Acórdão nº 06P4593 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA, carpinteiro, solteiro, filho de … e de …, nascido a 09 de Abril de 1980, na freguesia de Nossa Srª da Graça, concelho da Praia, Cabo Verde, residente na Rua do …, n° …, Santa Luzia, Angra do Heroísmo e actualmente detido no Estabelecimento Prisional dessa cidade foi condenado no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Angra do Heroísmo, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão.

Inconformado, interpôs recurso que foi recebido para subir directamente a este STJ, por tratar apenas questão de direito.

Concluiu o recorrente as suas alegações da seguinte forma: I - Numa busca domiciliária efectuada à residência do arguido que partilha com o BB e emitida por alegada prática de crime sexual, foram encontradas numa arrecadação anexa 350,05 gramas de heroína e uma balança de precisão marca "Tantra" modelo 1479.

II - O tribunal "a quo" deu como provado que o estupefaciente e a balança de precisão apreendidos eram pertença do arguido baseando-se em depoimentos de "ouvir dizer", designadamente o do agente da PSP CC prestado em audiência de julgamento e que procedeu à busca.

III - Depoimento este que se reporta a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido.

IV - Sendo que a douta acusação deduzida pelo Ministério Público foi contestada pelo arguido.

V - Ora, o depoimento da testemunha CC carecia do exercício do contraditório por parte do arguido, conforme o preceituado no Art°. 129° n° l do Código de Processo Penal.

VI - Sendo certo que assiste ao arguido o direito ao silêncio como pressuposto de não colaboração com a sua própria condenação, consubstanciado no privilégio da não auto-incriminação.

VII - O tribunal "a quo" deu como não provado que o arguido comercializava ou pretendia comercializar o estupefaciente apreendido.

VIII - Foi ainda relevado pelo tribunal "a quo" que o arguido tem três filhos todos de relações diferentes e todos com poucos meses de idade, salientando-se que na prisão, onde tem mantido comportamento adequado, tem tido apoio das mães dos seus filhos, dos familiares e dos amigos.

IX - Não tem antecedentes criminais conotados com o tráfico de estupefacientes, tendo sido apenas condenado a 70 dias de multa por condução em estado de embriaguez.

X - É um operário da construção civil, integrado no mercado de trabalho nas áreas de carpintaria, pintura e servente de pedreiro, não sendo consumidor de produtos estupefacientes.

XI - O tribunal "a quo" entendeu por bem aplicar-lhe a pena de quase 6 anos de cadeia numa moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão.

XII - O arguido, ora recorrente, contesta a douta opinião do tribunal "a quo" que dá como adquirido que a versão do agente da PSP CC é inatacável.

XIII - Quando é certo que não foi escrutinada pelo acusado, sendo nula a credibilidade da testemunha em causa, ao sustentar peremptoriamente a vadiagem do arguido a despeito dos depoimentos da entidade patronal e colegas de trabalho e das quotizações efectuadas até Abril de 2005.

XIV - Pelo que a prova dada como assente, independentemente dos meios que a ela conduziram de ordem testemunhal e documental, está inquinada por uma investigação deficiente e incompleta que lançou nas mãos do julgador o dever de punir sem curar de saber dos limites da dúvida razoável.

XV - Sem conceder, a douta decisão ora em recurso mostra-se excessiva no que tange à dosimetria penal aplicada pelo tribunal "a quo".

XVI - Ora, na fixação das penas relevam fundamentalmente a culpa do agente, a ilicitude e as necessidades de prevenção de harmonia com o artigo 72° do Código Penal.

XVII - Sendo que, a prevenção geral, dita de integração, tem por função fornecer uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico, cabendo à prevenção especial encontrar o "quantum" exacto da pena, dentro dessa função que melhor sirva as exigências da socialização.

XVIII - De notar, que o tribunal "a quo" relevou que o estupefaciente apreendido originaria 815 doses individuais, e concluiu ser uma quantidade significativa atendendo ao mercado local, apesar de dar como não provado que o arguido pretendia comercializar o produto, que implica o desconhecimento do mercado a que se destinava (inter ou extra-insular).

XIX - Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, condenar um arguido primário a quase 6 anos de prisão, gerindo uma família de tipo "guineense/muçulmano" com três filhos menores, cultivando as virtudes do trabalho e sem vícios de consumo de droga, é lançar um jovem sem cadastro no mundo espúrio das nossas prisões, verdadeiras universidades do crime com estatuto reconhecido pelos cidadãos em geral e sistema prisional em particular.

XX - E ao visar a defesa da sociedade, não podem as penas ter um fim perverso, já que, em vez de ganhar um delinquente para o seu seio, o transformam num ser irrecuperável.

Termos em que, e com o imprescindível suprimento de Vossas Excelências, deve ser julgada nula a prova testemunhal obtida em audiência de julgamento por violação do disposto no artigo 129° nº l do CPP, com as legais consequências.

Caso assim se não entenda, deve ser derrogado o douto acórdão recorrido e ser proferida decisão adequada que faça Justiça em termos de dosimetria penal.

O MP contra-motivou na 1ª instância, sustentando a manutenção do decidido, nos seus precisos termos.

Neste STJ, o sr. Procurador-Geral Adjunto, no seu visto inicial suscitou, como questão prévia, a incompetência hierárquica e material deste Tribunal por o recorrente "pôr em causa a avaliação da prova produzida em audiência, questionando entre o mais a força do depoimento de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
39 temas prácticos
39 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT