Acórdão nº 06P4351 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução18 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA, com os sinais dos autos, foi condenado na 2ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática de sete crimes de roubo, previstos e punidos pelo art. 210º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

Desta decisão recorreu o MP para este STJ, alegando o seguinte: Ao interpor o presente recurso, cuja matéria de facto se não põe em crise, fazemo-lo por discordar de dois aspectos com relevância para a decisão da causa.

O primeiro prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter feito, em nosso entender, uma errada subsunção dos factos ao Direito, qual seja a de considerar que a seringa utilizada pelo arguido aquando da prática de um dos crimes de roubo não constitui circunstância agravante (arma) desse mesmo crime.

O segundo prende-se, quanto a nós, com o facto de a medida da pena concreta encontrada, ou seja três anos e seis meses de prisão, não realizar de forma adequada as finalidades da punição, designadamente ao nível da prevenção geral e especial, entendendo nós que a mesma deveria cifrar-se a nível superior.

Efectivamente, o tribunal deu como provado que, para praticar o roubo de 29/3/06 («Ourivesaria Malaquite»), o arguido exibiu perante a empregada da loja «uma seringa usada, embrulhada em prata, que deixava ver a ponta de uma agulha, apontou-a na direcção da funcionária», exibição essa que persistiu já depois de se ter apoderado do bem subtraído (números 39 e 40 da matéria de facto).

E deu também como provado que, ao usar a dita seringa, o fez «com o propósito de intimidar e constranger as suas vítimas, impedindo-a de reagir, o que efectivamente conseguiu» (n° 44).

Ora, «para efeitos do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim», como prescreve o art. 4º do Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março.

E o crime de roubo será qualificado quando o agente trouxer arma no momento do crime, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 210º, nº 2, al. b) e 204° n° 2 al. f) do Código Penal. A esse crime corresponde a moldura penal de 3 a 15 anos de prisão.

A razão de ser dessa agravante está, a nosso ver, na maior perigosidade objectiva que a posse de uma arma representa em circunstâncias como as do facto em questão. Perigosidade essa que se traduz na fragilização acrescida de bens jurídicos pessoais da vítima, em especial a integridade tísica e a própria vida.

É claro que uma seringa (completa: êmbolo e agulha, como neste caso), à semelhança de tantos outros objectos da vida corrente (v. g., uma faca de cozinha ou um machado), não é em si mesmo uma arma. Mas pode ser utilizada como tal (como o foi).

E, sendo-o, deparamos com um instrumento perfurante (como um pequeno estilete) susceptível de provocar lesões físicas graves, susceptíveis até de conduzir à morte. Pense-se, desde logo, na perfuração do globo ocular, ou, bem pior, na lesão da bexiga na sequência de um golpe dado no ventre, idóneo a provocar uma peritonite fulminante.

Neste estrito plano, afigura-se-nos de todo indiferente para o funcionamento da agravante que a seringa em questão fosse ou não usada. O facto de o ser, e de tal ser perceptível pela vítima, poderá (e deverá) ser tido em conta na medida da pena concreta, dentro do quadro prévio da moldura penal qualificada.

E na mesma sede deverá ser considerada a representação social da ameaça com seringa enquanto processo executivo de um crime (predatório ou não). O cidadão comum tende a ver nela um factor de contaminação de doenças graves (SIDA, hepatite C, etc.), sobretudo quando o seu portador é manifestamente um toxicodependente (era, aliás, o caso).

Em suma: porque o arguido se muniu de uma seringa que utilizou em disposição de ofender fisicamente a vítima, terá o crime de roubo de ser qualificado pela especial perigosidade do meio, ou seja, pela arma.

Também a medida da pena única aplicada é merecedora de reparo.

Passa-se aqui em claro o facto de todos os crimes terem suscitado igual pena, sem consideração do diverso grau de lesão dos bens jurídicos tutelados nem ponderação do poderoso meio coactivo utilizado pelo arguido em seis deles (uma pistola, por sinal inoperante, o que é indiferente para o coagido, que de tal é suposto não saber).

O que mais releva, a nosso ver, é que se ficou aquém das necessidades de prevenção (geral e especial) que este conjunto de comportamentos criminais requer.

O arguido, que já não era propriamente um jovem (tinha 35 anos), valeu-se sempre da superioridade que lhe conferia o meio coactivo utilizado (uma aparência de arma de fogo, em seis casos, a seringa, no sétimo), para, em circunstâncias banais e absolutamente pacíficas da vida quotidiana (nas quais o cidadão comum se deve sentir plenamente tranquilo), assaltar pessoas indefesas (normalmente isoladas, normalmente mulheres) para subtrair o que melhor lhe apetecia.

E fê-lo para manter um padrão de abuso de drogas duras que já lhe acarretara a perda do emprego e dos meios de subsistência - o que de modo algum se pode considerar um propósito com o menor valor de socialidade nem de relevância humanitária. (Curioso é que o dinheiro que então lhe faltava tenha aparecido tão depressa já depois de preso e à boca do julgamento para indemnizar algumas das vitimas).

Nem a sociedade se compadece com uma pena tão singela como aquela que foi aplicada, nem o arguido dá garantias de que não voltará a reincidir num quadro motivacional semelhante (note-se que negou exaustivamente e contra todas as evidências o uso da seringa, desculpou-se ligeiramente com a toxicodependência, e apenas assumiu o que lhe era de maior conveniência estratégica).

CONCLUSÕES 1ª Por se ter considerado que a seringa não era uma arma para efeitos de qualificação de um dos crimes de roubo violou o acórdão recorrido o disposto no artigo 210° n° 1 e n°2 al. b) com referencia ao artigo 204º nº 2 al. f) do CP com reflexo na medida concreta daquela pena que se cifrou em limite inferior àquele que deveria ter sido encontrado.

2a A medida concreta da pena aplicada não realiza de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial assim se violando o disposto no artigo 40° do CP e, bem assim, o artigo 71° do mesmo diploma legal; deve, pois, a medida de pena cifrar-se em limite superior àquele que foi encontrado pelo tribunal a quo.

Contra-alegou o arguido, pugnando pela integral manutenção do acórdão recorrido.

É a seguinte a matéria de facto fixada pela 1ª instância: Factos provados: 1. O arguido é consumidor de droga desde os 20 anos de idade, e no início do mês de Março de 2006 deixou de exercer funções na empresa "Salvador Caetano", onde trabalhava.

  1. Porque ficou desempregado, e necessitava adquirir o estupefaciente que consumia diariamente, decidiu efectuar roubos para assegurar o dinheiro que precisava, usando a...

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