Acórdão nº 05P2861 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | PEREIRA MADEIRA |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2005 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
Em processo comum (tribunal colectivo) da 2ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, nº .../02.0TDLSB, por acórdão de 20 de Julho de 2004 foi decidido, além do mais:
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Julgar a acusação improcedente, por não provada, relativamente aos arguidos (9º) AA e (10ª) BB, dela os absolvendo; b) Julgar a acusação improcedente, por não provada, na parte referente aos crimes de ofensas à integridade física simples, do art.º 143º, nº 1 do C.Penal imputados aos arguidos (1º) CC, (6º) DD e (8º) EE, deles os absolvendo; c) Julgar a acusação procedente, por provada, na parte restante e em consequência condenar os arguidos (1º) CC, (2ª) FF, (3º) GG, (4º) HH, (5º) II, (6º) DD, (7º) JJ e (8º) EE, cada um deles, na pena de quatro anos e seis meses de prisão (por um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1, do DL 15/93); o arguido II ainda por um crime de detenção de arma proibida, do art.º 275º, nº 4 do C.Penal, na pena de três meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e sete meses de prisão.
Declarou ainda perdidos a favor do Estado todas as quantias em dinheiro e todos os bens apreendidos nos autos (art.ºs 109º do CP e 35º, 36º e 38º do DL 15/93) - à excepção dos referidos/excluídos em 2.4.3.
( «Restituir-se-ão à arguida HH, os artigos em ouro adquiridos em data anterior à data dos factos dos autos (a Setembro de 2002), de acordo com o que resulta das facturas juntas pela arguida a fls. 1903 a 1921.») Ordenou a destruição de toda a droga apreendida.
E condenou os arguidos 1º a 8º nas custas do processo.
Deste acórdão que recorreram à Relação de Lisboa os arguidos EE (o 8º arguido - cfr. fls. 2114 e ss.), JJ (o 7º arguido - com aperfeiçoamento a fls. 2505 e ss.), FF (a 2ª arguida - com aperfeiçoamento a fls. 2501 e ss.), e GG (o 3º arguido - cfr. fls. 2182 e ss.).
Mas aquele tribunal superior, por acórdão de 27/4/2005, negou provimento a todos os recursos.
Ainda irresignados, recorrem agora ao Supremo Tribunal de Justiça os mesmos arguidos culminando assim as respectivas motivações: A - Os arguidos JJ e FF (peça conjunta) 1. A recorrente que havia sido condenada pelo ilícito p. e p. no art.º 21. ° n°1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo a impugnação da matéria fáctica dada como provada.
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Designadamente: que tivesse alguma vez comercializado produtos estupefacientes, que tivesse guardado na sua casa aquelas substâncias tóxicas e que as tivesse entregue a terceiros que aí se deslocassem a pedido de seu marido, bem como (na parte a si respeitante) "que arguidos CC, HH, II, DD, juntamente com FF, GG, JJ e EE, em comunhão de esforços e de forma concertada, desde Setembro de 2002 e até à detenção de parte deles em 26 de Março de 2003, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, em Lisboa. E, por vezes, dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros" 3. Apesar do Agente da P.S.P. MM.. em audiência de julgamento ter referido que "a única coisa que vi, foi a FF acompanhar a HH e o NN ao sítio onde estava o marido a vender, mas ela não fez nada de especial", o Agente LL, nada ter referido sobre a recorrente, só o tendo feito no referente à busca a sua casa e o Agente PP, por outro lado ter mencionado não ter procedido a vigilâncias em que tivesse visionado a recorrente é o que consta na transcrição dos suportes técnicos.
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O tribunal, deitando mão às escutas telefónicas, improcedeu à impugnação de toda a matéria fáctica invocada pela recorrente.
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Sendo certo que não se alcança, assim, do valor prático da transcrição da prova produzida em audiência de julgamento.
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Sendo ainda certo que as escutas telefónicas são (ou deveriam ser) apenas um meio de obtenção de prova e resultarem em prova, desde que corroboradas por outros meios de prova, o que como acima foi referido, não foi o caso.
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E sempre terá de se ter em conta a pouca fiabilidade das mesmas, como única prova para condenar quem quer que seja, a quatro anos e meio de prisão, sendo que muitas das vezes induzem em erro, quando desacompanhadas da prova produzida em audiência de julgamento.
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A título de exemplo, veja-se o referido pelo Acórdão de que ora se recorre, quando menciona: (1 parte da pág. 38): " (...) bem como lhe solicitava que fosse buscar dinheiro a casa do arguido AA (...)" Porém, resultou da matéria fáctica dada como não provada, pelo tribunal de 1.ª Instância (pág. 20): - que o arguido AA, a troco de quantias monetárias, cedesse a sua casa para a descrita actividade onde também guardava as quantias monetárias dela provenientes, que mais tarde, entregava ao arguido CC" 9. No deveriam, pois os pontos acima referidos, que a recorrente pretendia ver impugnados, terem resultado provados, como o foram pelo aliás douto Acórdão recorrido.
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Também o acórdão recorrido, manteve o enquadramento jurídico do art.º 21° nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, ao contrário da recorrente, que propugnava pela aplicação do disposto no art.º 25° do mesmo diploma, com o fundamento de que da matéria dada como provada resultava: " (...) no presente caso, os factos apurados integram o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo citado art.º 21.º, nº 1, do DL 15/93, com referência às tabelas A, l-B e l-C (heroína, cocaína e Cannabis Sativa L), no caso, já que os arguidos CC,HH II, DD (não recorrentes), juntamente com os ora recorrentes FF, GG, JJ e EE, em comunhão de esforços e de forma concertada, desde Setembro de 2002 e até à detenção de parte deles em 26 de Março de 2003, dedicaram-se à comercialização de estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, que vendiam a terceiros consumidores desses produtos, actividade que decorreu em diversos locais do Bairro da Cruz Vermelha, em Lisboa. E, por vezes, dispunham também de pedaços de haxixe para entrega a terceiros.
Daí que logo se deve afastar a alegada diminuição da gravidade da ilicitude do facto, (...) (pág. 42 do Acórdão).
"Como vimos, tal não corresponde à factualidade apurada, nem esta se traduz na aludida diminuição considerável da ilicitude, quer quanto a tal recorrente, como no que respeita aos demais, FF (...)" (pág. 42 do Acórdão)." Certo é que o acórdão de 1.ª Instância. (pág. 28) ao invés refere: "In casu, o grau de ilicitude do facto não se apresenta particularmente acentuado, a atentar na qualidade e na quantidade das drogas apreendidas (...)" Acrescentando ainda, o Acórdão de 1.ª Instância "O dolo dos arguidos foi directo, de mediana intensidade" 11. Sempre se dirá ainda, ter resultado provado pelo Acórdão da 1.ª Instância (pág. 7) - não tendo sido valorado pelo Acórdão recorrido - que a recorrente sempre agiu "a pedido" do arguido CC seu companheiro e pai das suas duas filhas, portanto sob a sua orientação e dependência.
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Que por ser consumidor, também ele, de produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas em grande escala, se tornava muito agressivo, quando contrariado, daí o facto da recorrente, segundo o que declarou em sede de julgamento, nunca lhe recusar os seus "pedidos" que aquele por telefone lhe fazia, mas não os realizar na prática, desculpando-se posteriormente com os afazeres com as filhas, com a casa ou o trabalho que realizava.
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Constata-se, assim, a existência dos pressupostos do enquadramento jurídico pelo art.º 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro à recorrente, já que os meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das substâncias, indiciam que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.
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Porém, o Acórdão recorrido não o entendeu assim, fazendo "tábua rasa" de todos os factores que impunham à recorrente aquele enquadramento jurídico.
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Também a pena de quatro anos e seis meses de prisão aplicada à recorrente que se encontra em liberdade, se mostra, especialmente severa e desajustada.
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A recorrente, conforme o que resultou provado em sede de 1.ª Instância, apresenta condição social e económica muito modesta, em total discrepância com os avultados e fáceis lucros que a actividade de tráfico proporciona, antes vivendo na maior pobreza, vendo-se obrigada a dormir com as filhas na sala sobre colchões, já que praticamente inexistentes móveis na sua casa, pelo que a ter cometido o agir ilícito que lhe é imputado, só o seu companheiro usufruía com isso, para o seu próprio consumo de estupefacientes, bebida e convívio com outras mulheres, (de quem aliás, de uma tem um filho bebé) que certamente, num rasgo de consciência assim o declarou em sede de audiência e discussão de julgamento.
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É inteiramente primária, tem emprego certo e duas filhas com seis e dez anos que de si - já que o pai se encontra preso - dependem. Não tem qualquer outro processo pendente.
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Mais justo e equilibrado - atente-se que todos os arguidos foram condenados em igual pena (quatro anos e seis meses de prisão), teria sido, ter-lhe sido aplicado o enquadramento jurídico preceituado no art. 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro e em consequência ter sido condenada em pena não privativa da liberdade, suspensa a sua execução, por a prognose da suspensão se lhe apresentar favorável.
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Foram, pois, violadas pelo douto Acórdão recorrido as seguintes normas jurídicas: Art°s 410° n°2, alínea c), 412° nº 3, alíneas a), b) e c) do C.P.P., 50° 70°, 71° nº 1 e nº 2 alíneas a), c) d) e e), 72° nº 1 e n°2, alíneas a) e d), todos do Código Penal e Art°s 21° nº 1, 25° do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Termos em que sempre com o desejável e necessário suprimento de Vossas Excelências deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, mas a certeza de que como, habitualmente, aplicarão a melhor, JUSTIÇA B - EE: «1 A esmagadora maioria da factualidade considera assente não se relaciona, nem de directa nem indirectamente com o recorrente: Note-se, a este propósito, toda a...
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