Acórdão nº 06A2736 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução10 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "AA" instaurou, em 22.9.2004, pelo Tribunal de Mogadouro, acção especial de divórcio litigioso, contra sua mulher BB, requerendo se decrete o divórcio entre ambos, com declaração da requerida mulher como única e exclusiva culpada.

Para o efeito - em síntese - alegou factos tendentes a demonstrar que a requerida violou, culposa e gravemente, de forma a comprometer a possibilidade da vida em comum, os deveres conjugais de respeito e fidelidade.

Assim - e concretamente - alegou que ele e a requerida contraíram matrimónio, em 10 de Dezembro de 1975.

Mas desde há, pelo menos, dois anos a esta parte, a ré tem mantido uma relação extraconjugal, de índole sexual, com CC, com frequentes encontros amorosos, quer na loja explorada pela ré, na Endereço-A, quer na residência do autor e ré situada no andar superior da mesma, quer em outros locais desconhecidos do autor.

O mencionado CC visitava e visita a ré diariamente na loja desta, as mais das vezes próximo da hora de encerramento da loja, por lá se mantendo durante horas após o fecho das portas.

Sem que qualquer razão profissional ou de outra ordem, que não a relação amorosa, com a ré existam que justifiquem ou justificassem tais repetidos e constantes encontros.

Encontros que se mantinham e prolongavam durante a noite, nas ausências do autor, sendo frequente e de muitos conhecido que a viatura do mencionado indivíduo se mantinha nas imediações da casa do autor, durante largos períodos da noite.

Não residindo o CC nas imediações, nem havendo quaisquer razões profissionais que justificassem tais permanências nocturnas, excepto os encontros amorosos com a mulher do autor.

O Sr. L., carpinteiro, que se encontrava em casa do autor, a reparar o fecho de uma porta, em Março de 2003, muito se surpreendeu quando, pelas 21 horas e 30 minutos, estando a ré sozinha, verificou que o tal CC tinha entrado na casa e com todo o à vontade se tinha instalado no sofá e lá ficou, quando o carpinteiro saiu.

Em Outubro de 2003, o autor viu a mesma pessoa a sair da sua casa.

Em virtude de tais factos, o autor recebeu escabrosas mensagens, v.g., em 14 de Novembro de 2002, às 16 horas e 55 minutos: "AA, abre os olhos, ou a TAP ainda te comunica que estás a prejudicar o tráfego aéreo por causa dos teus cornos postos pela tua mulher" e, em 18 de Novembro de 2002, às 17 horas e 50 minutos - "A sociedade que tens é prejudicial para ti! É que quando viras as costas, a tua mulher mete-se debaixo do teu sócio, Não te sentes pesado com tamanhos cornos?".

O autor tentou estabelecer diálogo com a ré sobre tais factos, nada mais obtendo do que a recusa de diálogo e o terminar das conversas com múltiplos e repetidos insultos, entre os quais "bandido", "assassino", "vigarista" e "filho da puta".

A ré continuou com o seu comportamento adulteroso, pelo que passaram a dormir em quartos separados, situação que se mantém há já mais de dois anos, sem que estabeleçam qualquer contacto íntimo, não discutindo as questões relativas ao casal, nem realizando as refeições em conjunto.

Frustrada a tentativa de conciliação e para tanto notificada, a Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo autor e alegando outros, integrantes de violação culposa dos deveres de fidelidade, coabitação, assistência e respeito, de forma a comprometer a possibilidade da vida em comum, com base em que deduziu reconvenção, pedindo se decrete o divórcio e se declare o autor-reconvindo único culpado.

Alegou que no início do mês de Setembro de 2004, o autor abandonou o lar conjugal, só aí se deslocando para recolher correspondência e alguns objectos de uso pessoal, e nunca mais contribuiu com qualquer quantia para fazer face às despesas domésticas e familiares.

Mais alegou que no ano de 2004, o autor começou a chegar frequentemente a casa de madrugada, tendo a ré-reconvinte sido informada de que o autor era cliente habitual de casas de alterne em Bragança e que era visto a passear pela cidade de Bragança na companhia de outras mulheres.

A réplica nada trouxe de novo.

Saneado e condensado o processo, sem reparos, procedeu-se a julgamento com gravação da prova e decisão da matéria de facto controvertida após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes tanto a acção como a reconvenção. Entendeu o Ex.mo Juiz que os factos assentes não tinham, dado o seu contexto, o significado do desrespeito, da infidelidade ou da falta de coabitação, cooperação ou assistência pressupostos pela lei como fundamento do divórcio.

