Acórdão nº 06B3602 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | OLIVEIRA BARROS |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2006 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : Em 14/9/95, a Empresa-A, incorporada por fusão no Banco ...., S.A., moveu acção declarativa com processo comum na forma ordinária à Empresa-B, à Empresa-C, e à Empresa-D., que foi distribuída à 3ª Secção do 3º Juízo, depois Vara, Cível da comarca de Lisboa.
Pedia a condenação solidária das demandadas a pagar-lhe a quantia de 1.662.215$00, com juros à taxa de desconto do Banco de Portugal, até integral pagamento, no montante já vencido de 157. 797$00, e que a 1ª Ré fosse ainda condenada a entregar-lhe o veículo de marca Volkswagen, modelo Polo, com a matrícula CA.
Alegou para tanto ter, no âmbito da sua actividade, celebrado, em 12/1/93, com a 1ª Ré ( Empresa-B ) um contrato de locação financeira mobiliária, com aditamento posterior, em 3/5/93, que tinha por objecto aquele veículo, com o valor de 2.430.000$00. Esse contrato tinha a duração de 36 meses, com 12 rendas trimestrais de 214.125$00, destinando a 1ª Ré o veículo objecto da locação financeira a aluguer de longa duração.
Tendo em vista a celebração desse contrato, a A. exigiu que aquela Ré obtivesse de terceiro com capacidade financeira a prestação de garantia idónea. Nesse contexto, a 2ª Ré (Empresa-C ) obrigou-se a prestar à A. a garantia pretendida, tendo para o efeito emitido apólice de seguro pela qual se obrigava a garantir o risco de incumprimento das obrigações da Ré Empresa-B para com a A. Por sua vez, a 3ª Ré (Empresa-D ) assumiu igual garantia de cumprimento em conjunto com a Empresa-C.
As Rés seguradoras asseguraram o cumprimento das obrigações da Ré Empresa-B à primeira solicitação, sem qualquer outra formalidade, e no prazo de 45 dias após a interpelação.
A Empresa-B não pagou a renda vencida e facturada em 1/8/94, no valor de 245.673$00, tendo-a a A. interpelado, sem êxito, para cumprir.
A A. deu conhecimento destes factos à Empresa-C, por carta registada com A/R de 5/8/94, e, perante o incumprimento da Empresa-B, veio a resolver o contrato de locação financeira por carta registada com A/R de 25/8/94.
Assim, ficou com o direito ao pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas ( 245.673$00 ), acrescidas de juros de 17,75%, com mais 2% ( 4.653$00 ), e ainda o montante do capital das rendas vincendas e do residual antecipados à data da resolução do contrato ( 1.404.498$00 ), acrescido de juros de mora à taxa de 19,75% ( 7.391$00 ), o que totalizava 1.662.215$00. Tudo isto para além do direito à devolução do veículo.
As Rés seguradoras foram interpeladas para efectuar o pagamento desse montante por carta de 5/ 9/94, mas não efectuaram qualquer pagamento, invocando a Empresa-C que só tinham seguro o cumprimento das rendas relativas aos alugueres de longa duração ( ALD ) e não as obrigações da Empresa-B para com a A. emergentes do contrato de locação financeira.
A A. não concorda com essa interpretação, pois figura como beneficiária na apólice de seguro e esta faz menção ao risco seguro como sendo as obrigações assumidas pelo tomador, ou seja, a Ré Empresa-B.
Nestes termos, por força do contrato de seguro, a indemnização de 1.662.215$00 vence juros à taxa de desconto do Banco de Portugal, ou seja, à taxa de 10,5%, conforme Aviso nº 5/97 do Banco de Portugal, tendo-se já vencido 157.797$00.
Citadas, as 2ª e 3ª Rés chamaram à autoria a INCA Portuguesa, que seria a entidade a quem a 1ª Ré tinha locado, em regime de ALD, o veículo aludido, invocando a existência de direito de regresso contra a chamada.
Por sua vez, a 1ª Ré - Empresa-B - contestou, confirmando que celebrou o contrato de locação financeira com a A. e que destinou o veículo objecto desse contrato ao aluguer de longa duração dum seu cliente, tendo a A. exigido que esse contrato fosse acompanhado de garantia de seguro-caução directa, o que foi satisfeito por contrato celebrado com a 2ª Ré.
O contrato de seguro-caução directa garantia o pagamento integral das obrigações assumidas pela Ré decorrentes do contrato de locação financeira, designadamente o pagamento das rendas vencidas e vincendas até ao termo do contrato.
