Acórdão nº 04P4301 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", identificado nos autos, respondeu no Tribunal da Comarca de Leira (proc. n.º763/00), sob imputação de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, nºs 1. e 2., als. d) e g), do Código Penal, e um crime de homicídio qualificado, sob forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1. e 2., als. d) e g), do mesmo diploma.

1.1Procedeu-se a julgamento, tendo o arguido sido condenado como autor de um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131.º, do Código Penal, na pena de 15 anos de prisão e, como autor de um crime de homicídio, sob forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 22.º, n.º 1., e n.º 2., al. b), e 131.º, também do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão. Em cúmulo, foi condenado na pena única de 19 anos de prisão.

1.2 Inconformados, recorreram o arguido e o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 22.09.04, julgou improcedente o recurso do arguido e parcialmente procedente o do Ministério Público, tendo condenado o arguido na pena de 18 anos de prisão pelo crime de homicídio consumado e na pena de 11 anos pelo crime de homicídio tentado. Em cúmulo jurídico, ficou o arguido condenado na pena única de 23 anos de prisão.

1.3 O arguido recorre, agora, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando a motivação com as seguintes conclusões : "1) Conforme consta de fls., a arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, e alegou o que consta de fls.; 2) No Acórdão recorrido foi deliberado: "Julgar por não providos os recursos do arguido e parcialmente provido o do M°P°, alterando-se a decisão recorrida, considerando-se estar perante crimes qualificados, condena-se o arguido na pena única de 23 anos de prisão tudo nos moldes supra-referidos"; 3) Ao arguido foi imputada a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131° e 132°, n.° s 1 e 2, als. d) e g) do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada previsto pelos artigos 22°, 23°, 131°, 132°, , n.°s 1 e 2, als. d) e g) do Código Penal; 4) Segundo se depreende da decisão recorrida, para concluir nos termos supra referidos, o Tribunal "a quo" assentou a sua convicção no depoimento da testemunha BB, que é mãe de um ofendido e mulher de outro, a em mais nenhuma testemunha; 5) Tanto o Tribunal de lª Instância, como o Tribunal de 2ª instância deram-se como provados os factos, apenas pelo depoimento desta testemunha, não tendo dado como provado o que disseram as outras testemunhas de defesa, que puseram em causa que efectivamente o arguido no dia a hora indicado não poderia ter estado a disparar tiros em Leiria, quando estava com uns amigos no Pedrógão, que dista mais de 35 Km de distância de Leiria; 6) O depoimento desta testemunha, não é de modo a ser credível, não só tendo em conta as condições que o prestou, de referir : "inicialmente não conhecia o arguido, depois na sequência da alteração da ordem dentro do Tribunal e por insistência dos seus familiares, que se levantaram de começaram a dizer em voz alta e apontar: É AQUELE... É AQUELE MÃE... É AQUELE MÃE... "; 7) Levou à evacuação da sala tal circunstância, e a interrupção do julgamento por alguns minutos, que possibilitou essa interrupção que os familiares da testemunha (filhas) informassem essa de quem estava a ser julgado, etc.; 8) No Acórdão recorrido diz-se: "O Tribunal não ignorou que a relação familiar estreira entre BB e as vítimas (CC e DD) constitui uma circunstância susceptível de diminuir a credibilidade do seu depoimento.

Por outro lado, não se ignoram algumas imprecisões em que incorreu a testemunha, como sucedeu quando afirmou que os factos se passaram "no mês de S. João, no último dia do mês, a entrar no outro mês': Porém, a razão de ciência invocada, a forma espontânea e convincente como depôs e a concordância entre o seu depoimento e outros meios de prova, tornaram as suas declarações convincentes e credíveis.

A testemunha confirmou o telefonema do arguido (AA) para CC, invocando como razão de ciência o que lhe foi dito pelo seu filho. Apesar de não ter sido ela a atender o telefone, é normal, à luz das regras da experiência comum, que CC, estando em casa com a mãe, lhe tivesse dado conhecimento do telefonema e do encontro combinado com o arguido.

É certo que a TMN declarou que, atenta a forma como recolheu os dados do titular do telemóvel, não garantia que o n° 962458480 pertencesse a AA" Porém, se dúvidas existissem, a circunstância de ter sido encontrado no decurso de uma busca à residência do arguido, sita na rua da Paz, n°..., Leiria, no dia 3 de Julho de 2000, isto é, no dia imediatamente a seguir aos factos, o cartão junto aos autos a fls. 28, elas ficariam dissipadas.

