Acórdão nº 06P1286 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução25 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No Tribunal Judicial da comarca de Tondela, em processo comum com intervenção do colectivo, foi julgado o arguido AA, devidamente identificado, que se encontrava acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 131º e 132º, n.º 2, alínea g) e d), do C. Penal.

  1. 1 O Ministério Público, a fls. 253 a 255, em representação dos menores BB, CC e DD, deduziu pedido de indemnização contra o arguido, onde peticiona para: - CC, que veio a desistir do pedido, a quantia de 35.396,54 euros; - BB, a quantia de 30.899,54 euros; - DD, a quantia de 52.649,54 euros; quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal.

  2. 2 Igualmente o Hospital ..., a fls. 279 a 281, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, no montante de 30,70 euros, acrescido de juros de mora, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

  3. Após julgamento, veio o arguido a ser condenado como autor de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos artigos 131º, do C. Penal, na pena de 13 anos de prisão; E, na procedência da acção cível, nos pedidos de indemnização civil formulados pelo Hospital .... no montante de 30,70 euros e pelo Ministério Público, em representação dos menores BB e DD, no montante global de 83.549,08 euros, acrescidos de juros desde o dia 22.06.2005, até efectivo e integral pagamento.

  4. 1 Inconformado, recorreu o arguido à Relação de Coimbra que, por seu acórdão de 11/01/2006, decidiu: - Julgar inexistirem factos provados sob os não constantes (omitidos) números 23) a 34).

    - Corrigir a parte do acórdão no facto provado nº 12, suprimindo-se o trecho "sem que nada o justificasse"; - No mais, julgar o recurso por não provido, confirmam o douto acórdão recorrido.» 2.

    2 Mais uma vez inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, fechando a motivação com as seguintes conclusões: 1. O arguido que mata o cônjuge, convencido que a vítima tinha um amante, convencimento dado pelos seguintes factos: - a partir de Dezembro de 2003 o arguido começou a sentir, por parte da vítima, um afastamento progressivo do ponto de vista emocional e sexual o que levou a desentendimentos entre o casal; - Em face disso chegou a perguntar à vítima se ela tinha uma terceira pessoa; Convencimento fortíssimo que perdurou por um período aproximado de 1 ano, a que levou o arguido a um acumular de fortes perturbações da afectividade e a uma situação de explosão, traduzida na discussão ocorrida momentos antes do acontecimento fatal, deve neste quadro a conduta do arguido ser enquadrada na figura do crime privilegiado p. e p. no art.º 136°., do C.P.

  5. Neste caso, podemos concluir que o arguido actuou com "compreensível emoção violenta" e por "motivo de relevante valor social ou moral".

  6. Dado que, deve entender-se por, "compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente fiel ao direito não deixaria de ser sensível" - assente, não em juízos de ponderação ético-jurídicos dos valores conflituantes, mas sim na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime "O assento tónico deve ser colocado no estado psíquico, de afecto, a coberto do qual o agente actua. Pelo que podemos concluir que, a única via correcta e possível para aferir a compreensibilidade é através da valorização da própria emoção - "... o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, afim de se poder simultaneamente compreender a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre a mesma o juízo de (des) valor que afinal constitui o juízo de culpa (Figueiredo Dias. CJ Tomo IV, 1987, págs. 55).

  7. E pela expressão "compreensível" deve ser entendida no sentindo de: Compreender "... significa entender, perceber, alcançar com inteligência, conhecer a razão de em suma, penetrar o sentido de alguma coisa". (Teresa Serra jornadas 1998, p. 165.). Imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afecto e as suas causas ou motivos, pois, para entender uma emoção têm de se considerar as razões que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu. A propósito, FIGUEIRE'DO DI4S, "a compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente ". (Figueiredo Dias, CJ Tomo IV, 1987, págs. 55; em idêntico sentido, Amadeu Ferreira, Homicídios, p. 87; Teresa Serra Jornadas, 1998, págs. 165).

    Desta forma, Fernanda Palma esclarece que a compreensibilidade da emoção violenta deve ser valorada segundo homem concreto e não de acordo com o bonus pater familia - "... compreensível é toda a emoção violenta de que o agente não se poderia libertar com a capacidade psicológica e de domínio da sua vontade de que concretamente dispunha, isto é, dentro dos limites da sua personalidade" (Fernanda Palma, Direito Penal, Parte Especial P 82.) Também, Figueiredo Dias, justamente pensando no autor concreto, considera que importante não são os próprios factos desencadeadores da emoção, mas a sua significação para o agente"... porquanto o que interessa, para efeitos do art.º 133.º, é a representação que o réu teve dos factos: foi tal representação a causa da emoção" (Figueiredo Dias, CJ, Tomo IV, 1987, p. 55) acrescentando: "...de facto, se o seu efeito desculpante reside na situação de «conflito espiritual», que cria para o agente, tanto importará que ela exista na realidade como que derive só de circunstâncias que foram representadas como existentes pelo agente" (Figueiredo Dias, CJ, Tomo IV, 1987, p. 55).