Inconformados apelaram Ré e Autor: ela a defender que os factos provados demonstram, sem margem para qualquer dúvida, que o Recorrido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade; ele a pretender que não devem ser considerados como factos provados que o recorrente chegasse a casa em 2004 frequentemente depois da meia-noite, ou que frequentasse casas de alterne, por tal não ter sido objecto de qualquer prova; ao contrário, devem ser considerados factos como provados os revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis, que foram de conhecimento pessoal e se demonstram relevantes para a apreciação da causa, como os que se relacionam com a frequência diária e pluridária (sic) da casa e loja da Ré por terceiro, as conversas à boca cheia nos cafés da Vila comentando o comportamento infiel da Ré, a familiaridade e grau de avanço do relacionamento demonstrado pelo uso da viatura deste pelo seu apaixonado na sua rua de residência a altas horas da noite, da paixão pela Ré confessada pelo próprio apaixonado, àquela que ambos usavam para justificar os seus encontros, em momento que se entendeu como de grande seriedade.

De tais factos resulta inequivocamente que a Ré violou os deveres de respeito e de fidelidade consignados no art. 1762° do Código Civil; Que pela sua gravidade e reiteração tais comportamentos da Ré compro-meteram a possibilidade de vida comum do casal, constituindo fundamento de divórcio com culpa exclusiva da Ré.

A Relação do Porto rejeitou o recurso sobre a matéria de facto que manteve inalterada e confirmou inteiramente a decisão recorrida.

Ainda irresignados, pedem revista A. e Ré: ele a insistir no dever de reapreciação, pela Relação, da decisão sobre a matéria de facto demonstrativa da violação, pela Ré, dos deveres de respeito e fidelidade; a Ré a defender que os factos provados demonstram, sem qualquer dúvida, que o A. marido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade.

Como se vê da respectiva alegação coroada com estas conclusões: A - do Autor: I - Constitui suficiente cumprimento do disposto no artigo 690-A n° 1 do C.P.C. a indicação, pelo seu número, de qual o facto dado como erradamente estabelecido, transcrevendo-o, aduzindo as razões pelas quais deveria ser outra a conclusão, identificando quais os documentos que se invocam e as gravações dos depoimentos, identificando a identificação do testemunho, e ainda a sua transcrição.

II - Cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 690-A do CPC e tal sendo requerido, é vinculativa para o Tribunal da Relação a reapreciação da prova produzida.

III - E em consequência deviam ter sido considerados provados os factos revelados por testemunhas que o tribunal considerou credíveis, que foram de conhecimento pessoal e se demonstram relevantes para a apreciação da causa, como os que se relacionam com a frequência diária e pluridária da casa e loja da Ré por terceiro. Mantendo com este uma familiaridade e avançado grau do relacionamento.

IV - Quer pelo que foi dado como provado, quer pelo que demais foi conhecido do tribunal e deveria ter sido considerado como provado resulta que a Ré manteve durante anos um relacionamento amoroso com terceiro, de todos na Local-B conhecido, comentado nos cafés e entre vizinhos, durante anos, e pelo menos desde 2002 e até ao presente, sempre na ausência do marido.

V - A tal ponto que este a relação íntima do casal se revelou impossível, porque nenhum marido é obrigado a partilhar sexualmente a sua mulher com terceiro.

VI - E de tais factos resulta inequivocamente que a Ré violou os deveres de respeito e de fidelidade, consignados no art. 1762° do C.C.

VII - Que pela gravidade e reiteração de tais comportamentos da Ré comprometeram a possibilidade de vida comum do casal.

VIII - Constituindo fundamento de divórcio com culpa exclusiva da Ré.

Afirmando violadas as disposições dos art. 1762.º do CC e 690.º-A do CPC, pede o A. se decrete o divórcio com culpa exclusiva da Ré.

B - da Ré: 1 - Os factos provados demonstram, sem que subsista margem para qualquer dúvida, que o recorrido violou os deveres de coabitação, respeito e fidelidade.

2 - Porém, o douto acórdão recorrido faz uma interpretação - em sede de prova - do artigo 1779° do CC, que salvo o devido respeito que é muito, não acolhe correspondência na letra da lei.

3 - Cumpre salientar também, que a separação de facto por mais de um ano adquire uma relevância objectiva nos termos da alínea b) do artigo 1781° do CC, que deve ser apreciada.

4 - Recorrendo à figura do bónus pater familias, temos de concluir que a conduta do recorrido violou, manifestamente, a integridade moral da ora recorrente, constituindo uma violação dos deveres de respeito e fidelidade.

5 - O douto acórdão recorrido violou os artigos 1672°, 1779°, ambos do C.C e a alínea b) do artigo 1781°, também do CC.

Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão submetidas à nossa apreciação, a de saber se os factos apurados constituem fundamento para ser decretado o divórcio de A. e Ré, com culpa de qualquer deles.

Mas antes de entrar na apreciação dos factos é indispensável averiguar se a Relação agiu de acordo com a lei quando rejeitou o recurso da decisão sobre a matéria de facto por, como concluiu, não ter o A./Apelante procedido nos termos constantes do art. 690.º-A, n.º 1, b) e n.º 2, este na redacção do DL. 183/2000, de 10.8. É que só podemos apreciar os factos tidos por assentes pela Relação se o...

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