Acórdão nº 06S1541 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução07 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção, com processo especial, de anulação de cláusulas de convenções colectivas, nos termos dos art.os 184.º e seguintes do CPT, contra a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, pedindo que os n.os 1 e 2 dos artigos (1) 48.º e 50.º, o n.º 1 do art.º 52.º e a parte final do art.º 54.º do CCT celebrado entre os referidos réus, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 33, de 8/9/1999 (2), fossem declarados nulos, por contrariarem preceitos constitucionais e disposições legais de natureza imperativa.

Para tanto e em síntese, alegou o seguinte: - é jogador profissional de futebol, tendo exercido a sua actividade ao serviço do Farense Futebol Clube SAD, na época desportiva de 1999/2000; - celebrou um contrato de trabalho desportivo com a União de Leiria Futebol SAD, para as épocas de 2000/2001, 2001/2002 e 2002/2003, mas não cumpriu esse contrato, encontrando-se presentemente ao serviço de um clube da Liga Espanhola, o Badajoz; - por não ter cumprido o contrato celebrado com a União de Leiria Futebol SAD, esta intentou contra ele um processo na Comissão Arbitral, reclamando 80.000.000$00 de indemnização e daí o seu interesse em que os aludidos artigos sejam declarados ilegais; - à data em que celebrou o contrato de trabalho de praticante desportivo com a União de Leiria Futebol SAD, estava inscrito no Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a União de Leiria Futebol SAD estava filiada na Liga Portuguesa de Futebol, encontrando-se, por isso, ambos vinculados às normas do referido CCT; - o disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 48.º do CCT, que fixa a responsabilidade do clube ou sociedade desportiva em caso de rescisão do contrato como justa causa pelo jogador, é ilegal por violar o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, uma vez que confere ao jogador o direito a uma indemnização inferior à que lhe é conferida pelo referido art.º 27.º; - o art.º 50.º do CCT, que define a responsabilidade do jogador em caso de rescisão unilateral do contrato sem justa causa, é ilegal por violar o disposto no art.º 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, uma vez que, ao contrário do disposto no n.º 1 do art.º 27.º, não estabelece qualquer limite à indemnização devida ao clube; - o disposto no n.º 1 do art.º 52.º do CCT é nulo, porquanto, em caso de rescisão unilateral do contrato por iniciativa do trabalhador, faz depender a sua participação em competições oficiais ao serviço de outro clube na mesma época desportiva em que o contrato foi rescindido, do reconhecimento de justa causa ou do acordo do clube, condiciona a liberdade de trabalho do jogador, após o termo do vínculo laboral, violando, assim, o disposto no art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 e nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; - a parte final do art.º 54.º do CCT, ao estipular que as decisões proferidas pela Comissão Arbitral Paritária constituída no âmbito e ao abrigo do CCT, não são susceptíveis de recurso judicial, independentemente dos valores em causa, também é ilegal por violar o disposto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional contestou, suscitando a "questão prévia" de que as cláusulas das convenções colectivas de trabalho não são verdadeiras normas jurídicas, não podendo, por isso, as mesmas serem julgadas inconstitucionais e pugnando pela improcedência da acção.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformado com a decisão, o autor interpôs recurso de revista per saltum, ao abrigo do disposto no art.º 725°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, resumindo a sua alegação às seguintes conclusões: 1. As leis laborais não permitem que as partes fixem livremente as indemnizações devidas pela cessação ilícita do contrato de trabalho.

  1. O contrato de trabalho do praticante desportivo está sujeito ao regime jurídico da Lei 28/98, de 26 de Junho.

  2. O artigo 27.º da Lei 28/98 estabelece que a indemnização pela responsabilidade civil por danos causados pelo incumprimento do contrato não pode exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.

  3. Se um jogador, que tiver celebrado um contrato por 12 meses com a remuneração de 1000 contos, se despedir sem justa causa ao fim de um mês, a indemnização não pode exceder 11 meses x 1000 contos = 11.000 contos.

  4. Se a Lei estabelece este limite, é ilegal e despropositado invocar o artigo 27.º do DL 49.408 ou 39.º da DL 64-A/89 ou o artigo 448.º do Código do Trabalho para justificar a existência de uma cláusula do CCT que prevê a possibilidade do jogador pagar um milhão de contos de indemnização, se o clube provar a existência desse prejuízo.

