Acórdão nº 06S1832 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório.

"AA" intentou, no Tribunal de Trabalho do Porto, a presente acção emergente do contrato de trabalho contra Empresa-A, Empresa-B, e Empresa-C pedindo a condenação da primeira ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a condenação dessa e todas as restantes rés a restituírem-lhe determinadas verbas e a pagar-lhe a diferença salarial relativa ao subsídio de férias do ano de 1996.

O juiz de primeira instância, no despacho saneador, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal.

Tendo o autor agravado desse despacho, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso e declarou o Tribunal de Trabalho do Porto internacionalmente competente para conhecer da acção (acórdão de fls. 1056-1060) .

Em agravo de 2ª instância, o Supremo Tribunal de Justiça anulou o acórdão da Relação e determinou a baixa do processo à primeira instância para dilucidação da questão de saber qual o local de celebração do contrato de trabalho que vinculou o autor (fls. 1106-1117).

Em diligência de inquirição de testemunhas, o autor veio desistir da totalidade do pedido deduzido contra a terceira ré, e, na sequência, o juiz, pelo despacho de fls. 1201-1211, julgou válida a desistência quanto ao pedido formulado contra essa ré, assim a absolvendo do pedido, e procedente a excepção dilatória da incompetência internacional, absolvendo todas as demais rés da instância.

O autor de novo agravou deste despacho e as rés interpuseram recurso subordinado, pretendendo que, caso venha a ser julgado procedente o recurso principal, se não admita a desistência do pedido contra a ré Empresa-C, e, em consequência, se faça prosseguir o processo contra todos os iniciais demandados.

A Relação julgou procedente o recurso principal e negou provimento ao recurso subordinado, assim revogando o despacho recorrido na parte em que havia declarado a incompetência internacional do tribunal (acórdão de fls 1356-1373).

As Rés interpuseram então recurso de agravo de 2ª instância (fls 1377 e segs.), em que formularam as seguintes conclusões: 1. O Acórdão sob censura padece de vício de omissão de pronúncia quanto à questão prévia de rejeição do recurso por incumprimento por parte do Recorrido dos ónus de especificação prescritos nos artigos 690.º-A do Código de Processo Civil, suscitada pelas Recorrentes em sede de contra-alegações de recurso de Agravo em 1.8 instância, não tendo tal questão sido objecto de decisão, nem em sede de exame preliminar do recurso, nem no corpo do próprio Acórdão em apreço, o que representa violação do disposto no artigo 660.°, n.º 2, do Código de Processo Civil, determinante da nulidade do mesmo, nos termos da alínea d) do n.o 1 do artigo 668.°, aplicável por força do artigo 716.°, todos do mesmo diploma legal, cuja declaração se requer.

  1. O ora Recorrido ao impugnar a interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.8 instância relativamente à questão do local celebração do contrato em função dos factos dados como provados, não cumpriu os ónus de especificação previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, pois não discriminou nas alegações e conclusões do recurso principal de agravo em 1.8 instância os factos concretos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova constantes dos autos, e da gravação nele realizada que, por referência ao assinalado na acta nos termos do n.º 2 do artigo 522.º-C do mesmo diploma legal, impunham decisão diversa relativamente aos factos que considera incorrectamente julgados.

  2. O Tribunal a quo, sem prejuízo do Acórdão sob censura ser nulo por omissão de pronúncia, ao ter admitido o recurso interposto pelo Recorrido e conhecido do seu objecto - a interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.ª instância relativamente à questão do local celebração do contrato em função dos factos dados como provados -, violou o disposto no aludido artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, pois este estabelece como consequência para os casos de incumprimento por parte do recorrente dos ónus de especificação, a rejeição do recurso interposto.

  3. O Acórdão em apreço encontra-se em contradição com uma corrente jurisprudencial unânime, vertida, a título de exemplo nos Acórdãos da Relação do Porto, de 1 de Março de 2001 e de 19 de Novembro de 2001, a qual debruçando-se sobre os casos em o recorrente tenha impugnado a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1. a instância sem ter dado cumprimento aos ónus previstos no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, o Tribunal ad quem não poderá conhecer do objecto do recurso interposto, devendo o mesmo ser liminarmente rejeitado, o que deverá ser igualmente transportado para os casos em que o fundamento do recurso é impugnação da interpretação realizada pelo Tribunal de 1.ª instância relativamente à questão do local celebração do contrato, de acordo com os factos dados como provados, sem que tenha cumprido os ónus referidos.