    Igualmente a posição de Amadeu Ferreira ao escrever que "A emoção, igualmente, só poderá ser correctamente avaliada se tomarmos como medida o próprio agente emocionado". (Amadeu Ferreira, Privilegiado, p. 99).

  8. Para além de que a conduta do arguido foi determinada por motivo de relevante valor social ou moral.

    Na jurisprudência, os casos que têm sido pensados como possíveis de possuir esse valor referem-se a questões de adultério, em que o cônjuge traído sente como "motivo honroso" o desagravo da sua honra (como chama a atenção Curado Neves o motivo do desagravo à honra encontra-se ultrapassado, muito embora não nos pareça inteiramente de afastar para meios mais pequenos, normalmente no interior do país) dignidade a imputação de infidelidade (exemplificativamente, o ac. STJ de 3/6/87, BMJ 368, 1987, págs. 295 e segs., a autora, sendo mulher casada, decidiu matar a vítima quando a ouviu prestar declarações em processo em fase de inquérito, no qual esta afirmou que a tinha visto sair de uma casa de banho onde estivera fechada com um homem que não era seu marido).

  9. Caso não se entenda assim, sempre a pena aplicada ao arguido devia ser atenuada nos artigos 72°. n. °1 al. b), e 73°., n. °1 al. a) e b), do C.P.

    Na verdade, a discussão referida em I dos factos dados como provados, que levou à morte da infeliz EE, foi consequência dum estado de irritação, de um acumular de tensões relacionado com o progressivo afastamento emocional e sexual da vítima em relação ao arguido - que o levou a suspeitar que ela pudesse ter outro homem para usar as palavras do douto acórdão).

    Sabemos como se disse em supra, quando tocamos a questão dos motivos de relevante valor social ou moral.

    E, aí dissemos que quer na Jurisprudência, quer na doutrina, os casos que têm silo pensados como possíveis de possuir esse valor refere-se a questões de adultério, em que o cônjuge traído sente como "motivo honroso" o desagravo da sua honra.

    Não nos esqueçamos que o crime se "desenvolveu" e se dá no interior do país (região de Tondela).

    E que se concordamos que o motivo de desagravo à honra encontra-se ultrapassado, não parece inteiramente de afastar para meios mais pequenos, normalmente no interior do país (neste sentido Curado Neves, Homicídio Privilegiado ob. cit.) Tal motivo analisado à luz do quadro de valores, nomeadamente jurídico - institucionais, que o próprio ordenamento jurídico - penal respeita no dizer do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal 2, Parte Geral - As Consequências Jurídicas do Crime -, e que permite uma valorização suficientemente objectiva, adequada às circunstâncias do sujeito, em particular do meio onde vive e foi educado (neste sentido José Alberto Lamego "Sociedade Aberta e Liberdade de Consciência. O Direito Fundamental da Liberdade de Consciência, não é forçoso dizer-se que o arguido foi vítima de "ofensa imerecida" por parte da sua esposa.

  10. B) Por último, a pena aplicada ao arguido 13 anos de prisão é exagerada e desajustada, face ao quadro de agravantes e de atenuantes dadas como provado.

    A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.º 71.º n.º 1 do CP.).

    Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (art. °. 71 °., n.º 2) Como atenuantes depõem a favor do arguido: - é pessoa respeitada na família e no meio onde se integrava (art.º 46°., dos factos provados) - o arguido é funcionário da C.M. de Tondela, onde ocupa funções de Encarregado das (Piscinas (art. °47.º.) - o arguido é bom pai e uma presença continua. (art.º 56°.) - os filhos do arguido continuam a nutrir pelo arguido amor. (art.º 69°).

    - Os filhos do arguido consideram-no um bom pai. (art.º 71 °.) - Do C. R.C., do arguido não constam quaisquer antecedentes.

    O facto da vítima ser esposa do arguido e mãe dos filhos, em que se exigia, ainda um maior respeito pelo bem jurídico protegido, está face às circunstâncias do caso, tal respeito, devido as relações estarem seriamente deterioradas, deixando de existir a razão de ser da agravante (neste sentido Ac. do Trib. da...

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