Acórdão nº 06P812 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução04 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Na 3.ª Vara Criminal de Lisboa, 3.ª Secção - Processo Comum Colectivo n.º 352/03.0JELSB, foram submetidos a julgamento , além do mais , AA, BB e CC, ali condenados, os dois primeiros como co-autores , e este como autor, de um crime de tráfico de estupefacientes , p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, cada um , na pena de sete anos de prisão.

I. Inconformados com a referida decisão, da mesma recorreram aqueles três arguidos , provendo-se , na Relação , em parte , ao recurso e deste modo sendo condenados : -o AA em 7 anos de prisão ; -o CC em 6 anos e 6 meses de prisão ; e -o BB em 6 anos de prisão .

II . Irresignados recorreram para este STJ , que anulou o julgamento da Relação, por falta de defensor nomeado ao arguido CC .

III .Em novo recurso a Relação concedeu provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente CC , reduzindo a pena a 5 anos e 6 meses de prisão , negando provimento aos demais recursos .

IV. Ainda inconformados, recorrem , de novo , para este STJ, apresentando o CC as seguintes conclusões : O acórdão recorrido não fundamenta a decisão quanto à nulidade da sentença de 1.ª instância por insuficiente fundamentação , erro notório na apreciação da prova e violação do princípio " in dubio pro reo" , limitando-se a exarar expressões como " não porque é óbvio que não ; a argumentação dos recorrentes é "ilusionismo" processual e é também óbvio que não existe erro notório na apreciação da prova " -art.ºs 659.º n.º 3 e 668.º n.º 1 b) , do CPC e 374.º n.º 2 e 97.º n.º 4 , do CPP .

O acórdão recorrido não se pronunciou quanto a questões respeitantes à medida da pena nomeadamente o tempo decorrido sobre os factos e a definição sobre a sua actuação a título de dolo ou negligência , além que violou o princípio " in dubio pro reo " por virtude da insuficiência da matéria de facto para a decisão recorrida .

O acórdão enferma dos vícios previstos no art.º 410.º n.º 1 a) e c) , do CPP.

Viola os art.ºs 356.º n.º 7 e 127.º , do CPP , ao manter como provados pontos de facto ( 37.º e 38 .º ) advindos das declarações prestadas pela co-arguida DD .

V. O arguido AA apresenta as seguintes conclusões : A Relação ignorou a solicitação do recorrente para, previamente à questão do exame crítico , saber se a 1.ª instância cumpriu a última decisão superior , com o que se mostra violado o preceituado no art.º 379.º n.º 1 c) e 425.º n.º 4 , do CPP .

O recorrente impugnou junto da Relação de Lisboa a matéria de facto , por considerar incorrectamente julgados certos factos , não se pronunciando sobre isso aquele Tribunal , com o que se mostra violado o disposto no art.º 379.º n.º 1 a) , conjugado com o art.º 425.º n.º 4 , do CPP .

O acórdão recorrido devia ter considerado procedente a arguição da nulidade prevista no art.º 379.º n.º 1 a) , do CPP , por falta de cumprimento do art.º 374.º n.º 2 , ambos do CPP .

A arguição da nulidade derivada dos vícios apontados a intercepções telefónicas é uma proibição de prova e não , como se defende , uma nulidade sanável , devendo ser declarada , agora , a nulidade das intercepções .

Está em causa o posto telefónico ... .

A melhor interpretação a dar ao art.º 188.º n.º 3 , do CPP , é aquela que impõe que o juiz seja o primeiro destinatário das fitas gravadas ou elementos análogos , sendo que depois de as ouvir selecciona , em seu critério , quais as partes relevantes , ordenando à PJ a sua transcrição , nada disto tendo acontecido .

Outra interpretação colide com o disposto nos art.ºs 32.º n.º 1 e 34.º , da CRP .

Deve o processo ser remetido ao tribunal para revisão da matéria de facto , nos termos dos art.ºs 729.º n.º 3 , do CPC , 434.º e 410.º n.º 2 , do CPP .

A decisão recorrida não operou qualquer modificação na pena do recorrente .

Não foram tomados em apreço o decurso do tempo e os factos dados como provados , não considerados , impõem uma redução substancial da pena .

Deve ser anulado o acórdão , devolver-se ao tribunal recorrido para consideração da matéria de facto , absolver-se o recorrente ou aplicar-se-lhe uma pena correspondente ao mínimo legal .

VI. O recorrente BB extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões: O acórdão recorrido continua a padecer da nulidade prevista no art.º 379.° n.º 1, al. a) , do C.P.P., uma vez que o último aresto proferido pelo Tribunal " a quo " em nada esclareceu as insuficiências do primeiro acórdão proferido nos autos.

Ao fazê-lo apropriou-se de todas as incorrecções e vícios que haviam sido imputadas aos quatro acórdão proferidos na 1.ª instância.

O último acórdão padece da nulidade prevista no art.º 379.º n.º 1ª) , do CPP, reconhecida por três acórdãos da 1.ª instância .

Os factos considerados como provados não integram a prática do crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º , do Dec.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1 , pois apenas ficou provado que os arguidos AA e BB decidiram passar a adquirir produtos estupefacientes que , depois , venderiam a terceiros , não se considerando provado que adquiriram ou venderam tais produtos .

