Acórdão nº 06S1831 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução24 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1.

"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Cascais, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo - com fundamento na natureza laboral da relação jurídica firmada entre as partes e no consequente despedimento ilícito do que foi alvo por parte da Ré - que esta seja condenada a pagar-lhe os componentes retributivos pretensamente em dívida, que discrimina, e a correspondente indemnização por antiguidade, se o Autor vier a optar por ela em detrimento da reintegração devida.

A Ré contestou, sustentando que o vínculo aprazado configura um contrato de prestação de serviços, livremente denunciável, como foi, pelo que não assiste ao Autor o direito aos créditos retributivos e indemnizatórios que reclama.

1.2.

Instruída e discutida a causa, a 1ª instância afirmou a natureza laboral do contrato ajuizado e, na procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor: - € 3.094,54, a título de diferenças salariais relativamente ao período de 1/4/96 a 31/7/02; - uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de diferenciais devidos pela Ré, relativamente ao subsídio de férias e de Natal, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.6."; - uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de trabalho extraordinário prestado nos dias úteis, entre 1997 e 2002 inclusivé, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.7."; - uma quantia, a liquidar em execução de sentença, a título de remuneração complementar por trabalho prestado ao sábado, entre 1997 e 2002 inclusivé, "... nos termos supra assinalados sob o n.º 3.7."; - a quantia de €4.161,60, a título de indemnização por antiguidade; - uma quantia relativa aos salários intercalares, incluindo férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos desde 30/4/03 até ao trânsito em julgado da decisão, deduzida dos rendimentos auferidos pelo Autor nesse período, a liquidar em execução de sentença; - a quantia de €431,46, a título de salário relativo ao mês de Abril de 2003; - a quantia de €287,64, a título de subsídio de férias e de Natal, tendo em conta o trabalho prestado, no ano da cessação do contrato, de 1/1/03 a 30/4/03.

Debalde apelou a Ré, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente a sentença da 1ª instância.

1.3.

Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, em cujo âmbito produziu alegações que remata com o seguinte núcleo conclusivo: 1- as partes celebraram um contrato de prestação de serviços, constante do título por eles assinado, datado de 1/4/96, junto a fls. 15 e 16 e que se dá aqui por inteiramente reproduzido; 2- a recorrente dedica-se à comercialização de veículos automóveis, possuindo, para o efeito, um quadro de vendedores, integrados na empresa por contrato de trabalho, e um grupo de vendedores/comissionistas, ligados à empresa por contrato de prestação de serviços; 3- de harmonia com o estabelecido no referido contrato, o recorrido obrigou-se, expressamente, a exercer a sua actividade para com a recorrente como vendedor - comissionista: com inteira liberdade, sem sujeição às ordens e à direcção da recorrente, a prestar apenas o resultado da sua actividade, com total independência, auferindo pelo resultado do seu trabalho, uma retribuição mensal fixa, sem prejuízo de poder vir a auferir também comissões sobre as vendas, nos termos que viessem a ser fixados pela recorrente para o conjunto dos vendedores-comissionistas; 4- aceitaram ainda as partes que o contrato podia ser revogado por qualquer delas com o aviso prévio de um mês, prazo considerado por ambos como suficiente, nos termos dos art.ºs 1156º e 1172º do C.C., tendo ambos declarado que, no omisso, se aplicariam as disposições do artigo 1154º do mesmo Código; 5- o recorrido prestava a sua actividade profissional de vendedor/comissionista de automóveis, atendendo os clientes e promovendo a venda de automóveis da marca Daihatsu e SSangyong; 6- quando o recorrido não comparecia no stand, avisava previamente o chefe de vendas ou o director comercial da recorrente que tratavam de aí colocar outra pessoa, assegurando, assim, a abertura ao público do stand, 7- sendo que não era exigido ao recorrido que apresentasse qualquer justificação de falta nem a ora recorrente procedia a qualquer desconto na sua retribuição mensal; 8- o recorrido prestou a sua actividade em várias feiras e exposições organizadas pela recorrente; 9- o recorrido emitiu e entregou à Ré as facturas/recibos cujas cópias se encontram juntas a fls. 62 a 83 dos autos, que se referiam a prestação de serviços e que mencionavam o n.º de contribuinte 501464590, indicando a retenção de 17% de IVA e de 20% de IRS sobre cada um dos valores aí indicados; 10- o recorrido apresentou no Ministério das Finanças as declarações de rendimentos referentes aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, relativos a rendimentos provenientes de "Trabalho Independente"; 11- o recorrido não invocou, nem se provou, qualquer facto que, de alguma forma, fosse susceptível de pôr em causa a vontade por ele declarada no contrato supra referido; 12- tendo em conta o disposto nos art.ºs 374º n.ºs 1 e 2, 376º n.ºs 1 e 2, 393º n.º 1 e 394º n.º 1 do C.C., e tal como se concluiu no douto Acórdão recorrido, os documentos referidos, quanto aos factos neles contidos que forem contrários aos interesses de declarante, fazem prova plena desses factos, sendo de salientar que não é admissível a produção testemunhal relativamente a convenções constantes de documento particular que beneficie da força probatória plena, nos termos dos art.ºs 393º n.º 2 e 394º n.º 1 do C.C.; 13- assim, o contrato que as partes quiseram celebrar, e que celebraram efectivamente, foi um típico contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho; 14- face ao exposto, o douto Acórdão recorrido, apesar de ter entendido - bem! - que o contrato em causa goza de força probatória plena, acabou por fazer uma errada aplicação da lei aos factos validamente provados, suportando-se em dois indícios constantes do contrato, que não podem ser determinantes (pagamento da retribuição 14 vezes por ano e férias de um mês em cada ano), bem como, erradamente, em factos que foram considerados provados por prova testemunhal que, no caso sub-judice, não era legalmente permitida; 15- face à nova redacção do art.º 12º do C.T. - que aqui se chama à colação, como fez o referido Acórdão, apenas como contributo para a boa decisão da causa, e tendo em consideração o acordado entre as partes no documento que goza de força probatória plena - o ora recorrido ficou vinculado por contrato de prestação de serviços, obrigando-se a prestar o resultado da sua actividade, exercendo os seus serviços com inteira autonomia, sem sujeição às ordens e direcção da ora recorrente, parece indiscutível que estamos perante um contrato de prestação de serviços e não perante um contrato de trabalho; 16- foram violados, entre outros, os art.ºs 374º n.ºs 1 e 2, 376º n.ºs 1 e 2, 393º n.ºs 1 e 2, 394º n.º 1, 1152º e 1154º do C.C. e o art.º 1º do D.L. n.º 49.408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho).

1.4.

O Autor contra-alegou, sustentando a justeza do julgado e a consequente improcedência do recurso.

1.5.

No mesmo sentido se pronunciou, com discordância expressa da recorrente, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

1.6.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: «1ª A Primeira Outorgante dedica-se à comercialização de veículos automóveis, dispondo para o efeito, par a além dos vendedores integrados nos quadros da empresa, de um conjunto de vendedores/comissionistas, que exercem os seus serviços com inteira autonomia, sem sujeição às ordens e direcção da Primeira Outorgante e com o objectivo de alcançar resultados determinados.

  1. Pelo presente título o Segundo Outorgante aceita integrar-se no conjunto dos vendedores /comissionistas referidos na cláusula anterior, obrigando-se assim a prestar à Primeira Outorgante o resultado da sua actividade de vendedor/comissionista com total independência, mas sem prejuízo das instruções de serviço que lhe sejam dadas pela Primeira Outorgante.

  2. A actividade do Segundo Outorgante será exercida habitualmente fora das instalações da Empresa, nos termos e pelo modo que o mesmo melhor entender, sem prejuízo de poder também, sempre que se mostre...

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