Acórdão nº 06P2170 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução25 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No âmbito do processo comum n.º 529/02, do 1º Juízo da comarca de Alcobaça, após contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio tentado e de um crime de ofensa à integridade física simples nas penas de 4 anos de prisão e 120 dias de multa, respectivamente.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, visando o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, foi confirmada a decisão condenatória.

Recorre agora o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor a parte conclusiva da motivação de recurso: 1. Não julgou bem o tribunal a quo de 1ª instância ao imputar ao recorrente a prática de um crime de homicídio na forma tentada, nem o tribunal recorrido ao manter a decisão da 1ª instância, nomeadamente mantendo a pena de prisão aplicada de 4 anos de prisão efectiva, verificando-se nos termos do artigo 410º, do CPP, fundamento para o recurso.

  1. O arguido recorrente não se conforma com o douto acórdão recorrido que manteve a pena de prisão pela prática do crime de homicídio de forma tentada p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º, do Código Penal.

  2. O acórdão recorrido revelou total ausência de critério na selecção da matéria dada por provada e não provada, não atendendo à contradição entre estas.

  3. Não atendeu o tribunal recorrido à contradição da matéria de facto provada e a própria fundamentação do acórdão de 1ª instância.

  4. O tribunal recorrido não logrou provar a intenção (elemento volitivo) do ora recorrente matar DD, requisito essencial do crime de homicídio na forma tentada.

  5. O acórdão recorrido confirma a condenação do ora recorrente com prova insuficiente carreada por o tribunal de 1ª instância ter apreciado erradamente a prova existente.

  6. O acórdão recorrido sofre de nulidade por falta de fundamentação bastante quanto à matéria de facto e de direito violando o disposto no artigo 374º, n.º 2, do CPP e nos termos do artigo 379º, do CPP.

  7. Acresce que o acórdão recorrido nem sequer fundamenta devidamente os critérios e fundamentos da aplicação ao arguido da pena de 4 anos de prisão efectiva.

  8. O acórdão recorrido menciona que a conduta do arguido preencheu o tipo de homicídio na forma tentada, punido com pena de prisão, em abstracto até 10 anos e 8 meses e 6 dias.

  9. O recorrente não teve intenção de matar, não ficou provado que o mesmo tenha apontado a arma ao tórax do DD.

  10. Pois, provou-se que o arguido realizou um disparo a três metros de distância do ofendido, visionando este no momento em que deu o tiro, mas não demonstra como o arguido o podia visionar, uma vez que o tiro é dado do exterior e a porta se encontrava fechada trancada pelo próprio ofendido e a dimensão do vidro não foi possível apurar.

  11. Não considerou o tribunal recorrido a matéria de facto provada, que o arguido visionava o vulto no momento do tiro e não se demonstrou que houvesse condições de luminosidade no exterior da casa; pois, só o recorrente é que aí se encontrava.

  12. Só está provado que a luz do corredor está aberta.

  13. O douto acórdão recorrido só fala em vulto, vulto não quer dizer que seja pessoa concretizada.

  14. O tribunal recorrido não teve em conta a matéria provada que o recorrente é caçador regularmente, logo se o arguido quisesse atingir o ofendido e tirar-lhe a vida, com certeza se estivesse a três metros de distância ou a qualquer outra distância do mesmo e o visionasse de uma forma nítida, ou mesmo um vulto que fosse, e conseguisse visionar esse, provavelmente não teria dificuldade em fazê-lo.

  15. O tribunal recorrido não teve em conta o disparo da arma efectuado, ou seja, a correlação ou qualquer correspondência com a dispersão de chumbos nos aros da porta da sala de visitas e a curta distância de três metros que é dada como provada, do local do disparo ao ofendido atingido.

  16. Como também o acórdão recorrido não levou em conta a arma junto aos autos não é uma arma de defesa pessoal, mas sim uma espingarda caçadeira.

  17. O acórdão recorrido não teve em conta o facto de o ora recorrente não ter antecedentes criminais e ser conhecido no seu meio social e familiar como pessoa de bom comportamento cívico.

  18. O acórdão recorrido confunde livre apreciação de prova nos termos do artigo 127º, do CPP, com apreciação arbitrária, resultante de meros indícios ou raciocínios pré-formulados.

  19. O tribunal recorrido não possuía matéria provada concludente quanto à prática do crime de homicídio na forma tentada.

  20. O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 410º, n.º 2, alínea c), do CPP.

  21. Nunca houve da parte do ora recorrente uma conduta que tivesse como elemento volitivo a eliminação física do ofendido DD ou qualquer outra pessoa.

  22. A conduta do arguido ora recorrente enquadra-se, assim, na previsão do artigo 144º, do Código Penal, e não no artigo 131º.

  23. No caso em apreço o tribunal recorrido decidiu pela confirmação, ou seja, por manter inalterada a decisão da 1ª instância sem fundamentar a mesma decisão.

  24. Como não fundamentou devidamente os critérios de escolha da pena, mantendo-a inalterada, que só por si constitui um vício grave.

  25. Cumpre ao julgador "Procurar, através da melhor hermenêutica, a mais justa solução para o caso concreto" (introdução ao Código Penal de 1982).

  26. Nesse sentido o tribunal está investido na missão de enquadrar o princípio da culpa e na ideia de justiça os comportamentos de censura ética imputados ao arguido, tendo em conta o grau de ilicitude dos factos praticados, o seu enquadramento jurídico-penal, a dimensão da culpa do agente.

  27. É basilarmente essa ideia, melhor dizendo a sua não materialização, no contexto do acórdão recorrido que se traduziu em manter uma pena injusta e desadequada, imposta ao recorrente, que se fundamenta o presente recurso.

  28. A pena imposta e mantida pelo tribunal recorrido ao recorrente, de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, é injusta por manifestamente excessiva pela sua pretensão e inadequada pelo fim que se não completa e adequa aos basilares princípios da recuperação e ressocialização aconselhadas e impostas pelo Direito Penal Português.

O recurso foi admitido.

Na contra-motivação apresentada o Exm.º Magistrado do Ministério Público na Relação de Coimbra pugna pela confirmação do acórdão impugnado.

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no qual entende que o recurso deve ser parcialmente rejeitado...

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