Está provada a decisão mas não a execução -art.ºs 21.º e 23.º , do CP .

Também não ficou provado que o arguido tenha comprado , vendido , distribuído , transportado , importado ou sequer detido as substâncias estupefacientes encontradas no apartamento que os arguidos haviam arrendado .

A decisão da 1.ª instância não explicita quais os produtos -heroína ou cocaína - que o recorrente destinava a vender a outros indivíduos .

O Tribunal está a recorrer à analogia para qualificar tais factos como crime .

A matéria de facto assente é insuficiente para a decisão de condenar o recorrente , por inverificação dos elementos do tipo , tal como definido no art.º 1.º n.º 1 , do CP , violando-se o disposto nos art.ºs 27.º n.º 2 e 29.º n.ºs 1 e 3 , do CP.

Relativamente aos pontos de facto sob os n.ºs 1, 2 e 9 , da matéria de facto provada , não foi dado cumprimento ao preceituado nas disposições legais em conjugação com o disposto no art.º 283.º n.º3 , do CPP , por falta de indicação das condições de tempo , modo e lugar em que foram praticados e sua motivação , grau de participação dos arguidos e outras circunstâncias relevantes na determinação da pena a aplicar .

Ao apropriar-se tal matéria de facto , acolhendo esse vício o acórdão recorrido incorre na violação do princípio da tipicidade e na nulidade prevista no at.º 379.º n.º 1 c) , do CPP .

O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a impugnação da matéria de facto , o que fere de nulo o acórdão por força do art.º 379.º n.º 1 c) , do CPP .

E nulo é por não constar da acusação que os objectos de ouro apreendidos foram obtidos em pagamento dos estupefacientes o que conduz a alteração não substancial dos factos , que lhe não foi comunicada nem lhe foi concedido tempo para sobre ela se pronunciar , tratando-se de uma alteração de relevo na sua defesa como no destino a dar aos artigos apreendidos .

As intercepções telefónicas realizadas nos autos constituem métodos proibidos de prova , foram efectuadas em violação do disposto nos art.ºs 188.º e 189.º , do CPP, devendo ser declaradas nulas por não terem sido acompanhadas por um juiz nem a selecção por si efectuada , só assim se compreendendo a existência de transcrição nos autos respeitante a terceiro , insuspeito da prática de crime , tentando a 1.ª instância fundamentar a decisão a partir dele .

Tal desrespeito importa nulidade insanável , porque tais actos processuais infringem preceitos com dignidade constitucional .

Consequentemente deve ser ordenada a destruição das transcrições e a desmagnetização de todos suportes magnéticos .

Em favor do arguido milita a ausência de passado criminal, a conduta posterior aos factos a todos títulos irrepreensíveis e os hábitos de trabalho.

Não praticou quaisquer factos ilícitos após a restituição à liberdade dedicando-se a trabalho e família .

A necessidade de pena mostra-se esbatida por ter decorrido longo tempo sobre os factos mantendo o arguido boa conduta .

Justifica-se a atenuação especial da pena e a sua suspensão por um período não inferior a 4 anos .

A pena aplicada é injusta visto que a uma das co-arguidas foram apreendidos cerca de 3 Kgs . de heroína e foi-lhe aplicada pena inferior , além de que foi provado que tentava vender 500 grs. de heroína por 2.500 contos .

O tribunal recorrido violou o disposto os art.ºs 21.º , do DC.º-Lei n.º 15/93 , de 22/1 , 1.º n.º s 1 e 2 , 61.º n.º 1 c) , 70.º , 71.º e 72.º , do CP , 126.º n.ºs 1 e 3 , 127.º , 188.º , 189.º , 358.º , do CPP , 26.º , n.º 1 , 27.º , n .º2 , 29.º n.ºs 1 e 3 , 32.º n.º 8 e 34.º n.ºs 1 e 4 , da CRP .

Em consequência deve o arguido : Ser absolvido ; Ou anulado o acórdão recorrido , ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento ; ou Atenuar-se-lhe a pena , a fixar entre os 30 ou 36 meses de prisão , suspendendo-se a sua execução pelo espaço de 4 anos , de harmonia com o disposto nos art.ºs 50.º , n.º1 , 70.º , 71.º e 72.º , do CP .

VII . O Exm.º Procurador Geral-Adjunto na Relação contramotivou , apenas , com relação ao arguido AA .

VIII . Neste STJ a Exm.ª Sr.ª Procuradora Geral-Adjunta apõs o seu visto .

IX.Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando a seguinte matéria de facto provada , assente pelo Colectivo : 1- A partir de meados do ano de 1994, os arguidos AA e BB decidiram passar a adquirir produtos estupefacientes que depois venderiam a terceiros, de molde a, por essa via, auferirem proventos económicos.

2- Escolheram para base de operações a oficina da "A...", sita em Casal de Canas, Alfragide, Amadora, onde o arguido BB desempenhava as funções de bate-chapas.

3- Essa oficina estava situada perto de uma via de acesso a Lisboa, junto à estrada e sem edificações nas proximidades.

4- Nalgumas reuniões que tiveram lugar nessa oficina, estiveram presentes dois cidadãos turcos que se faziam transportar num veículo automóvel ... Y 10, de matrícula ....

5- Em...

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