Acórdão nº 06P129 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução28 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", identificado nos autos, recorre do acórdão de 15.12.04, do Tribunal da Relação de Lisboa (proc. n.º 9974/04), que, em síntese, indeferiu o pedido de recusa do juiz titular do proc. n.º 1237/99, do Tribunal da Comarca de Loures .

1.1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões: "1 - No caso dos autos discute-se se é ou não motivo de recusa o comportamento de um juiz que ofendeu gravemente o mandatário do processo durante a audiência por causa da sua tramitação e por força disso foi objecto de participações disciplinar e criminal - única forma legal de reagir às ofensas de que foi alvo - ainda pendentes, por haver sério risco de ser considerada suspeita a sua intervenção posterior, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

"2 - Segundo a decisão recorrida "...a decisão proferida pelo M°Juiz Presidente do Tribunal Colectivo relativamente à pretensão do Arguido em nada contende com a sua imparcialidade na apreciação dos Autos . Tratando-se apenas e tão só de uma decisão legítima, de que também legitimamente pode o Arguido discordar sendo porém o meio próprio para a atacar não o incidente suscitado mas a sua impugnação em sede de recurso. " 3 - Quer dizer, a decisão recorrida esqueceu-se de ponderar a ofensa objectiva do Sr Dr Juiz recusando ao mandatário do processo, as participações a que necessariamente a mesma deu origem - única forma legal de reagir contra a ela - e tomou posição exclusivamente tendo em conta os outros eventuais erros processuais que, em tempo oportuno, foram objecto do adequado recurso.

4 - Decidiu, pois, com base em errados pressupostos de facto.

5 - Conforme se entendeu no acórdão do STJ exarado no processo 1850/05, da 5ª Secção, de 19 de Maio, em caso similar ao dos autos, mas em que as queixas, de menos peso - de natureza civil - eram do Sr Juiz, deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.

6 - No caso em apreço, a intervenção do Sr Dr Juiz num processo por causa do qual foi objecto, por razões claras e objectivas de participação crime e disciplinar, que qualquer cidadão médio, nas mesmas circunstâncias teria efectuado, obviamente, do ponto de vista da comunidade, gera uma forte verosimilhança de poder estar fundadamente prejudicado o distanciamento que está necessariamente presente na imparcialidade.

7 - A decisão recorrida ao ter entendido de outra forma, violou o artigo 43°, n° 1 do CPP, pelo que deve ser revogada." E 'requereu se solicitassem ao processo 4681/05 (instrução) da 3ª secção da Relação de Lisboa cópia certificada do depoimento prestado pelo Sr Dr Juiz recusando, como arguido, do despacho final do inquérito e do requerimento de abertura da instrução, que não é possível juntar por, por enquanto, tais peças processuais estarem sujeitas a segredo de justiça.' 1.2 Na sequência de deferimento de reclamação (fls. 155 e 156), foi o recurso admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 158) 1.3 Respondeu o Ministério Público, concluindo o seguinte : - 'O presente recurso afigura-se-nos inteiramente infundado e inviável .

- O requerimento de recusa de juiz não se enquadra no condicionalismo imposto no nº 1 do artigo. 43 do CPP .

- A intervenção do juiz recusando durante a audiência de julgamento, fazendo uso dos poderes de disciplina e de direcção dos trabalhos, ainda que em termos enérgicos, não constitui motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade .

- O regime legal de recusa de juiz, que é muito severo enquanto garantia de imparcialidade, não pode confundir-se com expedientes injustificados e entorpecedores da acção da justiça concreta .

Termos em que afigura-se-nos que, porque manifestamente improcedente, é de rejeitar o presente recurso ao abrigo do disposto no artigo. 420 nº 1 do CPP ' .

1.4 Por ocasião da vista a que se reporta o art.º 416.º, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer : "O presente recurso vem interposto pelo arguido AA acórdão da Relação de Lisboa de fls. 39-41, que indeferiu o pedido de recusa formulado ao abrigo dos arts. 43° ss., relativamente ao sr. Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo de Loures, pois no entender dele haveria «motivos sérios para considerar suspeita a sua intercepção a partir do início da audiência».

Analisados os autos, constata-se que já antes do início da audiência do julgamento o citado magistrado indeferira dois requerimentos do arguido, o que terá criado alguma desconfiança ao mandatário do arguido. Durante o julgamento surgiu um desentendimento em torno da forma como se processou a audição de uma testemunha. O mandatário do arguido arguiu uma «irregularidade». E a isso o magistrado reagiu, no despacho subsequente, começando por dizer: "Como já se tornou hábito o ilustre defensor distorce conscientemente a realidade do que se passa na audiência." É nesta frase que o recorrente vê indícios seguros de falta de imparcialidade do magistrado.

No entanto, não creio que tal seja suficiente para afastar um juiz de uma causa.

A recusa de um magistrado tem de assentar em motivos sérios e graves para desconfiar da sua imparcialidade relativamente ao litígio.

No caso em análise, o que se verifica é um relacionamento algo conflituoso entre o juiz e o mandatário do arguido, como por vezes acontece, já que a cena judiciária é por natureza conflitual.

A frase citada pode ser considerada um pouco forte, ou deselegante ou eventualmente ofensiva. Mas ela não traduz nenhuma tomada de posição sobre o litígio, não revela nenhum pré-conceito ou pré-compreensão sobre a causa. É apenas uma picardia, escusada certamente, mas que deve ser enquadrada no conflito latente entre duas pessoas.

Nestes termos, por não haver quaisquer razões para considerar que o recusado revelou parcialidade, deve ser negado provimento ao recurso." 1.5 Notificado nos termos do n.º 2., do art.º 417.º, do C.P.P., veio o requerente a manter o seu anterior entendimento e, "por mera cautela, desde já arguir a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 43º, nº 1 do Código de Processo Penal, feita...

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