Acórdão nº 06A4571 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelBORGES SOEIRO
Data da Resolução01 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A.

, pedindo que: Seja proferida sentença que declare transmitido para o A. marido, o direito real de habitação periódica correspondente à 33ª semana do ano, com início às 16 horas de Sábado e termo à mesma hora de Sábado seguinte, ao qual foi atribuído o n°. 1305C, apartamento 209, tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. e conhecido por Hotel Apartamento Villas de Sesimbra; Seja proferida sentença que declare transmitido para a A. mulher, o direito real de habitação periódica correspondente à 32ª semana do ano, com início às 16 horas de sábado e termo à mesma hora de sábado seguinte, ao qual foi atribuído o n°. 1304C, apartamento 209, tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. e conhecido por Hotel Apartamento Villas de Sesimbra; Seja a R. condenada a pagar aos AA. a quantia anual de € 1.440,00, por cada período anual de férias, coincidente com as mencionadas 32a e 33ª semanas e nos anos durante os quais os AA. não poderão usar o empreendimento em causa, que se vencerem desde a data de citação da R. até à data da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, ou subsidiariamente.

aos pedidos formulados em a) e b), que seja declarada judicialmente a resolução dos contratos-promessa sub judice e, em consequência a R. condenada a: 1° - restituir aos AA. as verbas de Esc. 1.862.797$00 (€ 9.291,59) e de Esc. 2.216.868$00 (€ 11.057,69), pagas por aqueles a título de preço dos direitos reais prometidos vender; 2° - pagar aos AA., a título de indemnização a quantia correspondente aos juros de mora vencidos no valor de € 16.931,99 e os vincendos, calculados sobre as verbas mencionadas em 1°, até efectivo e integral pagamento; 3° - pagar aos AA., a título de indemnização, a quantia que se mostrar suficiente para estes adquirirem a terceiro, direitos reais de habitação periódica de características semelhantes aos objecto dos contratos-promessa, em valor a liquidar em execução de sentença.

Fundamentando a sua pretensão, os AA. alegam, em síntese, que: Em 11/09/90 e em 26/12/90, o A. marido e a A. mulher, respectivamente, celebraram com a E..., Construções, Lda., contratos-promessa, nos termos do quais aquela sociedade prometeu vender e o A. marido e a A., mulher, respectivamente, prometeram comprar, o direito de habitação periódica, correspondente às 33a e 32a semanas do ano, referente ao apartamento 209, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra", mediante o pagamento pelo A. marido do preço de Esc. 1.750.000$00 e pela A. mulher do preço de 1.700.000$00, acrescidos de encargos financeiros decorrentes do pagamento diferido no tempo; O A. marido pagou à E..., Lda. a quantia de Esc. 1.862.797$00 e a A. mulher pagou à mesma sociedade a quantia global de Esc. 2.216.868$00; Nos termos contratualmente estipulados a E..., comprometeu-se a proceder à constituição do direito real de habitação periódica prometidos vender aos AA., bem como a entregar-lhes os correspondentes certificados prediais, com a específica declaração de transmissão a seu favor, no prazo que resultasse mais longo, entre o prazo de 6 meses após a construção física do imóvel ou 3 meses após o pagamento integral do preço, o que até à presente data, não foi cumprido; Desde a outorga dos contratos promessa até ao final do ano de 2002, os AA. utilizaram as semanas que lhes correspondiam e têm procedido pontual e integralmente às despesas de utilização anuais previstas no contrato; Por escritura outorgada em 06/11/96, a R. adquiriu à E..., por dação em cumprimento, o referido empreendimento turístico denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra"; Nessa escritura, a R. assumiu a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica celebrados pela E..., o que a R. não cumpriu, tendo, por cartas de 03/12/02, informado os AA. do encerramento do empreendimento em causa, com efeitos a partir de 15/11/02 e que já não poderiam utilizar as fracções afectas aos direitos de habitação periódica prometidos vender; Em 29/04/03, a R. foi judicialmente notificada pelos AA., em primeira linha, para promover a celebração da escritura pública de constituição dos direitos reais de habitação periódica prometidos vender aos AA. e a respectiva inscrição no registo, bem como para entregar aos AA. os certificados prediais correspondentes, não tendo havido qualquer resposta da R. em relação às pretensões dos AA..