Esse cartão contém: - O nome de "EE"; - Entre parênteses e por baixo do nome "... "; -A menção à actividade do titular do cartão (Imp. Exp. Malhas e Confecções"; - A residência do titular do cartão "Rua....., 2400 Leiria"; - o número de um posto de telefone fixo "(044) 835668"; - o número de telemóvel 96245480'.

Apesar de o nome que figura nesse cartão não coincidir, na sua totalidade, com o nome do arguido, não se suscitaram dúvidas ao tribunal de que se está perante a mesma pessoa".

9) Não podemos estar de acordo como foi dada como provada a matéria que: O telemóvel pertencia ao arguido, ou que tinha sido ele a telefonar naquele dia e hora - veja-se que a hora constante na acusação, era uma, e depois essa hora foi alterada; É a própria TMN que diz que não pode aferir se o telemóvel pertencia ao arguido ou se foi ele que o utilizou; O nome do cartão entrado na busca à residência do arguido, nada tem a ver para o nome do arguido - AA, é uma pessoa - EE é outra pessoa - isso foi esclarecido pelo arguido e por outras testemunhas durante a audiência de julgamento - como é possível dizer-se como se disse no Acórdão da 1ª instância e também nestes agora recorrido, que: "Apesar de o nome que figura nesse cartão não coincidir, na sua totalidade, com o nome do arguido, não se suscitaram dúvidas ao tribunal de que se está perante a mesma pessoa.

Na verdade, a colocação entre parênteses, imediatamente por baixo do nome de "EE" também é conhecido por "..."; d) Como se pode dizer que o arguido, que se chama AA, é o mesmo que EE, e que a alcunha, ou sobrenome de "...", tem a ver como a mesma pessoa.

10) O Acórdão faz uma errada interpretação e aplicação do que dispõem as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, nomeadamente do que consta da possibilidade de ter sido o arguido a cometer os factos por que foi condenado, de uma forma extravagante, violadora os princípios da imediação da prova, contraditório, da livre apreciação da prova, depoimento indirecto, etc.; 11) O testemunho da BB, com todas as imprecisões que incorreu, e que estão assentes como verdade no Acórdão recorrido, disse não conhecer o arguido quando lhe foi perguntado pelo Tribunal, e depois a interferência das suas filhas presentes na audiência de julgamento, da interrupção desta, e quando o arguido não se encontrava na sala, apontou muito timidamente, sem se virar para quem quer que fosse, mas apenas num gesto de voltar o braço para trás, é aquele; 12) Nos termos do disposto no artigo 129°, n° 1 do C.P.P., "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova..."; 13) Não existem de que o testemunho da BB nesta parte é nulo a de nenhum efeito, e o facto de no Acórdão recorrido se ter admitido que esse testemunho é válido, é também nulo o mesmo Acórdão; 14) Se efectivamente na primeira instância os Srs. Juízes queriam dar valor ao testemunho da BB, teriam de ter notificado seu filho para prestar depoimento, e a 2ª instância teria de ter Renovado a prova de acordo com o que se requereu; 15) Nunca se poderá dar como provada esta matéria, sob pena de nulidade; 16) O mesmo sucede com o facto de ter-se dado como que o cartão encontrado era do arguido, e como dizia em tal cartão "...", então dúvidas não existiam que era ele mesmo; 17) Todas estas provas obtidas deste modo, e fundamentadas deste modo, são nulas tendo em conta do disposto nos artigos 129° e seguintes do C.P.P.; 18) E, o Acórdão recorrido é nulo, tendo em conta o disposto nos artigos 374° e 375° e 410° do C.P.; 19) Nos temos do disposto no n° 2 do artigo 410° do C.P.P.: "Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova." 20) Daí a necessidade deste Venerando Tribunal, apreciar aqui neste recurso a matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, e que acima se expôs, por violação expressa do artigo 410° do CPP; 21) Há de facto contradição na matéria dada como provada, e nunca se poderia chegar à conclusão a que se chegou, se os princípios em que se assenta o nosso direito penal, nomeadamente: princípio do dispositivo, da imediação da prova, "in dubio pro reo", etc.; 22) Nenhuma importância foi dada às testemunhas de defesa que no dia em que o arguido é acusado de ter praticado os factos, estiveram como ele, e o acompanharam - veja-se o seu depoimento transcrito - e que dúvidas nenhumas pela análise de tais depoimentos se pode chegar à conclusão que se chegou no Acórdão recorrido; 23) Não se entende como é possível, como um depoimento contraditório, com imprecisões, depois de alterada a ordem dentro da sala e mandadas sair todas as pessoas presentes que estavam assistir, se dá como certo o que a BB disse, sem convicção, e se condena o arguido na forma como condenou; 24) Não são só as...

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