Acórdão nº 06S2709 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | FERNANDES CADILHA |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: Relatório.
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"AA" intentou a presente acção, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, contra a Empresa-A, pedindo a condenação da ré no pagamento de diversas quantias relativas a retribuições em dívida e também uma indemnização por danos morais resultantes de violação do dever de ocupação efectiva e uma indemnização a título de compensação por indevida declaração de caducidade do contrato de trabalho para o momento em que o autor perfez 70 anos de idade.
Em sentença de primeira instância a acção foi julgada procedente relativamente a diferenças salariais devidas a título de férias e subsídio de férias, bem como ao pedido de indemnização por caducidade do contrato de trabalho, e julgada improcedente quanto aos demais pedidos, incluindo o relativo à violação do dever de ocupação efectiva.
O Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo autor, e condenou a ré a pagar a importância de € 25000,00 a título de indemnização por danos morais por violação do dever de ocupação efectiva, mantendo no mais o julgado em primeira instância.
É contra esta decisão que reagem de novo o autor e a ré mediante recurso de revista.
Nas suas alegações, o autor formulou as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido embora encetando uma via de correcção da grave injustiça que representou a sentença de 1ª instância, quedou-se a meio do caminho, aquém, muito aquém do que o recorrente se julga merecedor.
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Desde logo, quando qualifica como lícita a conduta da Ré de retirar o A. do Gabinete de Engenharia, onde ele havia trabalhado anos a fio, mandando-o, montado num jeep todo o terreno, percorrer o país de lés a lés, a "coordenar e fiscalizar a actividade de empreiteiros", primeiro, e "acompanhar a reposição dos terrenos no seu estado inicial e a sua devolução aos respectivos proprietários", depois.
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Claro que não importa para apreciar a licitude ou ilicitude de tal procedimento lançar tiradas grandiloquentes sobre a importância da rede, pois o que releva é em substância a natureza das funções que a Ré lhe cometeu.
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E que no fundo foram funções de um mero agrimensor (talvez como K. do "Castelo" de Kafka) , de um vulgar medidor de terras, dividindo e/ou demarcando propriedades rurais, depois de ter feito de coordenador ou fiscal dos empreiteiros, mestre de obras, ou seja, "artífice que orientado pelo engenheiro e pelo arquitecto dirige a execução de mão de obra civil" (ct: Dicionário Houaiss).
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Ou talvez mais exactamente se deva qualificá-lo como capataz ou como feitor, Engenheiro jamais, visto que este é o profissional que se licenciou em Engenharia e exerce a profissão em qualquer dos diversos ramos, químico, electrónico, agrónomo (cf. Dicionário).
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Enquanto um Engenheiro Grau V, que o A. era, como se lê do respectivo descritivo, tinha como funções essenciais a) coordenar programas de trabalho de elevada responsabilidade, com aplicação de conhecimentos científicos e técnicos correspondentes à sua formação de base, desenvolvida pela especialização técnica e experiência acumulada.
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podendo desempenhar funções de estudo, investigação e solução de problemas complexos ou especializados envolvendo conceitos e/ou tecnologias recentes ou pouco comuns d) podendo supervisionar directa ou continuamente engenheiros ou equipas de engenheiros da sua e/ou de outras especialidades cuja actividade coordena e controla.
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Funções elevados e tecnicamente complexas das quais hipocritamente a Ré o afastou, fazendo-o baixar a funções inferiorizantes e desvalorizantes, vexatórias, de mestre de obras/capataz/feitor/agrimensor/medidor e devolvedor de terras...
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E tudo isto, como a Ré se vangloriava na sua carta de 19 de Maio, de 2000, por virtude de "outras acrisoladas funções que o mesmo desempenhava", leia-se funções, de representante e de defensor dos trabalhadores.
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O acórdão, ao considerar que "a conduta da Ré foi lícita", faz tábua rasa de disposições claras e inequívocas, segundo as quais - o trabalhador deve em princípio exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado (nº 1 art. 22° LCT).
- e que embora a entidade patronal possa encarregar o trabalhador de executar outras actividades, estas devem ter "afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal" (nº 2 art. 22° LCT).
- e que tal só é permitido se o desempenho da função normal se mantiver como actividade principal do trabalhador, não podendo em caso algum as actividades exercidas acessoriamente determinar a sua desvalorização profissional (nº 3 art. 22° LCT).
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De onde resulta, cremos, indiscutivelmente, que a conduta da Ré foi grosseiramente ilícita, afrontosa e vexatória da competência, do mérito e da dignidade profissional do trabalhador, pelo que terá de ser condenada a indemnizá-lo por todos os danos gravíssimos, morais e materiais, que lhe causou.
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O A. sofreu uma grave desvalorização profissional, por durante cerca de 6 anos ter exercido funções inferiorizantes. que a Ré lhe impôs, ter sido atirado para o Quadro dos Excedentários a partir de Abril de 2000, com ausência total e absoluta de funções de qualquer espécie, pelo que não pôde acompanhar os progressos que aceleradamente se verificaram na sua profissão de Engenheiro Químico.
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Como aliás se reconhece no acórdão recorrido quando escreve que "como o A. exercia uma função eminentemente técnica que exigia estudos constantes, permanente aperfeiçoamento e permanente contacto com o trabalho", a sua colocação na "prateleira" acarretou-lhe "obviamente uma, grande desvalorização".
