Acórdão nº 06P1934 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução13 de Setembro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, foram julgado improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, e, consequentemente confirmada a condenação, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131°, 22°, n° 2, als. a) e b), 23°, n° 2 e 73°, n° 1, als. a) e b), do Código Penal, na pena de cinco anos e dez meses de prisão, em relação a cada um deles.

A arguida AA, não se conformando com a decisão proferida, interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Formula as seguintes conclusões:

  1. Não houve intenção de matar. A recorrente pediu ao co-arguido que parasse de bater dizendo: "Já chega. Afinal vivi com ele tantos anos". Este é, sem dúvida, um acto de contrição.

    Este facto dado como provado está em contradição insanável da fundamentação e perante um erro notório na apreciação da prova.

    O máximo que a recorrente poderia incorrer seria na prática de um crime de ofensas corporais p. e p. no comando legal ínsito no art. 143.° do Código Penal.

  2. As declarações de uma das testemunhas está absolutamente inaudível, sendo certo que as suas declarações são importantes e até decisivas para a descoberta da verdade material.

    A falta deste elemento de prova limita decisivamente a defesa da ora recorrente - o que vai contra o art. 32.° nº 1 da nossa Lei Fundamental. Daí que se repita em sede de 1ª instância tal elemento de prova.

  3. Foi junto aos autos um relatório social sobre a personalidade da arguida que tem influência, na aplicabilidade do art. 72.° do Código Penal. O douto tribunal da comarca não se pronunciou sobre o mesmo - o que acarreta a nulidade prevista no art. 379.°, nº 1, alínea a) do C.P.P.

  4. Feriu-se o princípio da proporcionalidade quando cotejado o mal infligido com a pesadíssima pena de S anos de prisão.

  5. Com peso ou sem ele sempre se deixa registado que a recorrente levou sempre uma vida sem mácula, sendo primária.

  6. Assim, uma pena até 3 anos de prisão, suspensa na sua execução seria o mais ajustado.

    Conclui considerando que foram violados os artigos 72 e 143 do código Penal e os artigos 379 nº1 alínea c) do Código de Processo Penal e 32 da Constituição da república Portuguesa.

    Respondeu o MºPº formulado as seguintes conclusões: a)- O Supremo Tribunal, sendo um tribunal de revista, é um tribunal vocacionado para declarar o direito e não para julgar a matéria de facto, não podendo, por isso sindicar a valoração das provas feitas pelo Tribunal da Relação.

    3 - A alegação de que o acórdão da Relação enferma dos vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório consubstancia matéria de facto cuja discussão está fora dos limites de cognição do Supremo 3 - É inócua a invocação da deficiente gravação do depoimento duma testemunha, se reportada a um depoimento indirecto e nem sequer foi apontada pelo Tribunal Colectivo como prestável para formar a sua convicção, ou seja, se não teve qualquer influência na decisão da causa, 4 - Como expressamente se refere, o relatório social da arguida foi tomado em devida conta no respeitante à determinação da situação pessoal, profissional e familiar, pelo que não se verificou a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 379 do C.P.Penal, nem qualquer outra.

    5 - A pena imposta à arguida apresenta-se criteriosamente doseada e adequada à gravidade dos factos praticados e à personalidade revelada pela arguida na sua prática, em momento posterior e em sede de julgamento No mesmo sentido se determina a resposta produzida pelo assistente CC.

    Neste Tribunal o Ex.ºM.º Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando posição já expressa, e nos termos constantes de fls.

    Colhidos os vistos, foi realizada audiência com o formalismo legal.

    Em sede de decisão da primeira instância foi considerada provada a seguinte factualidade que o Tribunal da Relação de Évora entendeu manter inalterável: -A arguida Aura viveu em união de facto com CC durante, cerca de, pelo menos, 11 anos.

    Em 12/7/02, os arguidos começaram a viver um com o outro.

    No dia 25/7/02, cerca 1,30 h, os arguidos dirigiram-se à casa de CC, situada no Sítio dos Urzais, em Lagoa.

    Lá chegados, e na concretização de prévio acordo feito entre os dois, o arguido começou a bater no assistente com uma metade de um taco de bilhar em madeira, com cerca de 60 cm de comprimento.

    Após, o arguido BB e o CC envolveram-se fisicamente, agarrando-se mutuamente.

    No decurso desse envolvimento, o arguido BB, e sempre na concretização do prévio acordo feito com a arguida, desferiu choques no corpo do CC, com o aparelho de marca "Boeletric Shocker 120,00 volt", com o n° de série 848166, e com a faca de ponta e mola (" fotocopiada" a fls. 128) com cerca de 20 cm de comprimento e lâmina de 9 cm de comprimento, desferiu-lhe vários golpes que o atingiram no corpo, nomeadamente no braço esquerdo, pescoço, tórax e abdómen.

    A violência com que o arguido BB utilizou a faca fez com que esta entrasse no corpo do visado ao ponto de lhe lacerar o fígado.

    Na zona do corpo atingida - zona toráxico-abdominal - encontram-se órgãos essenciais para a vida.