  5. Os prejuízos indemnizáveis nos termos do artigo 27.º do DL 49.408 ou do artigo 39.º do DL 64-A/89 são muito limitados, pois respeitam aos que ocorram no período do aviso prévio em falta, ou resultem da violação de um pacto de não concorrência.

  6. É, pois, incorrecto fundamentar a decisão nestes preceitos, de resto, inaplicáveis ao caso.

  7. O art.º 50.º, n.º 1 e n.º 2, do CCT permite que o jogador indemnize o clube em montante não inferior ao valor das retribuições que lhe seriam devidas e que podem atingir um milhão de contos, a despeito de o jogador só ter direito, eventualmente, se cumprisse o contrato, a 18.000 contos de salários, como acontece no exemplo que citámos.

  8. Os n.os 1 e 2 daquele art. 50.º são ilegais, pois violam o disposto no artigo 27.° da Lei 28/98, de 26 de Junho.

  9. O art.º 3.º da Lei 28/98, de 26 de Junho manda aplicar, subsidiariamente, às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo, as regras aplicáveis ao contrato de trabalho, entre as quais se contam as que disciplinam os instrumentos de regulamentação colectiva.

  10. Ora, a Lei 28/98, no aspecto que nos interessa, fixa a indemnização por rescisão ilícita de contrato, pelo que não há razão para aplicar subsidiariamente o que quer que seja, além de que as regras jurídicas não permitem que o CCT estipule indemnizações por despedimento ilícito superiores às previstas na Lei.

  11. A Lei 28/98 consagra, aliás, um regime muito mais favorável para as entidades patronais do que a lei geral (Código do Trabalho) já que permite que a indemnização possa corresponder a todos os salários convencionados no período do contrato.

  12. O artigo 50.° do CCT, n.° 1 e n.º 2, é ilegal porque prescinde de qualquer dano sofrido pelo clube, dano esse que é um pressuposto do direito de indemnização atribuído pela lei imperativa.

  13. Ou seja, se um clube lucrou com o despedimento de um jogador que não era utilizado e que se despediu, terá direito de indemnização nos termos do CCT, que não nos termos da lei.

  14. Além disso, o CCT alarga os termos da responsabilidade do praticante, transformando montantes máximos em montantes mínimos e permitindo a ultrapassagem dos tectos fixados por lei imperativa.

  15. O n.º 2 do art.º 48.º restringe o conceito de retribuições vincendas que apenas abrangem a remuneração de base e os prémios devidos até final da época, quando a lei não alude a remuneração de base nem a prémios relativos ao ano em que cessa o contrato, mas a remuneração até ao termo do contrato.

  16. O art.º 52.º, n.º 1, do CCT é ilegal porque impede o praticante de trabalhar noutro clube português, na mesma época da rescisão, mesmo que se despeça com justa causa, uma vez que tem de aguardar que a Comissão Arbitral se pronuncie sobre a mesma (o que é moroso, podendo inviabilizar a actividade noutro clube).

  17. Esta cláusula limita, assim, o direito constitucional ao trabalho e é tanto mais chocante quanto só a entidade patronal pode autorizar a inscrição, apesar de ter, eventualmente, provocado culposamente a rescisão.

  18. Os artigos citados violam o artigo 18.º, n.º 1, do DL 328/98, de 26 de Julho (3) o artigo 27.º, n.º 1, da Lei 28/98, de 26 de Junho, o art.º 6.º, alíneas a), b) e c) do DL 519--C1/79, de 29 de Dezembro, com as alterações do D. L. n.º 87/89, de 23/3 e do D. L. n.º 209/92, de 2/10, o art.º 27.º do D.L. n.º 49.408, o art.º 39.º do D. L. n.º 64-A/89 e o art.º 448.º do Código do Trabalho.

  19. Estas normas impedem que a regulamentação colectiva limite o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, contrariem normas legais imperativas e importem para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido na Lei.

    A Liga Portuguesa de Futebol Profissional contra-alegou, suscitando duas questões prévias (a não admissão do recurso, por ter sido interposto em alternativa, para a Relação ou para o Supremo e a inadmissibilidade do recurso per saltum no processo laboral) que o relator julgou improcedentes e defendendo a confirmação da sentença.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se a favor da procedência do recurso, mas apenas no que toca ao n.º 2 do art.º 48.º do CCT, em parecer a que as partes não responderam.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  20. O direito O objecto do recurso restringe-se às seguintes questões: - saber se os n.os 1 e 2 do art.º 48.º do CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1999, é nulo por violar o disposto no n.º 1 do art.º 27.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que...

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