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Ora se a desvalorização profissional tem uma vertente moral ou não patrimonial - e foi esta a única que o acórdão reteve - não é menos verdade que além desta, tem ainda também uma vertente patrimonial.
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Como diz Galvão Telles "com estas ofensas de interesses imateriais em si mesmas consideradas, não se devem confundir as consequências desvantajosas que delas resultem para o património do ofendido e que constituem danos patrimoniais".
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Danos estes que não podem deixar de ser indemnizados autonomamente, em separado, dos danos morais de que a desvalorização também é causa.
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Computar tal desvalorização em 10%, atentos os 6 anos de paragem e estagnação profissional do A, que numa profissão eminentemente técnica, representam irreversível retrocesso, só pode pecar por defeito, não por excesso.
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O acórdão recorrido reconhecendo que o A sofreu "uma grande desvalorização", um "vexame" e uma "humilhação", que foi atingido "necessariamente na sua condição e reputação profissional" por a Ré ter decidido "puni-lo (aplicar-lhe a sanção da inactividade)", avaliou tais danos em quantia que no nosso entender fica aquém, muito aquém, da extensão e da gravidade de tais danos.
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Além disso, e para além do que se entendeu no acórdão recorrido, não se podem esquecer os graves danos morais que a Ré lhe causou, ao impor-lhe durante cerca de 2 anos funções inferiorizantes e degradantes, de mero feitor/mestre de obras/agrimensor/medidor de terras, em jeep montado galgando todo o terreno.
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A Ré desvalorizou e humilhou profissionalmente o A., inferiorizou-o, negou-lhe o direito ao trabalho mantendo-o desocupado desde Abril de 2000, e acabou, para fim de festa, por expulsá-lo da empresa decretando a sua reforma um mês antes de ele completar 70 anos de idade.
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A Ré agiu com dolo intenso, movida por claro intuito retaliatório e revanchista por ele ter outras "acrisoladas funções" como a Ré lhe chamou, quais fossem a de representante e de defensor dos trabalhadores.
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Como se escreve e bem no acórdão recorrido "além de ter violado o direito à integridade moral, à reputação, à dignidade pessoal e profissional do autor (direitos garantidos pelos art°s 25° e 26° da Constituição) a Ré com o citado procedimento vexou-o, humilhou-o, atingindo-o na sua reputação profissional e moral e desvalorizou-o".
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São danos graves, muito graves, diríamos incomensuráveis, que exigem uma compensação que exceda em muito a que o acórdão fixou, podendo considerar-se como razoável fixá-la num valor próximo da indemnização de antiguidade, critério este que já tem sido utilizado, e cremos se mostra ao caso adequado.
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A compensação dos danos morais seria obtida pelo produto da retribuição de € 2.547,43 mês x 45 dias úteis x 45 anos de"antiguidade, o que nos daria uma compensação um pouco acima dos 200 mil euros que se pediram, a qual, como se vê, não pode considerar-se que peque por excesso, mas é proporcionada.
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É ainda devida ao A. a compensação prevista para a caducidade do contrato, de 3 dias por cada mês de duração do vínculo.
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Não obstante o Código do Trabalho na alínea d) do art° 392° a negar expressamente, tal disposição deverá considerar-se inconstitucional, uma vez que afronta o princípio da justa indemnização do art. 62°/1 da CRP, o qual, segundo Meneses Cardoso, se tem de entender no sentido amplo "de direitos patrimoniais privados".
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Tal disposição iníqua e prepotente contende também com os princípios constitucionais do Estado de direito democrático (art° 2°), da segurança no emprego (art° 53°), do direito ao trabalho (art° 58°) e do direito à retribuição (art° 59°).
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E como diz Francisco Liberal Fernandes "não se descortina qualquer fundamento juridicamente relevante, seja no plano estrutural seja a nível funcional, que possa justificar o estabelecimento de outras diferenças de tratamento, para além daquelas que o próprio legislador consagra em termos expressos", uma vez que "a caducidade do contrato a termo implica sempre a lesão (ainda que de efeitos diversos) do mesmo tipo de interesses do trabalhador, isto é, de interesses que têm directamente a ver com a precariedade do vínculo laboral, qualquer que seja a especificidade jurídica que revista" 28. A indemnização por caducidade, acrescenta, "está estrutural e funcionalmente ligada à precariedade inscrita FIO contrato a termo", pelo que...
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Acórdão nº 08S2060 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009
...actual art.º 392.º, n.º 1, e o que já se dispunha no então art.º 5.º, parece apontar o Acórdão do STJ de 17.01.07 - [In www.dgsi.pt, Proc. n.º 06S2709] -, que a ela faz Aqui chegados, e não esquecendo que o tema central da questão é a da determinação do início de contagem do prazo prescrici......
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Acórdão nº 08S2060 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2009
...actual art.º 392.º, n.º 1, e o que já se dispunha no então art.º 5.º, parece apontar o Acórdão do STJ de 17.01.07 - [In www.dgsi.pt, Proc. n.º 06S2709] -, que a ela faz Aqui chegados, e não esquecendo que o tema central da questão é a da determinação do início de contagem do prazo prescrici......