    Ao proceder da forma acima descrita o arguido BB causou directa e necessariamente as lesões descritas no relatório pericial de fls. 240 e 241, nomeadamente ferimentos incisos múltiplos e um na FID, com exterolização de epiplon, bem como ferida perfurante da parede abdominal e ferida hepática.

    De seguida, ambos os arguidos ausentaram-se do local, deixando o CC, que se encontrava sozinho, gravemente ferido e a perder sangue em grande quantidade.

    Por virtude das lesões acima referidas, CC sofreu um período de doença de 30 dias, 20 das quais com incapacidade para o trabalho e das mesmas resultou, como dando permanente, duas cicatrizes nacaradas com 2 cm de comprimento no braço direito, quatro cicatrizes nacaradas de 2 cm de comprimento na região direita do abdómen, cicatriz medido-abdominal, de tipo cirúrgico que se estende na região superior do abdómen a sinfese púbica, duas cicatrizes na face anterior e superior do pescoço.

    Os arguidos actuaram da forma acima descrita, designadamente no que se refere ao desferimento dos golpes com a faca, com o objectivo de tirar a vida ao CC, o que só não aconteceu porque ele conseguiu telefonar a pedir ajuda e foi socorrido, tendo na sequência disso sido submetido a uma intervenção cirúrgica.

    Os arguidos sabiam que a faca utilizada era perigosa e era susceptível de criar lesões e ferimentos em CC que lhe retirassem a vida.

    Actuaram ambos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas supra referidas condutas eram proibidas por lei.

    A arguida tinha conhecimento que o assistente chega a casa todos os dias por volta da 1,30 h, após fechar o restaurante de que é proprietário.

    A casa do assistente situa-se num local afastado de qualquer povoação.

    O arguido trabalha na secretaria da C.M. de Barcelos, pese embora se encontre de baixa há cerca de 3 anos por questões relacionadas com o seu anterior consumo de estupefacientes. À data dos factos tomava metadona.

    Vive com a Mãe.

    Tem o 8° ano de escolaridade.

    É primário.

    Iniciou-se no consumo de estupefacientes aos 14 anos. Fez vários tratamentos com vista a deixar esse consumo.

    Mantém um relacionamento estreito com a sua irmã que vive em Faro.

    É bem considerado pelos amigos e familiares.

    A arguida explora um restaurante em Albufeira, pretendendo iniciar a exploração de outros estabelecimentos dessa natureza.

    Vive sozinha em casa própria.

    Tem o 8° ano de escolaridade.

    Nos últimos anos tem efectuado acções de formação na área da hotelaria e turismo. Tem sempre trabalhado nessa área.

    É primária.

    Até à data dos factos, o arguido BB não teve qualquer contacto com o assistente.

    O arguido BB foi assistido no H.B.A. no dia 25/7/02, ás 4,09 horas, apresentando ferimentos no 10 dedo da mão direita, escoriações no antebraço e mão esquerda e ferimentos na mão esquerda.

    A agressão de que foi vítima deixou o demandante em estado de ansiedade e choque psicológico, o que o impossibilitou de dormir e repousar.

    Após a alta, o demandante ficou uns dias em casa, com dores.

    Quando começou a sair de casa, os filhos tinham que o ir buscar e levar porque não podia conduzir.

    Durante alguns meses o arguido, dormiu sempre acompanhado por familiares, com medo dos arguidos.

    Tinha receio de circular livremente.

    O demandante ficou com receio.

    O demandante é pessoa de boa educação, sensata e goza de boa reputação junto dos seus trabalhadores, colegas, clientes, vizinhos e amigos.

    O demandante ficou com a sua imagem afectada junto daquelas pessoas, tendo sido comentada a situação dos autos.

    O demandante explora um estabelecimento de restaurante sito no empreendimento "... ....".

    Desde os factos o demandante sente-se ansioso e envergonhado.

    Por vezes o demandante tem dores no fígado, tendo que parar e descansar por isso, não podendo estar em certas posições.

    Devido aos ferimentos no fígado, o demandante deixou de poder beber álcool.

    FACTOS NÃO PROVADOS: Da matéria constante nas acusações pública e particular, não se provou que: A vida em comum entre os dois arguidos iniciou-se no início do ano de 2002.

    O objectivo da ida dos arguidos à casa de CC foi a entrega por este de uns cães de sua propriedade.

    Quando os arguidos chegaram à casa do CC desentenderam-se com ele.

    Os arguidos planearam com uma antecedência de vários dias matar o assistente.

    Os arguidos retiraram os cães do assistente.

    Os arguidos aguardaram a chegada do assistente.

    Os arguidos agrediram o assistente com um spray paralisante.

    A faca entrou 9 cm no corpo do assistente.

    Os arguidos transportavam o aparelho de choques e a metade do taco de bilhar com o objectivo de se defenderem de eventuais agressões de terceiros.

    Da matéria da contestação do arguido BB de fls. 607 e segs., não se provou que (para além da matéria já referida, na parte em que era coincidente com alguma das acusações e tendo em conta apenas os factos que não são pura...

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