Acórdão nº 06P4707 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução04 de Janeiro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. As autoridades judiciárias do Reino de Espanha ("Juzgado de Instrucion nº 3" de Cáceres) solicitaram a execução de um mandado de detenção europeu relativamente à cidadã de nacionalidade espanhola AA, para procedimento penal pelo crime p. e p. no artigo 225º bis, 2º, nº 2 do código penal espanhol, por a pessoa procurada ter procedido à retenção de uma filha menor, BB, impedindo e impossibilitando o efectivo direito do pai da menor (o cidadão holandês CC) ao cumprimento do regime de visitas e estadias com a filha menor, de acordo com o estabelecido na resolução Judicial de 7 de Agosto de 2003, do juiz de 1ª instância de Cáceres.

Requerida a execução pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação, ouvida a pessoa procurada e seguidos os procedimentos, recusou, no entanto, a execução do mandado, com fundamento na cláusula facultativa de não execução prevista no artigo 12º, nº 1, alínea a), da Lei nº 6/2003, de 23 de Agosto, por considerar que os factos que fundamentaram a emissão do mandado não integram o catálogo de crimes que não permitem a verificação da dupla incriminação, e, além disso, não alcançam qualificação penal segundo a lei nacional.

  1. Da decisão que recusou a execução recorre o Ministério Público, fundamentando o recurso nos termos da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões: l.° O acórdão recorrido não fez aplicação da norma contida no art. 2.° n.° 2 alínea q) da Lei n.° 65/03,de 23/8, por ter entendido não ser de aceitar o que foi assinalado no mandado de detenção europeu (M.D.E.), para esse efeito, nomeadamente, que a incriminação dos factos não integrava a respectiva lista; em que tinha sido assinalado pela autoridade espanhola como integrando "sequestro, detención ilegal y toma de rehenes"; 2.° Não se aceita a não aplicação da regra contida no art. 2° nº 2 alínea q) da Lei n.° 65/03,de 23/8, pois, face à retenção de uma menor em incumprimento de decisão judicial implica uma detenção ilegal e sendo a mesma punida com una pena de prisão até 4 anos, não era de por em causa que a mesma podia integrar a dita lista conforme foi assinalada; 3.° Com efeito, face à discrepância assinalada quanto a não constar desse dispositivo legal a "detenção ilegal", devia ter-se procedido à aplicação do art. 2.° n.° 2 alínea q) da Decisão-Quadro (D.Q.) n.° 2002/584/JAI, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 18/7/02, L. 190/1, em que está claramente incluída como "illegal restraint", a que corresponde a dita forma traduzida, sendo que é a esta norma que há que dar prevalência, nos termos do art. 1° n° 2 da dita Lei 65/03; 4.° Sendo de proceder à análise da incriminação dos factos face à lei portuguesa, os quais tinham sido indicados no M.D.E. como subsumíveis ao tipo legal de "sustracción de menores", e sendo descritos como de "retención de un menor incumpriendo gravemente el dever estabelecido por resolucion judicial o administrativa ", e nunca tendo ficado esclarecido a quem tinha sido concedida o poder paternal, a tutela, ou a quem a menor tinha sido judicialmente confiada, impunha-se solicitar a informação complementar a que alude o art. 22° n.° 2 da mesma Lei, uma vez que tal interessava à incriminação prevista no artº 249.° n.° l, alíneas a) e c) do C. Penal Português; 5.° O acórdão recorrido não podia ter efectuado a aplicação da causa de recusa, facultativa, a que alude o art. 12°, n.° l, alínea a) da já referida Lei, como se de uma causa obrigatória se tratasse, devendo na sua aplicação ter sido levadas em conta demais regras específicas do novo regime do M.D.E.; 6.° Não cabia conhecer-se se a requerida era residente em Portugal, o que apenas releva para efeitos do art. 13º da Lei nº 65/03, conceito que pressupõe estabilidade que não existe no caso.

    Pede, a terminar, que «deve ser anulada a decisão […] recorrida».

    A pessoa procurada respondeu à motivação entendendo que o acórdão recorrido deve ser mantido.

  2. Como primeiro fundamento do recurso o magistrado recorrente refere que o acórdão recorrido não aplicou a norma do artigo 2º, º 2, alínea q), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, ao considerar, em diverso da indicação constante do mandado, que a incriminação acolhida pela autoridade do Estado da emissão não integra a lista das infracções criminais que não permitem a aplicação da cláusula de dupla incriminação.

    Efectivamente, a autoridade judicial espanhola que emitiu o mandado assinalou que a infracção em causa, que determinou o procedimento penal, cabia na área material de «secuestro, detencion ilegal y toma de rehens», ou, na expressão correspondente da Lei nº 65/2003, «rapto, sequestro e tomada de refens», considerando, no entanto, em concreto, que os factos que fundamentam a emissão do mandado integram o crime p. e p. no artº 225º, bis, nº 2, 2º do Código Penal espanhol, qualificação a que fez acolher os seguintes factos:«procedeu [a pessoa procurada] ao rapto e à retenção da sua filha menor BB, impedindo e impossibilitando o efectivo direito do pai da menor ao regime de visitas e estadias com a filha menor, de acordo com o estabelecido na Resolução Judicial de 7 de Agosto de 2003».

    A Resolução espanhola foi tomada na execução e sequência de decisões proferidas pela jurisdição holandesa (de 14 de Novembro de 2001 e de 22 de Outubro de 2002) que reconheciam o direito do pai a visitar quinzenalmente a filha, e fixavam o regime de férias; o local das visitas será o domicílio da mãe em Espanha.

    O acórdão recorrido, todavia, efectuou uma ponderação autónoma sobre os factos que constam do mandado, considerando que a integração jurídico-penal dos factos referida pela autoridade da emissão não pode caber na delimitação material da alínea q) do nº 2 da artigo 2º da Lei nº 65/2003, que retoma a formulação e a delimitação material constante da Decisão-Quadro de 13 de Junho de 2002 relativa ao mandado de detenção europeu.

    O...

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