Em contrapartida da obtenção dessa garantia de pagamento das rendas, a A. obrigou-se a não resolver o contrato de locação financeira e a demandar directamente a 1ª Ré em caso de incumprimento, já que a satisfação dessa prestação estava sempre garantida pelo seguro-caução.
Dessa maneira, a contestante garantiu o pagamento das rendas e que o veículo jamais fosse reivindicado, protegendo assim os locatários do mesmo.
Ao agir deste modo, a A. está a violar o acordado, em manifesto abuso de direito, pondo em causa direitos e legítimos interesses do locatário, que é um terceiro de boa-fé.
Sustentou, por outro lado, ser inaceitável que a A. pretenda pôr em causa a existência do contrato de locação financeira e simultaneamente exigir o montante das rendas em dívida até ao termo do contrato, quando os interesses dela estão salvaguardados pelo contrato de seguro-caução - pelo que haveria aqui um enriquecimento sem justa causa. Pediu, em reconvenção, a condenação da A. a accionar o seguro-caução emitido pela 2ª Ré, de que é beneficiária.
Requereu a concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de preparos e de custas.
Adiantou ainda que a A. litigava de má-fé e deveria, por isso, ser condenada em multa no montante mínimo de 1.000.000$00 e em indemnização não inferior a 1.000.000$00.
O requerimento de chamamento à autoria da INCA Portuguesa foi indeferido.
De tal notificadas, as Rés seguradoras contestaram, invocando, desde logo, que a A. é uma sociedade financeira que se dedica à locação financeira de bens de equipamento (DL 171/79, de 6/6, com as alterações dos DL 168/89, de 24/5, e 18/90 de 11/1 ), dedicando-se em exclusivo ao exercício dessa actividade ( DL 103/86 de 19/5, e 298/92 de 31/12), estando assim impedida de celebrar contratos com pessoas físicas, relativamente a veículos automóveis ligeiros, por não serem bens de equipamento.
Como assim, o negócio celebrado entre a A. e a 1ª Ré teve por fim defraudar a lei, que proibia a locação financeira relativamente a veículos automóveis, devendo ser declarado nulo ( arts.280º e 281º C.Civ.).
Por outro lado, aquela Ré, nas negociações que teve com a Empresa-C, informou-a de que se dedicava à venda em regime de ALD de veículos que eram adquiridos em sistema de leasing, passando depois a celebrar com os seus clientes um contrato de locação de longa duração e um contrato-promessa de compra e venda para o termo desse aluguer.
Assim, o que foi explicitado pela Empresa-B à Empresa-C foi que esta pretendia que a seguradora garantisse por seguro-caução todas as prestações a pagar pelos adquirentes dos veículos em regime de aluguer de longa duração, garantia essa que a Empresa-B endossaria às companhias de locação financeira que entravam no negócio.
Para obter tal contrato de seguro, a 1ª Ré ( Empresa-B ) convenceu a 2ª Ré ( Empresa-C ) de que o risco era diminuto, porque os seguros seriam propostos com a identificação e indicação das condições financeiras dos locatários para que a seguradora pudesse apreciar a solvabilidade dos mesmos ; a Ré Empresa-B obrigava-se a transferir a propriedade dos veículos para a seguradora sem contraprestações ou encargos ; e o risco estava repartido por diversos agentes económicos e não concentrado exclusivamente na 1ª Ré.
Na sequência das negociações, vieram a ser celebrados diversos protocolos entre a Ré Empresa-B e a Ré Empresa-C, que precisaram as relações entre as empresas no tocante à emissão de seguros-caução destinados a garantir o pagamento à Empresa-B dos veículos vendidos por esta em regime de aluguer de longa duração, dos quais resulta inequivocamente que o objecto do seguro não eram as obrigações da 1ª Ré relativas ao contrato de locação financeira.
Doutro modo, a 2ª Ré jamais aceitaria celebrar tal contrato, pois o prémio fixado era irrisório em face do risco assumido. Ficou, pois, claro entre as 1ª, 2ª, e 3ª Rés que o objecto do seguro eram somente as " rendas devidas à Empresa-B pelos locatários de veículos sob o regime de aluguer de longa duração ", o que ficou a constar da apólice de seguro-caução emitida.
O risco da A. só era coberto de modo reflexo, na medida em que o não pagamento dos alugueres pelos clientes da 1ª Ré estava garantido pelas 2ª e 3ª Rés, o que permitiria que a A., accionada a garantia, conseguisse receber meios financeiros a imputar no pagamento das rendas da locação financeira.
A A. tinha perfeito conhecimento de qual era o verdadeiro...
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