Acórdão nº 06A3225 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA", casado, residente em ..., Cucujães - Oliveira de Azeméis, intentou acção declarativa de condenação com processo comum e forma ordinária contra BB e esposa CC, residentes na Av.ª Carneiro Gusmão, em Pinhel, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 83.129.66. acrescida de juros de mora contados desde a citação.

Como fundamento da sua pretensão, alega o autor, em síntese, que, como promitente comprador, em 10/03/1999 celebrou com os réus um contrato-promessa de compra e venda de uma terça parte indivisa de determinados prédios rústicos, pelo preço global de Esc. 8.333.000500. que pagou na data da celebração do contrato, sendo os réus promitentes vendedores e não sendo então donos daquela quota indivisa, mas tendo-se comprometido a adquiri-la em 15/4/1999.

Mais, alega que os réus, como se haviam comprometido, passaram a favor dele, autor, procuração irrevogável para vender os referidos prédios, não tendo, porém, adquirido a quota prometida vender, pelo que ele, autor, depois de ter comunicado aos réus o dia em que se realizaria a escritura pública para outorga do contrato definitivo e de estes lhe terem comunicado que não iriam estar presentes e que pretendiam cumprir a sua promessa, notificou os réus concedendo-lhes um último prazo de dois meses para adquirirem os prédios que haviam prometido vender e marcarem data para a competente escritura, considerando o contrato-promessa definitivamente não cumprido após aquele prazo, sendo que, decorrido tal prazo, os réus não se dispuseram a cumprir nem adquiriram a quota prometida vender.

Contestaram os réus, concluindo pela improcedência da acção, aceitando que celebraram o contrato-promessa com o autor, excepcionando a ilegitimidade do autor, por litigar desacompanhado da esposa, e a ilegitimidade passiva, por não ter sido também demandada a Empresa-A de Pinhel, a qual também foi outorgante no referido contrato-promessa. excepcionando ainda a nulidade daquele contrato, sem esclarecer qual a causa da nulidade, e, por impugnação, alegando que não houve culpa da sua parte no incumprimento do contrato promessa e afirmando que o preço pago pelo autor não pode ser considerado sinal.

Respondeu o autor, batendo-se pela improcedência das excepções dilatórias de ilegitimidade e peremptória de nulidade contratual, a qual, a verificar-se, daria lugar à restituição pelos réus do preço que receberam e que entregaram à Empresa-A de Pinhel. Para a hipótese de se considerar necessária a intervenção da Empresa-A de Pinhel, requereram a intervenção desta no processo.

Por decisão de fls. 50, 54 e 55 foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa e admitida a intervenção da Empresa-A de Pinhel como parte principal passiva, assim perdendo utilidade a apreciação da excepção de ilegitimidade passiva arguida na contestação.

Citada, a interveniente, veio aos autos dizer que faz seus os articulados do autor e afirmar que é alheia às relações contratuais havidas entre autor e réus, devendo, por isso, ser considerada parte ilegítima na presente acção.

Foi proferido despacho saneador e de condensação, no qual se relegou para momento posterior o conhecimento da excepção peremptória da nulidade contratual e de forma tabelar se decidiu inexistirem excepções dilatórias, sem se fazer expressa menção à alegada ilegitimidade da interveniente, sendo que esta é incompatível com a decisão que admitiu a intervenção por, entre o mais necessário, a considerar com legitimidade.

Procedeu-se a julgamento com decisão da matéria de facto então ainda controvertida, após o que o Ex.mo Juiz proferiu sentença a julgar procedente a acção, condenando os RR a pagar ao A. o dobro da quantia por este entregue. Considerou-se que, não comparecendo à celebração da escritura da prometida venda, conforme oportuna interpelação, os RR incumpriram o falado contrato-promessa.

Inconformados, apelaram os RR e a Relação de Coimbra deu-lhes razão: a interpelação para a outorga do contrato prometido era irregular, pois bem sabia o A. que os RR estavam, sem culpa, impossibilitados de cumprir enquanto não adquirissem no inventário em curso - à data do Acórdão já concluído - o direito prometido vender.

Foi a vez de o A. pedir revista e consequente revogação do decidido que teria interpretado incorrectamente as cláusulas do contrato. Como se vê da alegação que concluiu com estas Conclusões: PrimeiraA presente acção versa sobre contrato-promessa de compra e venda de 1/3 indiviso de três prédios rústicos que os recorridos se comprometeram a vender ao recorrente.

SegundaEssas partes dos prédios não eram, à data da celebração do contrato-promessa, propriedade dos recorridos, que se comprometeram também a adquiri-los em processo de inventário pendente.

TerceiraA questão que se discute neste recurso é a de saber se este contrato se pode considerar, quanto ao tempo do seu cumprimento, como sendo com ou sem prazo.

QuartaSendo certo que a lei nada estabelece sobre o prazo de cumprimento deste tipo de contratos, o momento em que a prestação pode ser exigida tem de resultar do que as partes estabeleceram (art. 777.° do C. Civil).

