Acórdão nº 06P3056 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução10 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

1.1.

O Arguido AA, solteiro, taxista, nascido em 16 de Outubro de 1978, natural da freguesia de Santa Catarina, concelho de Lisboa, filho de BB e de CC, residente na Rua .., nº..., na Moita, respondeu perante o Tribunal Colectivo do 1º Juízo da comarca da Moita, no Pº 269/04.1PA/MTA sob a acusação de ter praticado, em autoria material e em concurso real, um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131°, 132°, n°s 1 e 2, alíneas d), in fine, e h), 22° e 23°, de três crimes de ameaça, p. e p. pelo artº 153°, nºs 1 e 2, e de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artº 181º, todos do CPenal (este último por acusação articular da assistente DD.

A final, foi: - Absolvido da prática de um dos crimes de ameaça e de um dos crimes de injúria e - condenado: - pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 132º, nºs 1 e 2-alíneas d) e g), 22° e 23°, todos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão; - pela prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artº 153°, nºs 1 e 2, em conjugação com os arts. 131° e 132°, também do CPenal, nas penas de cinco meses de prisão, por cada um deles; - pela prática de um crime de injúria, p. e p., pelo artº 181º, ainda do CPenal, na multa de sessenta dias à taxa diária de €3,00, com a alternativa de 40 dias de prisão subsidiária.

- em cúmulo jurídico, foi condenado na pena conjunta de cinco anos e seis meses de prisão, a que acresce a referida pena de multa.

Inconformado com o acórdão, o Arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo seu acórdão de 24.05.06, fls. 879 e segs., lhe negou provimento.

Ainda não conformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «1. Entende o recorrente que o douto acórdão enferma de nulidade que argui nos termos do art. 379° n°. 1 al. b) e art. 358° ambos do Código de Processo Penal, porquanto considerou provados factos que constam dos n°. 3, 4 e 5 e 25 da fundamentação do acórdão, os quais não constavam da acusação, revelaram-se importantes e concorreram decisivamente para a conclusão de direito a que o Tribunal chegou, condenando o arguido pelo crime p.p. pelo art. 131°, 132° n°.1 e 2 al. d) in fine e h), 22° e 23 do C.P.

  1. Ao arguido, quanto a estes factos, não foi concedido contraditório, postergando-lhe os seus direitos de defesa e violando-lhe os direitos constitucionais.

  2. O tribunal violou desta forma ao dar por assentes tais factos, o art. 358° n°. 1 do Código de Processo Penal, 32° n°. 1 e 5° da CRP, donde resulta a nulidade do acórdão nos termos do art. 379° n°. 1 al. b) do Código de Processo Penal.

  3. Nos termos do art. 410 n°. 3, 374 n°. 2, 379° al. a) e 122 n°. 1 e 2 todos do Código de Processo Penal, arguiu-se a nulidade do acórdão.

  4. O arguido vinha acusado de um crime de homicídio na forma tentada, p.p. pelo art. 131º, 132° n°. 2 al. d) e h) e 22° e 23° do C.P., imputava-lhe a acusação a acção de ter desferido três facadas no peito ao ofendido EE.

  5. Sucede que a prova pericial nos autos a fls. 97, 116 a 124, 235 e 236, 349 a 418, é por demais esclarecedora que o ofendido padeceu apenas de uma ferida provocada por arma branca, e que as demais feridas decorrem dos tratamentos e cirurgia a que teve de ser sujeito.

  6. O arguido confessou as circunstâncias em que desferiu apenas um golpe no ofendido.

  7. O Tribunal consignou no n°. 22 dos factos provados que o arguido golpeou EE no peito, e sobre estes factos, nada consignou no elenco da matéria não provada.

  8. Entende-se existir omissão de pronúncia quanto a um facto essencial sendo que a tomada de posição do Tribunal a quo quanto à actuação do arguido não se mostra minimamente satisfatória.

  9. O Tribunal utilizou a expressão golpeou, para caracterizar a actuação do arguido sendo que, tal expressão, significa fazer cortes, incisões profundas num corpo, ou dar ou ferir com golpes o mesmo que retalhar.

  10. Assim ao dar como provado tal facto, o Tribunal não clarificou inequivocamente, a actuação do arguido, afastando-se injustificadamente da prova pericial, e tal facto provado, não se mostra perceptível na fundamentação.

  11. O Tribunal não respondeu assim de forma clara ao facto imputado ao arguido, e ao acolher a expressão golpear, sem qualquer fundamentação deixou dúvidas quanto ao seu raciocínio lógico, já que a intenção do arguido, se poderia aferir do número de facadas que este teria infligido no ofendido.

  12. Face ao exposto, e dado a importância deste facto, temos como certo que o douto acórdão não satisfez as exigências quanto aos seus requisitos essenciais e violou o disposto no art. 374° n°. 2, da qual resulta a sua nulidade nos termos do art. 379° al. a), ex vi o disposto do art. 410 n°. 3, e cujos efeitos resultam do art. 122 n°. 1 e 2. todos do Código de Processo Penal.

