Acórdão nº 06P1948 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução12 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I - No processo que pendia no 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal de Viseu contra o arguido, AA: Veio, a folhas 235, CC, em representação de sua filha menor ofendida BB, requerer a constituição de assistente e deduzir pedido cível; O Sr. Juiz ordenou, então, a notificação do arguido para, querendo, se pronunciar sobre esse requerimento de constituição de assistente; Este nada disse; Após tramitação que agora não interessa, foi proferido, a folhas 859, despacho admitindo a requerente a intervir como assistente, em representação da sua filha menor BB.

II - Deste despacho interpôs o arguido recurso a folhas 287.

Que foi admitido para subir com o primeiro que depois dele seja interposto e haja de subir imediatamente.

III - Após julgamento, foi proferido o acórdão de folhas 569 e seguintes, no qual se decidiu nos seguintes termos: " - absolver o arguido AA da prática do crime de coação grave por que nestes autos vem acusado; - julgar o arguido AA autor de um crime de violação agravado previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal e, consequentemente, condená-lo na pena de sete (7) anos de prisão.

Na parcial procedência do pedido de indemnização cível condena-se o arguido AA a pagar à demandante CC a quantia de 50.000 € (cinquenta mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela sua filha menor BB.

No mais, absolve-se o arguido do pedido contra ele formulado." IV - Deste acórdão interpôs o arguido recurso, directamente para este Supremo Tribunal.

Foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

V- Vamos conhecer dos recursos pela ordem de interposição.

VI - Conclui o arguido a motivação relativamente ao primeiro do seguinte modo: 1 . Salvo melhor opinião, a mãe da menor BB carece de legitimidade para, desacompanhada do marido, pai da menor, intervir nos autos em representação desta; 2 . Tendo a Meritíssima Juiz admitido tal representação, violadas se mostram, salvo o devido respeito, as disposições dos art.ºs 10.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, aplicável por força do art.º 4.º do CPP e art.º 1901.º do Código Civil.

3 . Devendo, por conseguinte, ser revogado esse aliás douto despacho e declarar-se a ilegitimidade da Assistente CC para, por si só, representar a menor BB nos presentes autos.

Respondeu, ainda na primeira instância, o Digno Procurador da República, concluindo do seguinte modo: A mãe do menor dispõe de legitimidade para, por si só, intervir nos autos como assistente, em face do disposto nos art.ºs 113.º, n.ºs 3 e 4 do CP e 68.º, n.º1, al.s b) e c) do CPP; Relativamente ao pedido de indemnização civil, afigura-se-nos que a menor está devidamente representada por ambos os pais, em face do teor da procuração outorgada pelos dois, que representa expresso acordo entre eles para a sua instauração, estando observado o disposto no art.º 10.º, n.º2 do CPC e 1901.º do CC.

VII - O arguido recorreu do despacho de folhas 259 que admitiu a assistente.

Tem tal despacho ainda uma decisão de marcação de julgamento e uma solicitação ao IRS, mas, manifestamente, estas partes não são abrangidas pelo recurso.

Temos, então, que não há neste recurso que tomar posição sobre a ilegitimidade ou representação para dedução do pedido cível, ficando, por isso, como única questão, a de saber se a mãe da menor podia ser admitida como assistente em representação da filha.

VIII - Os factos a ter em conta são os enumerados supra em I que aqui, "brevitatis causa", se dão como reproduzidos, precisando-se ainda, que: A menor nasceu em 28.8.1995 e tem pai vivo.

IX - A questão conduz-nos directamente ao art.º 68.º, n.º1 alínea d)do CPP. No caso de o ofendido ser menor de 16 anos, pode constituir-se assistente o representante legal.

Nos termos do art.º 1901.º do Código Civil, na constância do matrimónio o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais.

E, de acordo com o art.º 10.º, n.º2 do Código de Processo Civil, se o poder paternal couber a ambos os pais são por estes representados em juízo.

Numa primeira análise, poder-se-ia pensar que no caso presente, em que não se invoca qualquer dado que afecte o poder paternal por parte de ambos os progenitores, haviam de estar ambos no requerimento e subsequente constituição de assistente.

X - Não é, porém, assim.

Se o processo penal se socorre de conceitos próprios do processo civil - como o de representação - não é menos certo que o regime deles em processo penal tem de ser encontrado, em primeira linha, nas próprias normas de processo penal.

Só em casos omissos e quando as próprias disposições do processo penal se não puderem aplicar por analogia, se devem observar as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal.

Este alargar tem contudo de ser muito cauteloso. Como afirma Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, 104), quando a lei processual penal "dá solução à questão suscitada, não há lacuna, mas frequentemente se confunde a existência de lacuna com regulamentação diversa noutros ramos do direito…" XI - Aquele artigo está em íntima relação com o art.º 113.º do Código Penal. Basta ver-se, na parte que nos interessa, o paralelismo de redacções entre a mencionada alínea d) e o n.º3 deste mesmo art.º 113.º.

Esta relação íntima tem plena justificação porquanto corresponde à relação que existe precisamente entre os direitos de queixa e de constituição de assistente.

Desta relação, podemos nós considerar emergente, para efeitos também de legitimidade para constituição de assistente, o regime do n.º4 ainda daquele art.º 113.º. Se necessário, com o recurso à analogia que o falado art.º4.º do CPP situa antes das normas de processo civil.

Daqui resultando que, quando o direito a constituição de assistente pertencer a várias pessoas, qualquer delas o pode exercer.

E que, havendo dois progenitores, ambos com poder paternal sobre um menor ofendido, qualquer deles se pode constituir assistente.

Estamos, assim, em...

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