QuintaA única referência do contrato a qualquer prazo consta do n.° 2 dos factos provados onde se refere que o R marido acordou com os restantes interessados da herança ilíquida e indivisa que na conferência de interessados que se encontra designada para 15 de Abril de 1999 os prédios prometidos vender lhe serão adjudicados.

SextaO facto de os promitentes compradores não serem ao tempo da celebração do contrato donos dos prédios que prometeram vender e se terem comprometido a que os iriam adquirir em processo de inventário não transforma este contrato em contrato sujeito a condição suspensiva. Com efeito, SétimaO negócio condicional só pode resultar de cláusula expressa nesse sentido (cf. Ana Prata, Contrato Promessa e seu Regime Civil, pág. 630/631 e Durval Ferreira, Negócio Jurídico Condicional,, pág. 143 e sgts. e da contrato-promessa não consta qualquer cláusula nesse sentido.

OitavaUma cláusula dessa natureza também não pode deduzir-se dos termos do contrato uma vez que a única referência que se faz a esse propósito é de que o promitente vendedor já acordou com os restantes interessados a adjudicação e que a mesma irá ser efectuada na conferência de interessados que já está marcada para 15.09.1999.

NonaSegundo os promitentes vendedores era ponto assente que os prédios lhe iriam ser adjudicados.

DécimaNão houve da sua parte a intenção de fazer depender os efeitos jurídicos do contrato de qualquer acontecimento futuro e incerto, como é próprio do negócio condicional - art. 270.° do C. Civil.

Décima primeiraDe acordo com as boas regras de interpretação da declaração negocial, as declarações constantes do contrato celebrado não podem valer com o sentido de se estabelecer uma condição suspensiva (art. 236.° do C. Civil).

Décima SegundaO douto acórdão recorrido, decidindo que o contrato-promessa só podia ser exigível a partir da adjudicação dos bens no processo de inventário, entendeu que existia uma tal condição.

Décima TerceiraO que efectivamente não pode aceitar-se pelas razões constantes das conclusões 6.ª e 10.ª.

Décima QuartaO contrato-promessa tem de considerar-se que não estabelecia prazo para o seu comportamento, nem estava sujeito a qualquer cláusula condicional.

Décima QuintaO facto de se indicar a data de 15.04.1999 para a adjudicação dos bens na conferência de interessados, deve ser entendido não como o estabelecimento dum prazo de cumprimento, mas sim dum prazo a partir do qual podia ser exigível esse cumprimento.

Décima SextaNão havendo prazo estabelecido a partir de 15.04.1999, o promitente comprador (aqui recorrente) poderia interpelar os promitentes vendedores para celebrarem o contrato definitivo decorrido que fosse um prazo razoável sobre essa data e que fosse consentâneo com os ditames da boa-fé (art.°s 777 ° e 762°, n.° 2 do C. Civil).

Décima SétimaTendo o recorrente, depois de várias insistências, interpelado os recorridos para outorgarem o contrato definitivo cerca de ano e meio a partir daquela data de 15.09.1999 observou esse prazo razoável e conforme com a boa-fé.

Décima OitavaComo os recorridos responderam que não iriam comparecer para dar cumprimento ao contrato-promessa celebrado, entraram em mora (art. 804.°, n.° 2 do C. Civil).

Décima NonaPassado mês e meio sobre esta interpelação o recorrente voltou a notificar os recorridos de que lhes concedia um último prazo de dois meses para cumprirem, advertindo-os de que findo esse prazo consideraria o contrato-promessa definitivamente não cumprido.

VigésimaNão tendo os RR cumprido nesse prazo, nem nada tendo dito, a mora transformou-se em incumprimento definitivo (art. 808.°, n.° 1, 2.ª parte).

Vigésima PrimeiraFace a esse incumprimento a acção deveria ser julgada totalmente procedente, tendo em conta o disposto no art. 442.°, n.° 2 do C. Civil.

Vigésima SegundaSenda certo que a simples mora era suficiente para o recorrente exigir o pagamento em dobro do sinal entregue, tal como defende Almeida Costa, em Contrato Promessa, 4.a ed., pág. 71 e Januário Gomes, em Tema do Contrato Promessa, pág. 47 e parece ser a nova orientação da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 21.03.2003, C.J.S.T.J. Vol. I, pág. 44). Acresce que, Vigésima TerceiraTambém não procede o argumento do acórdão recorrido de que o recorrente não provou como lhe competia que os recorridos tivessem culpa no atraso da adjudicação dos bens. Na verdade, Vigésima QuartaFicou provado que a recorrida mulher não teve qualquer intervenção no processo de inventário para lhe dar andamento e que o recorrido marido não teve qualquer intervenção dessa natureza antes da data da conferência de interessados que se realizou a 30.04.2003.

Vigésima QuintaResulta também provado pela acta da conferência de 30.04.2003 que então todos os interessados na partilha prescindiram de todos os prazos, eliminaram o...

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