Acórdão nº 02B3953 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelEDUARDO BAPTISTA
Data da Resolução23 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A "Companhia de Seguros A, SA", Ré com outra ("B" - Comércio de Automóveis, SA") na acção declarativa ordinária, que lhes moveu "C" - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária, SA" e que correu termos pela 1ª Secção do 11º Juízo (presentemente 11ª Vara) Cível de Lisboa, inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23 de Maio de 2002, que confirmou a sentença proferida em 1ª instância - que condenara a ora Recorrente a pagar, solidariamente com a co-Ré, a quantia de 2.634.341$00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, quando esta for igual ou superior à taxa de desconto do Banco de Portugal, ou a esta última quando aquela for superior, devendo os juros ser reduzidos da quantia de 320.000$00 - dele veio recorrer, de revista, para este Supremo Tribunal. A Recorrente apresentou alegações, onde formulou as conclusões que seguem: "I- A questão essencial dos autos prende-se com a interpretação da cláusula sobre objecto das garantias inserta nas Condições Particulares dos seguros de caução directa a que se referem as apólices dos autos; "II- Das cláusulas consta que a garantia respeita a rendas do veículo Volkswagen Polo - AG e do veículo Rover 214 GSI- AF mas as partes não concretizaram se se trata das rendas devidas pela "B" à A., por força do contrato de locação financeira, ou das rendas devidas pelo locatário final, em resultado do contrato de aluguer de longa duração; "III- É certo que o douto Tribunal considerou que os seguros caução garantiam o pagamento de todas as rendas dos contratos de locação financeira; "IV - Mas, salvo o devido respeito, esse entendimento não tem, no texto da cláusula, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita-mente expresso - nem resulta da matéria de facto dada como provada; "V- Por outro lado, estabeleceu-se no contrato-quadro (Protocolos juntos aos autos) que os seguros de caução se destinavam a garantir o pagamento das rendas do contrato de aluguer de longa duração, ou seja, as devidas pelos locatários finais à "B", em consequência dos contra-tos de A.L.D.; "VI- Ora, em caso de lacuna nos contratos de aplicação (apólices de seguro), a mesma deverá ser preenchida com recurso às normas constantes do contrato-quadro (no caso concreto, o protocolo em vigor à data da emissão das apólices); "VII- Para além do que o contrato de seguro é um contrato a favor de terceiro - pelo que ao beneficiário apenas aproveita aquilo que foi contratado entre os outorgantes do contrato de seguro, ou seja, entre a seguradora e o tomador do seguro; "VIII- Não se mostra, pois, que as apólices de seguro dos autos tivessem garantido quaisquer obrigações da "B" para com a Autora, emergentes dos contratos de locação financeira; "IX- Para além do que, a Veneranda Relação violou normas legais da apreciação da prova e interpretação dos contratos, designadamente o disposto no artº 238º do Código Civil; "X- No descrito condicionalismo, verifica-se a nulidade do negócio em sede interpretativa (cfr. Manuel de Andrade, "Teoria Geral", 1960, pág. 315); "XI- Acresce que, o impropriamente chamado "aluguer de longa duração" não tem consagração ou base legal, nem corresponde a um modelo contratual, específico, revestido de autonomia prática e jurídica face a outros contratos, designadamente, o de locação financeira; "XII- Sucedeu, sim, que a "B" funcionava como intermediária entre a "C" e os particulares interessados na aquisição de veículos automóveis para uso próprio; "XII- A A. e a "B", ambas conluiadas, contornaram as normas legais que proibiam a locação financeira de coisas móveis para usos não afectos a actividades empresariais; "XIV - Houve, pois, interposição real da "B" no negócio em causa; "XV - Para prosseguir um objectivo ilícito - em fraude à lei; "XVI- Logo, os contratos de locação financeira celebrados entre a A. e a "B" são nulos, quer por terem um objecto contrário à lei (art.º 280º do Cód. Civil), quer pela circunstância de o seu fim, comum à A. e à "B". ser também contrário à lei e à ordem pública ( art.º 281º); "XVII- Ora, a fiança não é válida se não o for a obrigação principal (art.º 632º, n.º 1 do Código Civil) - o que obviamente se aplica também ao caso de seguro de caução (consoante, aliás, o art.º 8º, n.º 2 das Condições Gerais das apólices); "XVIII- A questão da nulidade dos contratos de locação financeira, e consequente invalidade das apólices de seguro de caução dos autos, é de conhecimento oficioso pelo Tribunal - operando, aliás, ipso iure ou ipsa vi legis; "XIX- Por outro lado, a cláusula 16ª, n.º 2 do contrato de locação financeira reveste um carácter draconiano, pela evidente, desproporção entre os prejuízos que a A. possa ter sofrido e o montante tão excessivo da indemnização - sendo certo que nos contratos de adesão, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir são feridas de nulidade; "XX- Por tudo o exposto, a R seguradora deve ser absolvida inteiramente do pedido, dado que as apólices emitidas não garantem as quantias reclamadas na presente acção; "XXI- Para além do que, ainda que as apólices garantissem presta-ções devidas pela "B" à A., à face dos contratos de locação financeira (o que só por mera hipótese, e sem conceder, se formula), tal garantia não seria válida, dada a nulidade das obrigações principais (ou seja, dos próprios contratos de locação financeira); "XXII- A apreciação desta questão da nulidade dos contratos de locação financeira pode ser feita, no sentido preconizado nas anteriores conclusões, com base na matéria de facto já constante dos autos; "XXIII- A ora recorrente e a "B", ao celebrarem os protocolos existentes nos autos, recorreram à figura do contrato-quadro, pelo que tais protocolos são elementos imprescindíveis para a compreensão das apólices no tocante à questão do objecto das garantias, bem como a quaisquer outras; "XXIV- E, como contrato a favor de terceiro, o seguro aproveita ao respectivo, beneficiário apenas nos precisos termos contratados entre a seguradora e o tomador do seguro (que são os previstos nos protocolos em causa); "XXV - Finalmente, os seguros caução dos autos não são uma garantia "on first demand", como claramente se verifica pelo texto das respectivas apólices; "XXVI- O douto Acórdão recorrido violou o disposto no artº 659º, nº 3 do C.P.C. actual; e artºs 238º, 236º, 280º, 281º, 364º, 393º, 562º, 563º, 564º, 566º, 632º, nº 1, 762º e 798º, todos do Código Civil; artºs 426º do Código Comercial e artº 8º do Dec. Lei nº 183/88; artºs 19º, c) e 12º do Dec. Lei nº 446/85; artºs 1º, 2º e 6º do Dec. Lei 171/79 (redacção vigente no tempo da conclusão do contrato de locação financeira dos autos); e Dec. Lei nº 103/86, de 19 de Maio". A Recorrente termina com o pedido de revogação do...

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