  4. A alteração pelo Tribunal recorrido da interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.a instância relativamente à questão do local de celebração do contrato, em função dos factos dados como provados não tem qualquer sustentabilidade jurídica, pois das alíneas d) a f) dos factos assentes apenas se constata que: o representante da Empresa-D afirmou ao Recorrido que o contactaria em momento posterior, se fosse seleccionado; que o mesmo representante regressou a Londres e apresentou as conclusões sobre os candidatos entrevistas, sendo o procedimento normal enviar uma proposta de emprego, com os termos e condições, acompanhado de um cópia, destinada a ser datada, assinada e remetida posteriormente para Londres; e que a carta enviada pelo representante da Empresa-D para a Empresa-A, em Luanda, foi acompanhada de um formulário preenchido pelo Recorrido entretanto remetido por este último para aquele.

  5. Atendendo aos factos acima descritos, apenas se poderia concluir que o local da celebração do contrato, entendendo este como o local em que as declarações de vontade do Recorrido e da Empresa-D se encontrara, foi efectivamente Londres, como o havia sustentado o Tribunal de 1.ª Instância, de acordo com o disposto no artigo 224.°, n.º 1, do Código Civil.

  6. A interpretação preconizada pelo Tribunal recorrido de que, dos factos assentes - em especial do vertido na alínea f) - não seria possível determinar o local da celebração do contrato por, na data da remessa da declaração do representante da Empresa-D ainda não estar concluído nenhum contrato, para além de não ter valorado a confissão judicial feita pelo Recorrido no artigo 5.° da petição inicial (expressamente aceite no artigo 3.° da Contestação), não atendeu ao facto de que as vontades do Recorrido e daquela empresa se encontraram mediante a remessa de uma proposta-tipo, tendo o recorrido remetido um formulário para aquela empresa, o qual foi enviado pelo representante da Empresa-D para a Empresa-A, em Luanda.

  7. Pelo que, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 224.°, n.º 1, do Código Civil, tendo ilicitamente desconsiderado a existência de uma proposta contratual e de aceitação respectiva por parte da Empresa-D e do Recorrido, ..., de um verdadeiro contrato, em contradição com o facto confessado no artigo 5.° da Petição Inicial, de que foi aquela empresa que o contratou, o que representa violação do disposto no n.º 1 do artigo 358.° do Código Civil que fixa a força probatória plena da confissão judicial escrita, o que não foi tido em consideração pelo Tribunal Recorrido.

  8. Bem como representa contradição do Acórdão recorrido com o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Julho de 1981, e 17 de Dezembro de 1997, relativos respectivamente ao valor de prova plena da confissão judicial, e à forma pela qual se processa a formação de um qualquer contrato.

  9. Sendo o local da celebração do contrato Londres, é este o factor de conexão pelo qual se terá de aferir a competência internacional dos tribunais portugueses, não sendo aplicável o artigo 11.º do Código de Processo de Trabalho de 1981 mas antes o artigo 2.º da Convenção de Bruxelas, donde se conclui que são competentes para conhecer da presente acção os tribunais ingleses, em detrimento dos tribunais portugueses, porque absolutamente incompetentes em razão da nacionalidade por força da norma aludida.

  10. O Tribunal recorrido, não obstante ter considerado que a competência do tribunal fixa-se no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto supervenientes para efeitos do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, deu relevância aos efeitos jurídicos da desistência do pedido e à sua homologação respectiva.

  11. A desistência do pedido, nos termos do artigo 295.º do Código de Processo Civil, extingue, quer o direito que o autor pretendia fazer valer na acção respectiva, quer os respectivos factos constitutivos oportunamente alegados na petição inicial, o que implica assim a ocorrência de modificações de facto e de direito para efeitos do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que ficarão cobertas pelo efeito de caso julgado da sentença homologatória da desistência.

  12. Nos termos e para efeitos do artigo 22.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o momento em que a competência do tribunal deverá ser apreciada é sempre o da propositura da acção, atendendo aos elementos da relação jurídica processual e da relação material controvertida e ao direito aplicável nesse preciso momento, todas e quaisquer modificações de facto e de direito supervenientes dão irrelevantes.

  13. Pelo que, no presente caso a competência do tribunal deveria ter sido aferida por referência ao momento da propositura da acção, qualificando os efeitos da desistência do pedido contra a 3.ª Recorrente Empresa-C como irrelevantes, não tendo o Tribunal recorrido realizado tal qualificação, o mesmo violou o disposto no artigo 22.° da Lei n.º 3/99, de 13 de...

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