  13. O Tribunal teria, à contrário, que considerar provado que o arguido deu uma facada ou um golpe no ofendido, e assentar como não provado que o arguido tenha desferido três facadas no peito de EE.

  14. Nos termos do art. 410 n°. 2 al. a) do Código de Processo Penal, impugna-se o acórdão recorrido, porquanto se entende que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício que resulta do texto da decisão, por si só, e conjugada com as regras da experiência comum.

  15. A acusação imputava ao arguido a acção de este ter infligido três facadas no ofendido EE, juridicamente apta a causar-lhe a morte e demonstrativa da intenção dolosa do arguido.

  16. O tribunal consignou provado que o arguido golpeou EE no peito, e que quis tirar-lhe a vida, atingindo-o em zona do corpo onde se alojavam órgãos vitais, e que o arguido e o ofendido EE não se conheciam, nem nunca tinham falado um com o outro.

  17. O Tribunal concluiu que o elemento subjectivo do crime tipo em apreço, se mostra preenchido pela zona corporal atingida. Atendeu apenas que do local do corpo do ofendido atingido pela faca, era suficiente para concluir da intenção dolosa do arguido.

  18. Salvo o devido respeito, a intenção do arguido não pode ser aferida apenas com base no local do corpo atingido pela faca, único elemento que o tribunal utilizou para fundamentar o preenchimento do elemento subjectivo.

  19. Ao concluir nestes moldes o Tribunal violou os art. 131, 132° do Código Penal, e ainda os art. 143° e 144 al.d) do C.P., enquadramento jurídico a nosso ver, correspondente à matéria de facto provada.

  20. Nos termos do art. 410 n°. 2 al. c) do CPP, se entende que o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova.

  21. O Tribunal ao consignar no elenco da matéria de facto provada, os factos contidos nos n°. 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 11 e 34 da matéria assente, errou na apreciação da prova, esta analisada pelo homem médio à luz das regras e da experiência comum.

  22. Sinteticamente consignou o Tribunal provado que: - No dia em que os factos ocorreram - 02 de Setembro de 2004 -, se encontraram no restaurante ..., EE, ofendido, e FF, o primeiro marido da assistente DD, o segundo genro do proprietário.

    Que ambos almoçaram juntos na mesma mesa.

    Que a assistente DD e a mulher do FF - GG -, contaram aos maridos que nesse mesmo dia o arguido havia injuriado e ameaçado DD, mulher do EE.

    Que GG avistou o arguido a caminhar na direcção da travessa que dá acesso ás traseiras do restaurante e gritou "ele vai aí a passar".

    Que de imediato FF e EE se levantaram, saindo FF pela porta da frente no encalço do arguido e o EE pela porta das traseiras em direcção à travessa.

    Que o FF se muniu de um varão de cortinado em pinho, com 61 cm de comprimento de 3,5cm de diâmetro.

    Que o arguido e o ofendido não se conheciam nunca tinham falado um com o outro.

  23. Ora desta prova não se pode retirar, por não ser razoável, que não tenha havido uma combinação entre EE e FF, para apanharem o arguido, encurralando-o na travessa, foi esta aliás a versão do arguido.

  24. O Tribunal afirma que não houve nenhuma combinação, o que não é aceitável, da análise de tal factualidade à luz das regras e da experiência comum. Muito menos é de aceitar que o tivessem feito sem que EE conhecesse o arguido e que a ele se dirigiu.

  25. E porque do texto da decisão, resulta este erro notório na apreciação da prova, o Tribunal violou o art. 127 do CCP.

  26. Errou também na apreciação da prova no que diz respeito ao local onde os factos se desenvolveram, ao consignar provados nos termos em que o fez, nos factos vertidos nos n°. 17, 19 e 21 da matéria de facto provada.

  27. Destes resulta em síntese que o arguido saiu do quarto e dirigiu-se às traseiras; que FF saiu no seu encalço pela porta da frente do restaurante e o EE pela porta das traseiras, na direcção da travessa e que EE se cruzou com o arguido a 10 metros da porta das traseiras do restaurante.

  28. Depois a fls. 15 do acórdão o Tribunal fundamenta dizendo que o arguido entrou na mencionada travessa deparou-se com o ofendido EE ficando frente a frente, e a fls. 19 conclui com segurança e manifesta razoabilidade que a conduta do arguido foi despoletada pelo mero surgimento do ofendido naquela travessa.

  29. A contradição destes factos é notória, mas o Tribunal errou na apreciação deste elemento.

  30. O local exacto dos factos é importante, porquanto a conduta do arguido ocorreu, porque foi encurralado por EE e FF na travessa, e não que tenha o próprio arguido seguido na direcção da porta das traseiras do restaurante, a qual denotaria claramente as suas intenções.

  31. Ao apreciar a prova produzida o Tribunal contradiz-se quanto ao local, erra na apreciação deste elemento, viola o disposto no art. 127° do Código de Processo Penal, porquanto dela resulta que o incidente se deu na travessa, onde o arguido foi abordado por EE, e não a 10 metros da porta das traseiras do restaurante.

  32. O acórdão recorrido manifesta contradição insanável da fundamentação que argúi nos termos dos art. 410 n°. 2...

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