelo autor, e julgou improcedente o pedido reconvencional, absolvendo do mesmo o autor.

  1. Inconformados, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, sendo o primeiro independente e o outro subordinado, tendo a Relação julgado improcedente o recurso subordinado do autor e procedente o recurso da ré e, em consequência, julgou o pedido reconvencional da ré procedente, condenando o autor «a restituir à ré B... Leasing a quantia total de € 24.405,30, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data de notificação do pedido reconvencional até integral pagamento».

    É contra esta decisão da Relação que o autor agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo, em substância, das seguintes conclusões: - O artigo 37.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, não estabelece que os eventuais créditos da anterior entidade empregadora, nomeadamente os laborais, se transmitem ao adquirente do estabelecimento; - Muito menos prevê que os valores entregues a um trabalhador em virtude da cessação ilícita pela entidade empregadora (depois declarada transmitente do estabelecimento) sejam da nova entidade; - Pelo que, a existir eventual cessão ou sub-rogação de créditos a favor da nova entidade empregadora, teria esta que alegar e provar a que título a fundamenta, o que não se vislumbra no presente processo, tendo em atenção os factos dados como provados; - Pretende, assim, o B... Leasing subverter a ratio e a letra das normas contidas no artigo 37.º da LCT, e arrogar-se direito que aquele não lhe confere; - É pacífico o entendimento da doutrina e da jurisprudência que tal norma visa proteger o trabalhador a manter os mesmos direitos e obrigações contratuais em caso de transmissão de estabelecimento, sendo que a expressão «mesmos direitos e obrigações» deve ser entendida como consubstanciando uma defesa do trabalhador e não um direito da entidade empregadora; - Já que o mesmo visa que não sejam impostas ao trabalhador mais obrigações do que tinha no contrato firmado com a original entidade empregadora; - Em suma, andou mal o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, quando concluiu, por aplicação automática do artigo 37.º da LCT, que a nova entidade empregadora assumiu os eventuais créditos que a original detinha, derivados de um pagamento de indemnização por despedimento colectivo posteriormente declarado ilícito por sentença; - A sub-rogação prevista nos artigos 589.º a 594.º do Código Civil tem a sua génese no pagamento de uma dívida por terceiro, ou seja, por pessoa ou entidade diversa do devedor; - No caso, o Banco E..., que pagou ao recorrente a indemnização decorrente do despedimento colectivo que promoveu, não é nem pode ser considerado terceiro, já que era ele a entidade empregadora do recorrente (no momento do despedimento colectivo) e a obrigação de pagamento a existir era sua; - Ou, no limite, se já se tivesse operado a transmissão do estabelecimento no momento do despedimento colectivo e pagamento da indemnização, poderia não existir dívida, nem crédito e então também tal situação escaparia à génese prevista pela sub-rogação (pagamento de dívida); - Não houve, pois, qualquer sub-rogação contratual ou legal do B... Leasing em relação aos valores da indemnização paga pelo Banco E... ao recorrente por força de despedimento colectivo; - Pelo que, a existir eventual valor a restituir sempre teria de ser o Banco E... a solicitar (aliás como chegou a fazê-lo e a recorrida bem o sabe) no processo de despedimento colectivo, que terminou por inutilidade superveniente da lide quando foi decretada a integração do recorrente; - Também não se pode argumentar que o B... Leasing deveria receber a quantia do ora recorrente socorrendo-se do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil, desde logo por duas ordens de razões; - Como está provado, quem pagou ao recorrente foi o Banco E... e não o B... Leasing, pelo que, a ter havido qualquer eventual enriquecimento, nunca o mesmo teria sido obtido à custa da recorrida, estando, assim afastado, um dos requisitos do enriquecimento que «tenha sido obtido à custa de quem pretender a restituição»; - Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 342.º do Código Civil, teria a recorrida que alegar e provar o seu empobrecimento para lhe assistir a possibilidade de accionar com sucesso o instituto do enriquecimento sem causa, o que não se vislumbra dos autos; - No que concerne à segunda ordem de razões, sempre se dirá que o Banco E..., quando despediu o recorrente, encapotando-o de despedimento colectivo, tinha conhecimento que o mesmo era ilícito (como foi decidido por sentença transitada em julgado), pois sabia que efectivamente tinha efectuado uma transmissão de estabelecimento, assim sendo, o Banco E...quando entregou o valor da indemnização ao recorrente, estava consciente que o efeito com ela previsto (o despedimento colectivo) era impossível e ilegal e agiu com má fé, já que foi ele próprio que com a transmissão do estabelecimento, impediu a verificação do referido despedimento; - Pelo exposto e de acordo com o preceituado no artigo 475.º do Código Civil, mesmo que estivessem preenchidos todos os requisitos essenciais da figura do enriquecimento sem causa, neste caso, não existe lugar à restituição; - Pelo exposto, se vê que não existe, neste caso concreto, qualquer possibilidade do B... Leasing se socorrer do estatuto da sub-rogação, nem do enriquecimento sem causa, para fundamentar a sua pretensão de lhe ser devolvida quantia que não foi ele que pagou, nem lhe foi cedida ou sub-rogada, até porque a mesma não deveria em caso algum ser restituída, atendendo ao seu comportamento e ao do Banco E..., e ao preceituado no artigo 475.º do Código Civil; - Conforme se vê da matéria dada como provada nos autos, a sentença de condenação do B... Leasing, proferida no âmbito do processo 223/01, que correu termos na 1.ª secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto, decidiu, na parte que interessa, «condenar o B... Leasing, S. A., a integrar o autor nos seus quadros em efectividade de funções e com os mesmos direitos e obrigações que detinha no Banco E..., S. A.», isto é, a única entidade que foi condenada foi o B... Leasing, o autor aqui recorrente não foi condenado a nada; - Por outro lado a recorrida B... Leasing, perdeu integralmente a acção contra ela interposta, não tendo, como é óbvio, visto a sentença decretar--lhe qualquer direito em relação ao aqui recorrente; - A essência deste assunto deve ser encontrada nos efeitos do caso julgado formal e substancial daquela sentença; - Assim, dir-se-á que a condenação determinou quanto aos efeitos substantivos qual o conteúdo da prestação devida pelo réu ao autor, e o trânsito em julgado da relação material controvertida conferiu-lhe «força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e seguintes», conforme estatui o artigo 671.º do Código de Processo Civil; - Quanto ao alcance da sentença condenatória da recorrida, preceitua o artigo 673.º do Código de Processo Civil que «A sentença constitui caso julgado, nos precisos limites e termos em que julga»; - Ora, sendo certo que o autor é que interpôs contra o réu, recorrido, acção em que peticionou a condenação deste na sua integração com todos os direitos e obrigações que detinha na anterior entidade patronal, acção e pedido esse que foi considerado procedente por provado, obriga-nos o caso julgado a interpretar da única forma possível o termo «com todos os direitos e obrigações», não podendo a entidade empregadora que integra o autor aumentar ou alterar as obrigações que este já detinha na sua anterior entidade empregadora e decorrentes do contrato de trabalho; - Tal condenação só teve um único sentido, a de obrigar a entidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT