Acórdão nº 06B4373 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Na comarca de Lisboa, mas com remessa posterior do processo a Oeiras, AA intentou contra: BB; A presente acção declarativa ordinária.

Alegou, em síntese, que: Adquiriu, por doação do seu avô, na data que refere, a fracção autónoma que identifica e que havia sido arrendada ao réu; Necessita dela, contudo, para sua própria habitação, por razões que enumera.

Pediu, em conformidade, se decrete a denúncia do contrato, com consequente despejo do réu.

Contestou este, sustentando, na parte que importa, que não correspondem à verdade os factos integrantes da necessidade de habitação e que o autor não alega que não possui na área da comarca de Oeiras, onde se situa o arrendado, casa própria ou arrendada.

Respondeu o autor.

II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que a julgou procedente, com base na necessidade da fracção para habitação própria do autor.

III - Recorreu o réu para o Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a sentença de primeira instância.

Entendeu tal Tribunal, em resumo, o seguinte: O prazo de 30 anos, impeditivo da denúncia, deve ser contado até ao momento da efectivação do despejo; mas - como expressamente refere -não se fundamenta a decisão nesse ponto; Fundamentando-se antes na não verificação do requisito da necessidade da fracção para habitação do senhorio.

O acórdão tem uma declaração de voto nos seguintes termos: " voto a decisão, não se concordando com os fundamentos, maxime no que tange à interpretação que foi feita quanto à operância do prazo de caducidade do direito da acção (de 20 anos no caso em apreço) e à "vacatio " introduzida pelo Ac. T.C. de 16 de Fevereiro de 2000, citado no acórdão, vacatio essa que no nosso modesto entendimento não ocorreu. Por outra banda, igualmente se não concorda com a interpretação efectuada do normativo inserto no artigo 107.º, n° 1 do RAU (na nova redacção). Existiria, deste modo, uma causa obstativa ao peticionado despejo, adveniente do decurso do prazo "mais curto" - de 20 anos - aludido naquele normativo)." IV - Pede revista o A.

Conclui as respectivas alegações do seguinte modo: 1ª. Na petição inicial o AA procurou justificar factualmente, ainda que de forma algo sintética, a sua necessidade do arrendado, terminando por concluir que precisava de uma casa onde pudesse «residir com dignidade, privacidade e autonomia».

  1. A 1ª instância reconheceu a alegada necessidade, tendo decretado o despejo, mas a Relação revogou tal sentença, por entender que a alegada necessidade não havia sido suficientemente demonstrada para justificar o despejo.

  2. É sindicável perante o STJ a arguição do acórdão recorrido enfermar de nulidade, em qualquer das suas modalidades. E sendo tal necessidade um conceito abstracto, a preencher por factos materiais concretos, também é uma questão de direito sindicável pelo STJ determinar se a matéria de facto cimentada nos autos foi pelas instâncias devidamente interpretada ao concluírem pelo preenchimento ou não a aludida necessidade habitacional.

  3. Ora no seu recurso de apelação os RR. suscitaram três questões (embora distribuídas por 6 alíneas), que os próprios Apelantes qualificaram de nulidades da sentença previstas nas alíneas b), c) e d) do n° 1 do art° 668 do CPC, a que o A. respondeu pugnando pela sua improcedência.

  4. Logo, a Relação deveria ter conhecido das alegadas nulidades, sob pena de incorrer em nulidade por omissão de pronúncia. E, mais, só delas deveria ter conhecido, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, pois as conclusões delimitam positiva e negativamente o objecto do recurso de apelação.

  5. Com efeito, o objecto dos recursos, é limitado às questões já postas, ficando as Questões novas ficam excluídas do âmbito do recurso, tenham sido ou não levadas às conclusões (excepto se de conhecimento oficioso). E de entre as questões já postas, é limitado às questões levadas às conclusões: a. Positivamente, pois todas as questões suscitadas nas conclusões devem ser em princípio apreciadas; b. Negativamente, pois somente as levadas às conclusões deverão ser apreciadas (excepto se de conhecimento oficioso).

  6. Ora o acórdão sob revista nada diz quanto ás apontadas nulidades, considerando tão-somente que o problema "entre mãos é o de saber se o A. como a sentença decidiu - tem efectiva necessidade do locado para sua habitação». Dado o exposto, o acórdão enferma de nulidade, ex vi da ala d) do n.º 1 do art° 668 do CPC, por omissão de pronúncia.

  7. Acresce que a Relação entendeu por bem debruçar-se sobre a questão técnico-jurídica de fundo - ou seja, «... saber se o A. tem efectiva necessidade do locado para sua habitação» - o que lhe estava vedado, já que nas suas conclusões os Apelantes, em bom rigor, apenas criticavam a sentença por a considerarem ferida de nulidades (e não por erro de julgamento, de facto ou de direito). Daí a nulidade do acórdão recorrido, agora por excesso de pronúncia.

  8. Acresce que a Relação, na fundamentação do seu acórdão, invocou e apreciou matéria nova - e "nova" pois não havia sido suscitada nem apreciada em 1ª instância - e que por isso lhe era vedado invocar e/ou apreciar.

  9. Fê-lo, nomeadamente, ao estabelecer um paralelo entre a situação habitacional do A. e a situação habitacional de sua irmã .....

  10. Acresce que é no mínimo contraditório que o acórdão se permita afirmar, no mesmo segmento, que a irmã do A. «objectivamente parece estar em igual situação». Ora nada se provou quanto à irmã do A. - a não ser que é comproprietária e que vive em casa dos pais - tanto que a própria Relação admite que «neste caso, nós nem sabemos se a irmã do A. (...) também precisará da mesma casa ...».

  11. A comparação espúria prossegue no que respeita à hipotética vontade da Irmã do A, de também pretender casar e constituir família Trata-se de uma comparação anómala (por "presunção"?), não só espúria do ponto de vista processual -- porque apresentada de "surpresa" -- como totalmente balofa do ponto de vista fáctico, Para além de irrelevante para o direito, pois a Irmã do A não veio aos autos reclamar a casa",! 13ª. Quanto à argumentação de que o A estaria a pedir a casa dos autos «pelo simples facto de se atingir a maioridade» -- e que seria estribado apenas nessa circunstância que o Tribunal da 1 a instância lhe reconhecera «automaticamente» a alegada necessidade da casa - está em contradição com os fundamentos concretos em que se estriba a causa de pedir. É que foram diversas as razões invocadas pelo A, tendo sido a "maioridade" apenas uma dessas razões, como "pano de fundo" das restantes.

  12. E basta ler a sentença da 1ª instância para concluir que o apontado "automatismo" da sentença nunca existiu, pois a decisão foi minuciosa e criteriosamente ponderada, tudo menos "automática", e não atendeu apenas, nem sobretudo, à "maioridade" do senhorio.

  13. Os factos dados como provados são complexos e encadeados com grande clareza e "naturalidade". Podem ser "escassos" - como refere a 1ª instância e repete a Relação - mas só na quantidade. Mas isso não afecta a sua qualidade probatória e demonstrativa da alegada necessidade. Nem sempre a quantidade é sinónimo de qualidade.

  14. Quanto ao argumento da Relação, de que o pedido da casa está feito, ou foi deferido, «... à margem de qualquer projecto iminente e sério de casamento», contradiz a resposta dada ao quesito 9°, que na sua singeleza e amplidão diz tudo o que é necessário saber: «O A. pretende casar-se e constituir família».

  15. Facto este provado com total actualidade - tanto que a forma verbal está no presente do indicativo - sem os RR. lograrem contra-provar qualquer restrição ou reserva de qualquer ordem, material ou temporal, que levasse a pensara que o projecto não era actual ou sério.

  16. Relativamente à carta de fls 61 - que segundo a Relação «não abonaria muito a convicção sobre tal necessidade» -- encerra uma questão nova, pois nunca a dita carta fora invocada pelos RR. para o efeito de consubstanciarem e/ou demonstrarem qualquer «materialização forçada dessa anunciada necessidade».

  17. E trata-se de uma objecção meramente retórica e errónea; a carta surge nos autos num contexto totalmente diferente (alegada pressão no sentido da venda) do que pretende a Relação. E é jurídica e factualmente irrelevante, já que foi escrita muito antes da presente acção dar entrada, pelo que quaisquer "necessidades" habitacionais que ali se prognosticassem, nunca poderiam corresponder às necessidades concretas que mais tarde vieram a ser alegadas e julgadas na presente acção.

  18. Quanto à frase do acórdão - «Outro facto que deixou dúvidas é este: a casa pertence, em compropriedade, ao A. e sua irmã II» - é obscura, já que o facto do A. ser comproprietário do locado juntamente com sua irmã II nunca suscitara, até àquela data, quaisquer "dúvidas", tanto às partes como ao tribunal.

  19. Aliás, a situação de compropriedade, nos termos em que é esgrimida pelo acórdão, constituiu questão nova, já que nunca os RR. haviam pretendido retirar dessa "compropriedade" qualquer excepção, ou afirmação de maior exigência aos senhorios - fosse de que natureza fosse - que lhes fosse favorável ou então desfavorável à pretensão do A ..

  20. Por outro lado, a afirmação segundo a qual «a existência de outros com proprietários põe necessariamente, uma maior exigência de provar quanto a invocada necessidade» traduz erro de direito - pois essas suposta "maior exigência" não decorre da letra da lei nem sequer do seu espírito, sendo certo que a lei (art. 71-b RAU) apenas fala em casa "que satisfaça as necessidades de habitação ..." do senhorio, e nem é defendida por jurisprudência conhecida.

  21. Em parte alguma a lei distingue os casos de despejo em que a propriedade do locado é detida por um único titular, daqueles em que existem vários comproprietários, isto para o efeito específico de exigir naquele caso uma "necessidade" mais leve ou menos intensa do que nestes. Num caso como noutros a necessidade deve ser...

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