A R. contestou, alegando, em resumo, que à data em que foi celebrada a escritura pública de dação em cumprimento junta aos autos (05/11/96), apenas tinha conhecimento da existência de promessas unilaterais de compra respeitantes a direitos reais de habitação periódica e que só teve conhecimento da existência de contratos-promessa em 2000. Nega ter assumido os alegados direitos e obrigações resultantes dos contratos promessa que os AA. juntaram aos autos. Conclui pela improcedência dos pedidos e pela sua consequente absolvição dos mesmos.

Foi proferido despacho saneador, no qual se precedeu à selecção de matéria de facto assente e organização de base instrutória, sendo esta última objecto de reclamação por parte da R, a qual foi indeferida.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo, a final, o Ex.mo Juiz julgado a acção improcedente, por não provada.

Inconformados os Autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que viria a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré Caixa Geral de Depósitos a pagar aos Autores a quantia de € 20.349,28, acrescida de juros de mora, vencidos desde 21.10.2003, à taxa legal de 4% e juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

Inconformada a Ré veio interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma: 1

  1. A melhor doutrina nacional que se debruçou sobre o instituto jurídico do abuso de direito na sua modalidade de venire contra factum proprium estabelece a necessária convergência cumulativa de três requisitos consubstanciadores desta modalidade: A existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento, e, por último, a convicção por parte do destinatário do factum proprium de que o autor deste se encontrava obrigado a adoptar a conduta prevista, se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados usuais no tráfico jurídico.

    2

  2. Na convicção da recorrente não só não se verifica no caso destes autos nenhum destes requisitos - nem existe facto contraditório - como ainda inexiste nexo causal entre qualquer alegado factum proprium praticado pela CGD e o alegado dano de confiança; 3a) Efectivamente, os AA. assinaram os respectivos contratos em 11.09.1990 e 26.12.1990, pagaram o respectivo preço em 30.12.1991 e 03.02.1994 sendo certo que, nos termos contratados, podiam volvidos 3 meses sobre os respectivos pagamentos interpelar a E... para a entrega dos certificados prediais respeitantes aos DRHPs, datas estas muito anteriores à da outorga da escritura de dação entre a E... e a CGD; 4a) Os AA., não obstante o decurso destes prazos, não interpelaram a E... nem exigiram judicialmente o cumprimento dos respectivos contratos, maxime a sua execução específica com registo da respectiva acção judicial, ou o pagamento do sinal em dobro, sendo objectivamente inquestionável que o incumprimento por parte da E... se verificou muito antes da escritura de dação; 5a) Esta atitude de total inércia por parte dos AA. permaneceu inalterada mesmo após a outorga da escritura de dação, não tendo os AA. interpelado a CGD para melhor se informarem e a informarem sobre a sua situação e para aquilatarem e esclarecerem quais as perspectivas que esta tinha relativamente ao empreendimento; 6a) Só após 03.12.2002, data do envio da carta da CGD que lhes comunicava o encerramento do empreendimento, sete anos depois da outorga da dação, é que, a reboque, (e mesmo assim 4 meses depois do envio das cartas), resolveram tomar a iniciativa de notificar judicialmente a CGD para que esta lhes entregasse os certificados prediais, como se a CGD por força da dação tivesse assumido por via de cessão da posição contratual da E... a posição desta nos contratos promessa assinados com os AA.; 7a) Ora qualquer normal declaratário, colocado na situação de destinatário dos direitos e obrigações estipulados na escritura de dação, concluiria que daquela não resultava qualquer cessão de posição contratual da E... para a CGD no que respeitava aos contratos promessa de constituição e de compra e venda dos DRHPs, sendo aliás certo que na sua cláusula 10a nem sequer se fazia qualquer referência a tais contratos promessa mas sim, ao invés, a meras promessas unilaterais de compra; 8a) Aliás, a citada cláusula 10a da escritura apenas vinculava - criando direitos e as correspectivas obrigações - as partes subscritoras da mesma e não terceiros à dação, sendo evidente que no texto da mesma as partes subscritoras acordaram em apôr uma mera cláusula de negociação (desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições) por força da qual se obrigaram a negociar um acordo, mas não necessariamente a realizá-lo (cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, pág.a 241); 9a) Desenvolver os melhores esforços significa que a CGD se obrigou somente a isso, sendo igualmente certo que tal obrigação foi assumida para com a E...

    e não para com os AA., que dela se não podem prevalecer; Assim, em face desta cláusula jamais poderia alicerçar-se qualquer confiança objectiva digna de...

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